“Ousar Viver! Histórias da Maria” será lançado na Cinemateca em São Paulo

Na avaliação de Marcus Vinicius, arranjador do filme dirigido po Silvio Tendler, a “obra é sobre o futuro” e estampa a “presença certa dos militantes do sonho, como Maria Pimentel e seus companheiros de todas as épocas”

(Imagme: Divulgação)

“Ousar Viver é um filme sobre o futuro, pois projeta a presença certa dos militantes do sonho, como Maria Pimentel e seus companheiros de todas as épocas, naquela luta final referida na letra de A Internacional: aquela luta em que a humanidade triunfará contra o obscurantismo”, afirma Marcus Vinicius, diretor da Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (AMAR), em entrevista sobre a relevância da obra cinematográfica que será lançada na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, às 19 horas da próxima quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra.

Na avaliação de Marcus Vinicius, responsável pela música do longa-metragem, realizado pelo Instituto Angelim e pela Caliban Produções, o documentário fala do ‘resgate da abnegação e do desprendimento militante na luta coletiva por uma sociedade mais justa” dando voz a uma companheira como Maria Pimentel, atualmente com 76 anos. Militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), Maria foi presa e exilada, e desde sua volta ao Brasil, em 1975, cumpriu papel destacado na reorganização do movimento sindical e feminino, atuando de forma decisiva para a redemocratização do país.

“Para mim, é extremamente significativo que um cineasta da importância do Silvio Tendler – que sempre priorizou a História em seus filmes -, tenha abraçado um episódio cuja protagonista ainda está presente e ativa politicamente, podendo inclusive ser indagada pelo próprio diretor ao longo do filme”, ressaltou o maestro. Mais gratificante ainda, assinalou, “é constatar que Silvio está enfatizando um compromisso com a juventude, a qual realmente necessita ser atendida no que respeita ao conhecimento da história e das questões nacionais”, pois “se os intelectuais e artistas qualificados e responsáveis deste país não assumirem esse compromisso, o risco é que essas novas gerações terminem sendo política e historicamente formadas pelos palpiteiros da grande mídia ou mesmo pelos mecanismos educacionais existentes, precários em grande parte, com exceções”.

Marcus Vinicius aponta sua satisfação com o trabalho. “Ter feito a música desse filme compartilhando as lembranças de velhos companheiros e a memória das lutas daquela época, é algo fundamental para mim”, enfatizou. 

Qual a importância de um documentário como “Ousar Viver” para a reflexão sobre um momento tão sombrio quanto desconhecido da história brasileira, como foi o da ditadura militar?

Toda reflexão sobre a história é positiva. Ninguém perde nada (pelo contrário) quando pensa, fala e discute sobre a história: mesmo que seja pela enésima vez sempre se aprende um pouco mais. A cultura brasileira de maior densidade não pode dispensar a parceria com a História. Principalmente a nossa cultura de viés nacional-popular de uma forma ou de outra sempre tem a história como matéria-prima: é o caso das peças do Ferreira Gullar (que se debruçou sobre Getúlio Vargas, p. ex.), do Chico Buarque (vide Calabar), os espetáculos do Teatro de Arena de São Paulo (Arena Conta Zumbi, Arena Conta Tiradentes, Castro Alves Pede Passagem,  etc.), bem como os do Movimento de Cultura Popular do Recife e os do CPC da UNE, que sempre trouxeram temas históricos, quando menos cenas isoladas como as hilárias sketchs com Pedro Álvares Cabral e outros colonizadores. A diferença com os dias de hoje é que estamos agora nos voltando para uma história mais recente, da qual nós e nossos contemporâneos, principalmente algumas pessoas mais próximas a nós, participamos ativamente. Não somos narradores distantes dela, sim testemunhas e personagens do que aconteceu. No caso de Ousar Viver, estamos contando nossa própria história, uma história na qual estivemos presentes e fomos parte. É uma história que ainda está viva, uma história do presente, digamos assim.

Qual a relevância de um cineasta como Silvio Tendler ter abraçado este filme com tanto entusiasmo, citando em especial seu compromisso com a juventude.

