“Equador derrotará estado de exceção que agrava arrocho neoliberal”, diz sindicalista
Marcela Arellano, presidente da Federação Unitária dos Trabalhadores do Equador defende composição de ampla frente para pôr fim ao ciclo de arrocho, desemprego e violência extrema
Publicado 09/12/2024 10:26 | Editado 09/12/2024 14:14
“As primeiras normas aprovadas por Noboa foram a implementação da agenda neoliberal para a privatização, a adoção de Tratados de Livre Comércio (TLCs) e de impostos de caráter regressivo – que prejudicam os mais pobres –, com o acréscimo de 12 a 15% na taxa de Imposto sobre vendas”, denunciou Marcela Arellano Villa, presidente da Federação Unitária dos Trabalhadores (FUT) e da Confederação Equatoriana de Organizações Sindicais Livres (Ceosl).
Nesta entrevista exclusiva, Marcela afirmou que Daniel Noboa, presidente do Equador só tem demonstrado competência em proteger e multiplicar os interesses da sua família e do capital agroindustrial e mineiro transnacional”.
Para que o país volte a crescer, a sindicalista propõe a “composição de uma ampla frente para pôr fim ao ciclo de apagões de até 14 horas, arrocho salarial, desemprego e violência extrema” que afeta o país sul-americano.
Acompanhe a entrevista abaixo.
O megaempresário Daniel Noboa assumiu a presidência do Equador em um mandato tampão de ano e meio, em novembro de 2023, que até o momento tem se caracterizado por crescentes apagões, desemprego e violência. Na sua avaliação, qual é a principal marca de Noboa?
Em primeiro lugar, é preciso avaliar o contexto em que se encontrava o Equador. O presidente Noboa já assumiu em um quadro de violência – onde as mortes violentas dispararam de seis por 100 mil habitantes em 2018 para 47 por 100 mil em 2023 –, colocando o país na lista dos dez com maior incidência de crimes em todo o mundo.
A crise de violência desestabiliza o governo de Guillerme Lasso e o obriga à renúncia, que praticamente desemboca no processo de “morte cruzada” – com novas eleições presidenciais e legislativas. Em 7 de janeiro de 2024, o país desemboca num quadro de atrocidades exacerbado. Neste dia, um grupo de delinquentes toma os meios de comunicação, chegando até mesmo a espalhar bombas em cidades como Quito e Guaiaquil, deixando o cenário bastante complexo.
Afora isso, desde o ano passado, nosso país já vinha sendo afetado pela crise energética. Especialistas do setor tinham anunciado com estudos e projeções que a situação iria se agudizar. Neste contexto, chega Noboa e se utiliza tanto da crise de segurança como da crise de energia para aprofundar a agenda neoliberal.
E o que conseguiu até este momento? Logrou que as primeiras normas aprovadas por ele fossem justamente a implementação da agenda neoliberal para a privatização, a adoção de Tratados de Livre Comércio (TLCs) e de impostos de caráter regressivo – que prejudicam os mais pobres –, com o acréscimo de 12 a 15% na taxa de Imposto sobre Vendas (IVA) a pretexto de que esses 3% seriam aplicados no combate à insegurança. Esse dinheiro iria para a polícia e seu “Plano Fênix”, que no nosso entender nunca existiu porque jamais trouxe qualquer resultado concreto, nunca afetou os chefes do crime organizado. Prova disso é que segue havendo crise carcerária, sem qualquer medida que cuide da vida das pessoas; as pequenas e microempresas continuam sendo assaltadas pelos delinquentes. Aliás, cresceram as extorsões destas máfias, que não afetam apenas os comerciantes, mas até mesmo quem ganha um pouco mais e teve de passar a ter de pagar propina aos criminosos. Ou seja, o governo não tem feito absolutamente nada!
A única coisa que lamentavelmente tem avançado são essas medidas de caráter regressivo, de caráter neoliberal, como a privatização do setor energético e o aumento do IVA, fazendo com que a capacidade aquisitiva dos salários tenha sido brutalmente reduzida. Por afetar os empregos diretos e indiretos, a crise energética vem impactando na precarização das relações do trabalho.
Em abril de 2024, você denunciou que, através de uma Consulta Popular, “Noboa tentava render o país à escravidão moderna do neoliberalismo”, mas, em vez disso, “a população foi às urnas e ratificou a soberania nacional, deixando claro que o governo mentia”. Qual o significado deste passo?
O governo tentou implantar uma reforma trabalhista regressiva por meio de uma Consulta Popular com a maioria das perguntas sobre segurança, mas que incorporou duas perguntas em relação à reforma constitucional para permitir o trabalho por horas e o contrato a prazo fixo. Dizia que essas medidas eram necessárias para conseguir investimento estrangeiro. Havia uma outra ainda sobre a arbitragem internacional – colocando a corda do pescoço da nossa soberania, submetendo o país às transnacionais e aos seus lobistas. Felizmente, 70% da população equatoriana disse não ao governo, que perdeu naquilo que era a centralidade da sua Consulta.
