Permissão para estados legislarem sobre armas é inconstitucional

Projeto defendido por bolsonaristas é aprovado na CCJ e segue para o plenário. Pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública alerta para os perigos da proposta

Sessão da CCJ que aprovou projeto. Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Comandada por uma bolsonarista e com maioria alinhada a essa posição, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, nesta quarta-feira (24), projeto que permite aos estados e ao DF legislarem sobre o porte de armas de fogo. Para o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberto Uchôa, além de inconstitucional, a proposta é preocupante por permitir a maior circulação de armas, o que potencializa desvios para o crime e o aumento no número de vítimas. 

Ao Portal Vermelho, Uchôa salienta que o projeto é inconstitucional por dar aos estados um uma atribuição que é federal e por acabar regulamentando o mercado de armas de fogo. “É preocupante que uma comissão encarregada justamente de analisar a constitucionalidade das propostas e dos projetos, tenha aprovado algo claramente inconstitucional”, afirma.

O texto da proposta, que teve 34 votos favoráveis e 30 contrários, autoriza as unidades federativas “a disporem de forma específica sobre a posse e o porte de armas de fogo, para fins de defesa pessoal, práticas desportivas e de controle de espécies exóticas invasoras”.

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Ainda segundo a proposta, os estados que forem adotar tal legislação precisariam provar que têm capacidade de fiscalizar o detentor das armas e que as autorizações só valeriam naquela unidade federativa. Além disso, o estado teria de instituir um sistema de controle de armas integrado ao Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) do Ministério da Justiça. 

Com a anuência da CCJ, a matéria — apresentada pela presidente do colegiado, Caroline de Toni (PL-SC), com relatoria de seu colega Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), ambos bolsonaristas — segue agora para o plenário.

Para o pesquisador do FBSP, a aprovação “é uma pequena amostra de como temos problemas nessa legislatura, em algumas comissões, com a ocupação de pessoas que, acredito, não entendem a finalidade daquela comissão”. 

Fragilização do controle

A proposta é claramente uma ofensiva de setores de extrema-direita, como a bancada da bala, contra o posicionamento adotado pelo governo Lula, que vem tentando reverter o libera-geral de armas de fogo promovido pelo então presidente Jair Bolsonaro, bem como ao Supremo Tribunal Federal (STF), que também tem se colocado contrário à ampliação do acesso.

“Trata-se de projeto que fragiliza qualquer tentativa de uma política nacional de controle de armas e copia o que acontece nos Estados Unidos, onde você tem cada estado com suas próprias legislações e regulamentos sobre armas de fogo, o que propicia que dentro do próprio país você não consiga ter o combate ao desvio de armas de fogo”, argumenta Uchôa. 

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Isso porque, explica o pesquisador, “como acontece nos Estados Unidos, você pode ter o estado A, por exemplo, com uma política mais restritiva de acesso às armas de fogo, mas o estado B, vizinho, com uma política permissiva. Dessa maneira, muitas vezes as pessoas que não conseguem comprar no estado A vão comprar no B. E essas armas acabam sendo desviadas para mercados ilegais ou utilizadas no cometimento de crimes”. 

Mesmo no regime legislativo atual, é alto o número de armas desviadas dentro do que é possível averiguar a partir de dados disponibilizados por órgãos públicos. Em novembro de 2023, o Brasil teve recorde de armas de CACs roubadas, furtadas ou extraviadas, num total de 1.259 ocorrências, média de 126 por mês, conforme levantamento feito pelo jornal O Globo.

Uchôa salienta que o Brasil “já é um país com sérios problemas de utilização de armas de fogo em crimes, a gente tem índices de quase 80% dos homicídios sendo cometidos por armas de fogo e uma mudança desse tipo — apesar de já ter afirmado que é inconstitucional, mas vamos dizer que ela fosse implementada —, seria uma catástrofe em termos de segurança pública e de controle de armas de fogo”. 

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O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP, mostrou que em 2022, havia mais de 783 mil pessoas registradas como CAC (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), número sete vezes maior do que em 2018, antes da posse de Bolsonaro. Com isso, em 2022, o número de registros ativos de armas chegou a 1,5 milhão, crescimento de 47,5% em relação a 2019. Já o número de munições saltou 147% entre 2017 e 2022. 

Além do cenário já descrito, o pesquisador alerta que com uma lei como essas “a gente passaria a não só ter um problema nas nossas fronteiras através do contrabando, mas também teríamos um problema interno muito maior do que foi observado nos últimos anos com a facilitação do acesso às armas de fogo. Acho que isso causaria muitas, muitas mortes”.