China reitera meta de crescimento do PIB em ‘cerca de 5%’ em 2024

Pressionado por um alto patamar de crescimento, o governo chinês enfrenta a desconfiança internacional com medidas de estímulo e estabilidade econômica.

O Grande Salão do Povo, onde está a Assembleia Popular Nacional, na Praça da Paz Celestial em Pequim. O Edifício do Grande Salão do Povo.

O primeiro-ministro Li Qiang anunciou nesta terça-feira (5) que a China manterá a meta de crescimento do produto interno bruto (PIB) em “cerca de 5%” para o ano de 2024. Essa decisão reflete a continuidade da estratégia adotada no ano anterior, demonstrando uma postura de estabilidade econômica em meio aos desafios enfrentados pelo país. A declaração foi feita durante a leitura do primeiro relatório de trabalho governamental na tradicional reunião “Duas Sessões”.

As metas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e outros indicadores econômicos foram reveladas durante a abertura da reunião anual do Congresso Nacional do Povo (NPC) ou Assembleia Popular Nacional (APN), o parlamento na China. Este evento define o rumo econômico do país para o próximo ano.

Em 2023, o PIB chinês avançou 5,2%, ficando próximo à meta oficial de cerca de 5%. No entanto, diversos desafios, como a crise no setor imobiliário, o consumo doméstico fraco e o desemprego em alta, persistiram, mesmo com o retorno gradual às atividades normais após os impactos da pandemia de covid-19. Esses fatores contribuíram para manter o crescimento econômico contido.

A meta deste ano será mais difícil de alcançar do que a do ano passado porque o efeito de base favorável de um ano de 2022 atingido pela covid-19 desapareceu.

Estímulos ao crescimento

Em seu discurso, Li Qiang reconheceu os desafios enfrentados pela China na recuperação econômica pós-pandemia, bem como os impactos negativos do ambiente externo global no desenvolvimento do país. Ele também mencionou planos de reforma do sistema tributário e fiscal, embora sem entrar em detalhes específicos. A relação entre o déficit e o PIB foi fixada em 3% para 2024, com o déficit do governo aumentando ¥ 180 bilhões (cerca de R$ 123,8 bilhões) em relação ao valor do orçamento de 2023.

Para 2024, a meta estabelecida está em linha com as previsões dos economistas, permanecendo igual à do ano anterior. Espera-se que um pacote de apoio ao setor imobiliário e outras medidas de estímulo sejam implementadas para impulsionar a economia chinesa ao longo deste ano.

Para cumprir a meta, a China planeja incorrer num déficit orçamental de 3% da produção econômica, abaixo dos 3,8% revistos do ano passado, afirma o relatório. Mas o mais importante é o plano de emitir 1 trilhão de yuans (US$ 139 bilhões de dólares) em obrigações do tesouro especiais, de ultralongo prazo durante vários anos para financiar grandes estratégias nacionais, que normalmente não estão incluídas no orçamento.

De acordo com o primeiro-ministro, será criado um ambiente político estável, transparente e previsível para as empresas e o foco será na “comunicação com o mercado”.

A expansão da procura interna, a promoção do crescimento constante dos gastos do consumidor e um programa de um ano para impulsionar o consumo também foram destacados como metas para 2024.

Li acrescentou que o governo planeja proporcionar um acesso mais amplo aos investidores privados em áreas como as telecomunicações e os serviços médicos, ao mesmo tempo que expande o comércio exterior, incluindo o comércio eletrônico transfronteiriço. Foram anunciados planos para “eliminar completamente” o limiar para o investimento estrangeiro no setor industrial.

Conforme divulgado no relatório governamental, a previsão para a taxa de desemprego no país é de cerca de 5,5%. Além disso, são esperados 12 milhões de novos empregos urbanos e uma inflação ao consumidor de 3%. Essas metas para 2024 foram mantidas em consonância com as estabelecidas para o ano anterior.

O primeiro-ministro ressaltou a necessidade de impulsionar o emprego para os jovens e oferecer orientação e serviços para facilitar sua inserção no mercado de trabalho ou no empreendedorismo.

O governo chinês anunciou que a estabilidade do crescimento econômico será uma prioridade em 2024, em meio a desafios persistentes, como o setor imobiliário e os desequilíbrios estruturais da economia. Enquanto o país busca manter seu ritmo de expansão, enfrenta dificuldades decorrentes de uma base de comparação elevada e obstáculos internos.

