Citando mortes pela fome generalizada em Gaza, África do Sul recorre à CIJ

Pedido foi o segundo desde fevereiro ao tribunal, que julga processo contra Israel pelo crime de “genocídio”, movido pelos sul-africanos

Em Gaza, 1,1 milhão de crianças corem risco de morrer por subnutrição

O governo da África do Sul deu um passo decisivo na tentativa de mitigar a crise humanitária que assola a Faixa de Gaza, ao solicitar à Corte Internacional de Justiça (CIJ) medidas adicionais urgentes contra Israel. O pedido, divulgado nesta quarta-feira (6), destaca a “fome generalizada” enfrentada pelos palestinos na região e sugere um cessar-fogo imediato para interromper o sofrimento e garantir a segurança da população, especialmente das crianças.

No pedido, a África do Sul se diz “compelida a retornar à Corte, à luz de novos fatos e mudanças na situação em Gaza — particularmente da situação da fome generalizada — ligados às violações contínuas e chocantes da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio pelo Estado de Israel e suas violações contínuas e manifestas das medidas provisórias dessa Corte”.

A África do Sul fundamenta seu requerimento com base em supostas violações das medidas em vigor por parte de Israel, alegando que tais ações colocam em risco a vida e a dignidade dos habitantes de Gaza. Em um comunicado oficial, a Presidência sul-africana expressou preocupação com a urgência da situação e instou a CIJ a agir rapidamente para evitar uma tragédia iminente.

A África do Sul pede ainda que tal decisão seja realizada sem uma audiência, diante da “extrema urgência da situação” e para “urgentemente garantir a segurança de 2,3 milhões de palestinos em Gaza, incluindo um milhão de crianças”.

Flagelo da fome

“A ameaça de fome total agora se materializou. O tribunal precisa agir agora para parar a tragédia iminente, assegurando imediata e eficazmente que os direitos protegidos pela Convenção do Genocídio sejam respeitados”, ressaltou o comunicado.

Além do apelo por um cessar-fogo imediato, a África do Sul solicita que Israel adote medidas urgentes e eficazes para garantir a prestação de serviços básicos e assistência humanitária essenciais em Gaza, onde a situação atingiu proporções alarmantes.

A nova petição, que também pede um cessar-fogo, cita declarações das Nações Unidas afirmando que a população local está “diante dos maiores níveis de insegurança alimentar já vistos”, com “93% da população em Gaza enfrentando níveis críticos de fome, com alimentos insuficientes e altos níveis de desnutrição”, e com “uma em cada quatro residências em situação catastrófica”.

“Palestinos em Gaza não estão mais diante do ‘risco imediato de morte por inanição’. Pelo menos 15 crianças palestinas, incluindo bebês, em Gaza já morreram de fome na última semana, e os números reais provavelmente são mais elevados”, diz a petição. “Essas mortes são ‘feitas pelo homem, previsíveis e totalmente preveníveis. E é previsto que elas vão aumentar exponencialmente sem o cessar das atividades militares e o levantamento do bloqueio [militar]”.

Exemplo de genocídio

Este pedido surge em meio a um processo movido pela África do Sul na CIJ contra Israel, acusando o Estado israelense de genocídio em relação à operação militar desencadeada em Gaza no ano passado. Embora Israel refute as acusações, o processo continua e conta com o apoio de diversos países e instituições internacionais.

Nas alegações iniciais, a África do Sul detalhou incidentes que, segundo seus advogados, se encaixam nas definições de genocídio, conforme os termos da convenção da ONU sobre o tema, adotada em 1948, após o Holocausto. O processo, que pode levar anos para ser julgado, conta com o apoio de uma dezena de países — incluindo o Brasil — e instituições como a Organização dos Países Islâmicos e a Liga Árabe.

A decisão da CIJ, no entanto, não incluiu o pedido de cessar-fogo feito pelos sul-africanos, mas exigiu que Israel tomasse medidas para evitar o genocídio e melhorar o acesso à ajuda humanitária em Gaza.

Segundo o Tribunal, Israel deveria tomar medidas para evitar a prática e a defesa pública do crime de genocídio, implementar ações para melhorar o acesso à ajuda humanitária em Gaza e apresentar, no final de fevereiro, um relatório apontando o que foi feito.

Enquanto a petição da África do Sul aguarda uma resposta da CIJ, o mundo observa com apreensão os desdobramentos na região, onde dezenas de palestinos morreram em incidentes recentes, agravando ainda mais a situação já precária da população de Gaza. A CIJ não indicou quando ou se atenderá à petição sul-africana, mas a urgência da situação exige ação imediata para evitar mais tragédias humanitárias.

No mês passado, a África do Sul havia voltado a requisitar medidas adicionais, centradas em um veto explícito à operação militar que os israelenses planejam lançar contra Rafah, onde está a maior parte das centenas de milhares de refugiados palestinos. O pedido foi negado pela Corte.

O pedido também vem dias depois de dezenas de palestinos morrerem durante uma caótica entrega de ajuda humanitária perto da Cidade de Gaza, um incidente no qual soldados israelenses são acusados de disparar deliberadamente contra civis desarmados. A Corte não indicou quando ou se atenderá a petição sul-africana.

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