Metade dos assassinatos de mulheres em 2022 foi por arma de fogo

Estudo do Instituto Sou da Paz aponta, ainda, que 7 em cada 10 vítimas são negras e 60% têm entre 20 e 39 anos. Em 28% dos casos, os agressores eram parceiros e ex-parceiros

Foto: Ramiro Furquim/Agência Senado

A facilitação ao acesso às armas de fogo e a cultura armamentista e de ódio que marcaram o governo Jair Bolsonaro, somadas ao machismo e à misoginia, cobraram uma fatura alta das brasileiras. Metade das mulheres assassinadas no Brasil em 2022 foram vitimadas por armas de fogo e sete em cada dez são negras; 27% desses assassinatos ocorreram em casa, segundo o Instituto Sou da Paz. 

Tendo como base os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos do Ministério da Saúde, o instituto aponta que 50% dos homicídios de mulheres registrados em 2022 tiveram como instrumento as armas de fogo; em seguida vêm os objetos cortantes ou penetrantes, com 27%. 

Segundo essa metodologia, entre 2012 e 2022, a média de homicídios femininos registrados no país foi de 4,4 mil ao ano. O termo “feminicídio” não foi utilizado no levantamento porque os dados colhidos levam em conta registros de mortes por agressões contidos no sistema de saúde; neste caso, ainda não se sabe a motivação do crime. 

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Com base nos dados de 2022, foi possível aferir que as mulheres adultas jovens (20-29 anos) e as de até 39 anos formaram a maior parcela das vítimas de homicídio por arma de fogo, respondendo por 60% dos óbitos registrados. Mais de 68% dos homicídios foram de mulheres negras e, do total de assassinatos de mulheres com armas de fogo em 2022, 27% ocorreram em casa. Neste universo, a arma de fogo foi usada em 39% das ocorrências. 

Além disso, tanto em 2021 quanto em 2022, dentre as notificações gerais de violência que envolvem o emprego de arma de fogo contidas no Sinan, 91% foram interpessoais, ou seja, causado por outra pessoa que não a própria vítima e, nestes casos, 43% das vítimas são mulheres. 

Somente em 2022, houve quase 3,8 mil notificações de violência não letal com emprego de arma de fogo contra mulheres no Brasil. E, de cada três mulheres vítimas de violência armada em 2022, uma foi agredida por parceiros ou ex-parceiros — o que corresponde a 28% das notificações. 

Vale destacar, ainda, que segundo o estudo, “a repetição é uma dinâmica característica da violência doméstica e está presente em um terçodos casos que envolvem emprego de arma de fogo, a mais alta proporção registrada nos três últimos anos. Esse indicador sinaliza para o risco de morte que a presença de arma de fogo representa para as mulheres em situação de violência doméstica”. 

“O descontrole no acesso a armas vigente de 2019 a 2022 não levou em consideração o risco que a maior quantidade de armas dentro de casa apresenta para as mulheres. Das mulheres mortas no Brasil, metade é vítima de agressões com armas de fogo”, disse, ao Portal Vermelho, Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.

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Ela salientou que os dados do Ministério da Saúde “apontam para um aumento da proporção das mortes com uso de arma de fogo que acontecem dentro de casa, subindo de 19% em 2012 para 27% em 2022, o que pode estar relacionado à maior disponibilidade de armas dentro das residências”. 

Natália explicou que as novas normas de acesso a armas publicadas em 2023, primeiro ano do governo Lula, “começam a reestabelecer um acesso mais controlado, mas ainda vamos sentir por muitos anos o impacto da enorme quantidade de armas que entrou em circulação nos últimos anos e que não foram recolhidas”. 

Ela defende ser essencial que “o Estado invista em uma fiscalização mais próxima desses proprietários de armas e que realize a imediata apreensão das armas e suspensão do registro de qualquer pessoa acusada de violência doméstica para tentar evitar sua escalada para um feminicídio”. 

Para enfrentar a situação, o Sou da Paz sugere um conjunto de boas práticas, entre as quais estão a atuação de delegados e juízes na apreensão de armas de fogo de agressores, medida prevista em complemento de 2019 à Lei Maria da Penha; ampliação dos canais de atendimento; ampliação e fortalecimento da Patrulha Maria da Penha e o uso das câmeras nos uniformes pelos policiais como forma de coletar evidências contra os agressores em flagrantes.