Elementos de contenção

A crise imobiliária, o aprofundamento da deflação, a derrocada do mercado de ações e os crescentes problemas de dívida dos governos locais exercem grande pressão sobre os líderes da China para tomarem decisões políticas importantes que colocarão a economia numa base sólida a longo prazo.

Analistas observam que, em comparação com o ano anterior, uma meta de crescimento em torno de 5% ainda é considerada ambiciosa. E ressaltam os desafios da recuperação econômica, as questões no setor imobiliário e a diminuição da confiança empresarial e do consumidor, destacando a importância de focar no retorno da confiança e dos gastos. Eles esperam que a China reduza as suas ambições de crescimento anual no futuro, uma vez que precisa tomar decisões difíceis sobre como corrigir estes profundos desequilíbrios estruturais.

Para lidar com esses desafios, Pequim sinalizou um “fortalecimento moderado” dos estímulos fiscais, mantendo ao mesmo tempo a cautela em relação à sustentabilidade da dívida soberana. A meta de déficit fiscal em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) permaneceu em 3%. No entanto, embora a meta para o crescimento do PIB estivesse dentro das expectativas, a relação dívida/PIB frustrou as esperanças.

Defesa e Taiwan

Além das questões econômicas, Li Qiang abordou também temas relacionados à defesa e política externa. Ele enfatizou a necessidade de fortalecer o treinamento militar e a preparação em todos os níveis do Exército de Libertação Popular. Foi anunciado um aumento de 7,2% no orçamento militar do país, que será fixado em 1,66 trilhões de yuans (cerca de US$ 231,4 bilhões).

Quanto a Taiwan, o primeiro-ministro afirmou que a China se oporá firmemente à “independência de Taiwan” e à interferência externa. Ele reafirmou o compromisso com o princípio de Uma Só China e a oposição aos separatistas, defendendo os interesses fundamentais da nação chinesa e buscando promover o desenvolvimento pacífico das relações através do Estreito de Taiwan.

“Gostaria de salientar que, em comparação com grandes potências militares, como os Estados Unidos, os gastos com defesa da China são bastante baixos, quer em percentual do produto interno bruto [PIB] ou do orçamento total, quer em termos de despesas por cidadão ou por militar”, disse o porta-voz da segunda sessão da 14ª APN, Lou Qinjian, em entrevista coletiva na segunda-feira (4).

Inovação e tecnologia

O governo chinês deve adotar uma postura mais acomodatícia e expansionista, buscando impulsionar o crescimento econômico. No entanto, uma forte flexibilização monetária é menos provável devido ao diferencial negativo em relação à taxa de juros dos Estados Unidos e às preocupações com a fuga de capital externo.

“Trabalharemos para expandir nossa rede global de zonas de livre comércio de alto nível e ajudaremos os governos locais e as empresas a abrirem novas vias para o comércio exterior, utilizando melhor os acordos de livre comércio”, indica o documento.

Na prática, esse novo tipo de desenvolvimento econômico será impulsionado por novas forças produtivas, priorizando a qualidade em detrimento da quantidade. A inovação e a tecnologia serão os principais motores para desenvolver essas novas forças produtivas, conforme destacado pelo governo chinês. Essa abordagem reflete a busca por uma economia mais resiliente e adaptável às mudanças globais, mantendo o crescimento de forma sustentável.

A China se comprometeu a se tornar autossuficiente em esferas que vão da Inteligência Artificial  (IA) à fabricacão de chips, diante das tentativas conduzidas pelos EUA para conter o seu desenvolvimento. O país investiu fortemente em pesquisa e desenvolvimento (P&D) industrial e de consumo nos últimos anos, com cerca de 2,5% em 2022 em percentual do PIB.

O governo vai aumentar os gastos com P&D em cerca de 10%, com o relatório destacando a atualização industrial e da cadeia de abastecimento, e com maior foco em indústrias orientadas para o futuro, como biofabricação, tecnologia quântica, energia de hidrogênio, voos espaciais comerciais e desenvolvimento da economia digital. O país também pretende consolidar a sua posição de liderança em indústrias como a de veículos inteligentes conectados de novas energias.

O parlamento oficial da China não é o local tradicional para mudanças políticas bruscas, que são normalmente reservadas para eventos conhecidos como plenários, realizados pelo Partido Comunista entre os seus congressos que ocorrem uma vez a cada cinco anos.

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