Apesar disso, tem acelerado nas medidas de flexibilização laboral, com o Ministério do Trabalho iniciando um ataque à organização sindical e estamos agora num momento de agressão e perseguição às lideranças. Continuamos com os problemas de insegurança e chegamos a ter até 14 horas diárias de apagões, provocando uma série de dificuldades. É um governo absolutamente ineficiente sem qualquer interesse por direitos ou por solucionar problemas dos equatorianos.
Você tem afirmado que o governo Noboa gosta de pescar em “rio revuelto” (em águas turvas), tirando proveito para a sua família. Como isso se dá?
É que os negócios da sua família multimilionária têm crescido com a implementação dos Tratados de Livre Comércio que ampliam as fronteiras agroindustrial e mineira. E quando interessam, o governo segue avançando… E segue negociando TLCs com os Estados Unidos e com o Canadá, de costas para os trabalhadores e para o conjunto do nosso povo. Portanto, é um governo incapaz de implementar medidas de proteção ao direito e à vida, mas tremendamente competente para proteger e multiplicar tanto os interesses da sua família quanto os do capital agroindustrial e mineiro transnacional.
Cito como exemplo as hidrelétricas postas à leilão. As instalações de uma delas foram entregues ao grupo Glória, que provém do Peru [onde foi revelado que financiou a campanha milionária de Keiko Fujimori, anos depois de colaborar com o governo ditatorial de seu pai, Alberto], está vinculado a um cartel alimentício [forçado pela França a retirar do mercado produtos lácteos contaminados por salmonela].
Do ponto de vista da organização sindical, como você vê a composição de uma frente ampla para derrotar o atual desgoverno nas próximas eleições de fevereiro de 2025?
O que estamos fazendo neste momento é elevar a capacidade de mobilização, atuando tanto no cenário nacional como internacional. Denunciamos na Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em outras instâncias o que está ocorrendo a partir da implementação da política neoliberal e da perseguição sindical. Em junho deste ano, na 112ª seção da OIT, o Equador foi integrado na lista dos piores países para os trabalhadores, pelos constantes ataques à liberdade sindical. Isso foi resultado da ação da Frente Unitária dos Trabalhadores e, naturalmente, da nossa Confederação Equatoriana.
É um cenário que estamos denunciando, fincando pé em capítulos como o nove do TLC com a União Europeia, no qual apontamos a necessidade da defesa dos direitos trabalhistas e do meio ambiente. Seja por meio de queixas ou documentos, agimos para pressionar e obrigar o governo equatoriano a cumprir com suas obrigações e respeitar direitos.
No aspecto interno, primeiro podemos dizer que estamos dialogando com as demais organizações e movimentos com o objetivo de consolidar uma força pujante. Isolado, o movimento sindical não tem como enfrentar tudo o que significa o poder de Noboa.
Noboa não conseguiu somente controlar a Assembleia Constituinte, mas os meios de comunicação, implementando um estado de exceção, em que tem mantido permanentemente o país, impedindo que ocorram grandes manifestações, exatamente pelo amedrontamento das pessoas. É isso o que faz com que a ministra do Governo, o ministro do Interior e os demais generais saiam a dar declarações de que mobilizações não serão permitidas. Isolado, o movimento sindical não está conseguindo fazer frente à força pública armada e convocada para intimidar e perseguir.
Apesar de tudo, na Consulta Popular, a incidência do movimento sindical e popular derrotou todo o aparato estatal e toda campanha midiática. Vencemos a narrativa dos meios de comunicação, impusemos uma derrota ao retrocesso, conseguindo travar a batalha nas ruas e, também, nas redes sociais.
Diante disso, qual a importância de construir uma rede de comunicação que atenda aos interesses do desenvolvimento com soberania, fortalecendo a integração dos nossos países e povos?
MA – Precisamos de uma estratégia de comunicação que aborde esse cenário construído pela grande mídia nos somando a redes sociais que permitam romper o bloqueio construído por governos autoritários como o atual, que nos impedem o acesso aos meios de comunicação.
A censura ocorre para que não se conheça além da fronteira a realidade e a dimensão da crise em que estamos mergulhados. Por isso é indispensável contarmos no Brasil com instrumentos como a Hora do Povo, o Vermelho, a Diálogos do Sul, o Correio da Cidadania e o ComunicaSul. São meios independentes existentes para sustentar a solidariedade e levar mais longe a luta dos nossos povos com um compromisso integracionista.