Para mim, é extremamente significativo que um cineasta da importância do Silvio Tendler (que sempre priorizou a História em seus filmes) tenha abraçado um episódio cuja protagonista ainda está presente e ativa politicamente, podendo inclusive ser indagada pelo próprio diretor ao longo do filme, como ocorreu, aliás. Mais gratificante ainda é constatar que Silvio está enfatizando um compromisso com a juventude, a qual realmente necessita ser atendida no que respeita ao conhecimento da história, das questões nacionais etc. Se os intelectuais e artistas qualificados e responsáveis deste país não assumirem esse compromisso, o risco é que essas novas gerações terminem sendo política e historicamente formadas pelos palpiteiros da grande mídia ou mesmo pelos mecanismos educacionais existentes, precários em grande parte, com exceções. Com isso, o conhecimento da história e da política irá aos poucos desaparecendo entre nós, principalmente se as novas gerações perderem o contato com isso que chamo de história viva, que é o conhecimento crítico, em tempo real, ao vivo e em cores, com a historicidade que ainda temos chance de conhecer.

Recentemente, no CPC-UMES, realizamos o projeto “Memórias do Palco”, cujo objetivo era trazer grandes nomes do teatro brasileiro para debater ao vivo com o público, no Teatro Denoy de Oliveira. Infelizmente, alguns dos nomes pautados para o projeto se foram antes do tempo e o projeto teve de ser realizado com os nomes remanescentes (o que não impediu seu grande sucesso, aliás). Lamentamos que o público tenha perdido a oportunidade de conhecer pessoalmente artistas brasileiros de relevância, que doravante só serão conhecidos por meios indiretos. Por isso é que o CPC-UMES, em respeito à massa estudantil que o compõe e que o patrocina, faz questão de dar prioridade a esses projetos que colocam a história em cena. E é com muita honra que vemos o grande artista que é Silvio Tendler, nesse incentivo declarado à juventude, compartilhar do mesmo propósito que temos.

Como compositor, maestro e arranjador, que tanto contribuiu para a obra, aplaudida de pé no lançamento em São Carlos, como te sentes em se somar a esta iniciativa?

Sinto-me imensamente gratificado. Há muito eu já desejava trabalhar com o Silvio Tendler, realizador que admiro há muito e por cujo interesse pela História brasileira tenho também grande afinidade pessoal e profissional.

Outra razão para meu entusiasmo é que, através do Ousar Viver, fui levado de volta para aquele Rio de Janeiro de grande efervescência política em que eu vivia nos anos 1970, o que me permitiu rememorar velhos amigos como o Ricardo Villas, hoje artista de nossa Gravadora CPC-UMES, o pessoal da ESDI (como a imensa Carmem Portinho e o hoje cineasta Waltinho Carvalho, com quem dividi um apartamento na época em que ousávamos viver), isso para não falar de figuras legendárias na minha memória, como Sérgio Rubens Torres, que relembro ter encontrado em sessões do Cine Paissandu, quando jamais suspeitaria que ele, anos depois, me convocaria para integrar o CPC em São Paulo. Todos esses nomes, além de muitos outros que foram se juntando com o tempo, fazem parte do grande painel afetivo em torno desse filme memorável que hoje reverenciamos e aplaudimos. Ter feito a música desse filme compartilhando as lembranças de tais companheiros e a memória das lutas daquela época, é algo fundamental para mim. 

Em tempos de desmemória e de negacionismo, como dimensionar um filme que resgata o valor da abnegação e do desprendimento militante, mas o coloca afirmando o papel do coletivo na construção de uma sociedade mais justa?

Para mim, a história contada por Ousar Viver tem um de seus maiores méritos exatamente nesse resgate da abnegação e do desprendimento militante na luta coletiva por uma sociedade mais justa. Nesse aspecto, Ousar Viver não é um filme sobre o passado. É um filme sobre o futuro, pois projeta a presença certa dos militantes do sonho, como Maria Pimentel e seus companheiros de todas as épocas, naquela luta final referida na letra de A Internacional: aquela luta em que a Humanidade triunfará contra o Obscurantismo.

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