Ultradireita vence eleição presidencial na Polônia com apoio de Trump

Historiador revisionista e anticomunista derrota prefeito liberal de Varsóvia à base de promessas de endurecer políticas migratórias e fragilizar a legislação ambiental

Karol é o historiador que se dedicou a apagar da história polonesa a resistência dos comunistas aos nazistas.

A Polônia escolheu seu novo presidente no domingo (1º), e o vencedor foi o historiador conservador Karol Nawrocki, que superou por margem estreita o prefeito liberal de Varsóvia, Rafal Trzaskowski. Segundo a Comissão Eleitoral Nacional (NEC), Nawrocki conquistou 50,89% dos votos, contra 49,11% de Trzaskowski, desmentindo as projeções de boca de urna que previam derrota para o candidato da extrema direita.

A eleição reflete uma forte polarização no país e evidencia o desgaste do campo liberal, ainda que o governo continue nas mãos da coalizão de centro-direita liderada pelo primeiro-ministro Donald Tusk. Nawrocki, apoiado pelo partido conservador Lei e Justiça (PiS), assume com promessas de endurecer posições em temas sensíveis para a União Europeia, como meio ambiente e migração.

Apoio explícito de Trump e da CPAC impulsionou candidatura

A campanha de Nawrocki contou com o apoio explícito do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e de figuras de peso do movimento conservador internacional. A Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), tradicional bastião da direita norte-americana, realizou seu primeiro evento na Polônia em 27 de maio, poucos dias antes do pleito decisivo.

Durante o evento, a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, endossou abertamente a candidatura de Nawrocki, chamando Trzaskowski de “um desastre de líder” e afirmando que “Karol precisa ser o próximo presidente da Polônia”.

O gesto provocou críticas do governo de Tusk, que denunciou a interferência estrangeira, mas reforçou a imagem de Nawrocki como um candidato alinhado a uma visão soberanista, antiglobalista e crítica à União Europeia.

O historiador que virou símbolo da nova direita polonesa

Aos 42 anos, Nawrocki é um nome conhecido no campo da memória histórica e do conservadorismo cultural na Polônia. Presidente do Instituto da Memória Nacional, dedicou sua carreira à preservação da narrativa anticomunista e à remoção de símbolos soviéticos no país — ações que já irritaram o Kremlin. Também comandou o Museu da Segunda Guerra Mundial, em Gdansk, e mantém uma imagem de firmeza, reforçada por seu hobby como boxeador amador.

Apesar de controvérsias, como o uso de pseudônimo em publicações sobre crime organizado, Nawrocki foi visto por muitos como uma figura forte em tempos incertos. Analistas atribuem sua vitória ao discurso simplista e ao foco no público conservador, em contraste com a tentativa de Trzaskowski de agradar a todos os segmentos do eleitorado.

Apoio jovem e conservadorismo em alta

A vitória de Nawrocki surpreendeu ao se consolidar especialmente entre eleitores de 18 a 39 anos, faixa tradicionalmente mais progressista. O resultado sugere que a juventude polonesa valoriza temas como “soberania, tradição e liderança forte”, e ainda não comprou o projeto de uma “nova Polônia progressista”.

A adesão do eleitorado jovem ao discurso nacionalista e conservador reforça uma tendência que tem ganhado corpo em outras democracias europeias — o desgaste do centro político e a ascensão de novas direitas com forte apelo identitário.

Tensões com a União Europeia e foco em defesa na agenda

Durante a campanha, Nawrocki prometeu retirar a Polônia do Pacto sobre Migração e Asilo da UE e do Pacto Verde Europeu, ambos pilares da política comunitária. Também defendeu elevar os gastos com defesa para 5% do PIB, acima dos 3,8% atuais, num momento em que o país se mantém em alerta frente à guerra entre Rússia e Ucrânia.

A eleição de Nawrocki ocorre em um momento sensível nas relações da Polônia com seus vizinhos, especialmente Ucrânia e Rússia. Embora Varsóvia tenha sido uma das principais apoiadoras de Kiev após a invasão russa em 2022, as tensões cresceram nos últimos meses. Nawrocki se opõe à adesão da Ucrânia à Otan e à União Europeia, o que representa uma mudança de direção diplomática. Já acusou Moscou de atentados recentes em Varsóvia.

Diante disso, Nawrocki propôs elevar os gastos com defesa para 5% do PIB — uma das maiores proporções do mundo — como forma de garantir a segurança nacional.

Aborto, impostos e moradia: os temas que desafiam

A Polônia continua sendo um dos países com leis mais rígidas contra o aborto na Europa, e a resistência a qualquer flexibilização foi central na campanha da direita. Nawrocki, alinhado ao PiS, mantém a defesa de políticas conservadoras em temas morais, o que deve acirrar o embate com o governo do primeiro-ministro Donald Tusk, de centro-direita, que não teve apoio parlamentar suficiente para flexibilizar a legislação anti-aborto.

Na economia, o novo presidente prometeu reduzir impostos e enfrentar o alto custo de moradia e transporte público— temas que pesaram nas urnas. Ainda que a presidência tenha poderes limitados frente ao Parlamento e ao Executivo, o veto presidencial e a influência em política externa e defesa são ferramentas estratégicas que Nawrocki promete usar com firmeza.

O que esperar do governo Nawrocki?

A posse está marcada para o dia 6 de agosto, e os próximos meses serão decisivos para testar a capacidade de Nawrocki de governar com um parlamento adverso. Seu desafio será mostrar que, além de um candidato da moda cheio de discursos polêmicos, é um presidente capaz de construir pontes sem isolar a Polônia ainda mais dentro da União Europeia.

Em tempos de guerra no continente e debates sobre soberania, energia e fronteiras, a Polônia escolheu um presidente que promete proteger a identidade nacional e confrontar consensos europeus. O mandato de Karol Nawrocki pode ser o início de uma nova fase de tensão na política polonesa.

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