Ao eleger 1ª presidenta, México inaugura nova fase na luta das mulheres

País avança rapidamente na representatividade feminina na política depois de garantir o cumprimento de leis de paridade; processo culminou com a eleição de Cláudia Sheinbaum

Claudia Sheinbaum festeja vitória. Foto: reprodução/redes sociais

A luta das mexicanas por igualdade guarda semelhanças com a de boa parte das mulheres pelo mundo. Afinal, seja onde for, ser mulher sempre implicou ocupar uma posição subalterna e submissa em relação aos homens, inclusive na política. Mas, ainda que as iniquidades sigam sendo brutais, a luta feminista vem conseguindo, ao longo de décadas, avanços fundamentais para garantir direitos iguais. E a eleição de Cláudia Sheinbaum para a Presidência do México é um importante capítulo dessa história. 

“Falando especialmente da América Latina, temos sociedades com estruturas patriarcais, que funcionam sob essa lógica e ‘de cima para baixo’, desde as conexões mais elementares até as mais complexas. Então, a Cláudia vai precisar enfrentar essa situação também, o que não é uma coisa simples”, diz Ana Prestes, secretária de Relações Internacionais do PCdoB. 

Ela completa explicando que transformações profundas na estrutura da sociedade “levam tempo porque são mudanças também de natureza cultural. O México, por exemplo, é um país extremamente religioso, católico, o que reforça um pouco essa questão do lugar da mulher nos cuidados, na casa, e a dificuldade de se estabelecer uma participação feminina efetiva na política ao longo da história”. 

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Um exemplo das dificuldades enfrentadas pelas mexicanas é a violência de gênero, que pode ser considerada o ponto máximo da escala do machismo. Mesmo vivendo sob um governo à esquerda, com Lopez Obrador, o país ainda não conseguiu superar essa chaga, intimamente ligada à histórica estrutura machista e misógina naturalizada em boa parte do mundo. 

No caso do México, somente no primeiro trimestre deste ano, cerca de duas mulheres foram assassinadas, por dia, devido a questões de gênero, num total de 184 casos, segundo o Sistema Nacional de Segurança Pública do México. Em 2023, foram 830 feminicídios. No mesmo ano, mais de 70 mil foram vítimas de agressão física. E, de acordo com a ONU Mulheres, 70% das mexicanas com mais de 15 anos sofreram violência pelo menos uma vez na vida.

A eleição de uma mulher como Cláudia, feminista e de esquerda, é um avanço também para a luta pela igualdade de gênero. “Não chego sozinha. Chegamos todas, com nossas heroínas que nos deram a pátria, com nossas antepassadas, nossas mães, nossas filhas e nossas netas”, disse, após ser declarada vitoriosa. 

Vontade política

Para Ana Prestes, a eleição do México mostra que “quando há vontade e decisão política, é possível mudar a condição da participação das mulheres em cargos de poder”. 

Passo fundamental neste sentido foi a lei que garantiu paridade de gênero nas eleições, promulgada em 2014 e em vigor desde 2018. A regra estabelece que os partidos devem apresentar 50% de candidatas e 50% de candidatos. 

Além disso, uma reforma constitucional, em 2019, estabeleceu que a busca pela paridade de gênero deve estar presente nos três poderes, nos três níveis do Executivo e nos organismos públicos autônomos. A medida ficou conhecida como Lei da Paridade em Tudo.

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A aplicação dessas regras fez saltar a participação feminina. No caso do Congresso, por exemplo, as mulheres saíram de pouco mais de 15% do total em 2000 para quase 51% em 2021. De acordo com a ONU, em 2018, o México era o quarto país em participação nos parlamentos, perdendo apenas para Ruanda, Cuba e Bolívia — o Brasil está em 39º e os Estados Unidos, tidos como o “berço da democracia”, ficam na vergonhosa 76ª colocação. 

O processo evolutivo mexicano culminou com a histórica eleição de Cláudia Sheinbaum, primeira mulher presidenta do país, com um percentual consagrador de quase 60% dos votos. Em segundo lugar ficou outra mulher, a ex-senadora de centro-direita Xochitl Gálvez, com cerca de 28%. 

“A vitória da Cláudia é uma vitória do avanço das mulheres na política e, também, o avanço de um projeto”, diz Ana Prestes. Ela completa ponderando que a nova presidenta “está apoiada sobre um projeto muito consistente, popular e forte, com grande representatividade nas casas legislativas e governos”.

De acordo com dados das autoridades mexicanas, o principal partido da aliança, o Movimiento de Regeneración Nacional (Morena), de Lopez Obrador e Cláudia Sheinbaum, passa a governar 24 dos 32 estados — há seis anos, eram quatro. Na capital, Cidade do México, Clara Brugada, outra mulher “morenista”, saiu vencedora com mais de 50% dos votos. 

Segundo os resultados divulgados até o momento, a coalizão que reúne Morena, PT (Partido del Trabajo) e PVEM (Partido Verde Ecologista de México) pode conseguir maioria qualificada nas duas casas do Congresso mexicano. Até o momento eles teriam, somados, entre 346 e 380 deputados, de um total de 500 cadeiras. No caso do Senado, entre 76 e 88 de 128. 

Além da forte sustentação política, Ana Prestes chama atenção para o perfil ideológico de Cláudia. “Ela é uma mulher que está concatenada com lutas atualíssimas — por exemplo, a questão da palestina. Ela é de uma família de judeus, mas sempre deixou claro que defende o Estado da Palestina”. 

E conclui: “Soma-se a isso o fato de Cláudia ser uma cientista da área do meio ambiente e estamos enfrentando, em todo o mundo, uma grave crise climática. Por fim, ressalto que o México é um dos países com maiores índices de violência contra a mulher e ela está nessa luta também e é uma mulher que sabe da importância de abrir espaço para outras mulheres”.