Arquiteta analisa a proposta de revitalização do Centro Paulistano

A arquiteta Rosana Miranda, especialista em renovação de centros históricos, avalia a proposta do governo Gilberto Kassab (DEM) em revitalizar a região central de São Paulo. O projeto é polêmico porque envolve a “terceirização” do projeto para a inicia

Bairro da Luz, investir para preservar ou preservar e também investir?


 


* Rosana Miranda


 


A região da Luz em São Paulo faz parte do conjunto que forma um colar de bairros que circundam o centro da cidade, o coração de São Paulo. Todos eles guardam uma relação histórica com a construção da ferrovia no final do século dezenove e com a várzea dos rios Tietê e Tamanduateí. Estes bairros surgiram das chácaras paulistanas repartidas e loteadas, dos antigos barões de café.


 



Alguns se especializaram como lugar da moradia operária com a instalação das fábricas, como o bairro da Mooca e do Brás, outros com a presença de órgãos públicos e estruturas de poder como os Campos Elíseos e outros, como local de passagem, pouso e comércio como o bairro da Luz.


 



É evidente que ao longo da história da cidade e dos investimentos em transportes e infra-estrutura, algumas áreas ficaram com características de maior dinamismo e com atividades mais intensas típicas da metrópole que se configurou a  partir dos anos trinta, Isso se deu em parte pela proximidade com as estruturas de poder situadas no centro.


 



Mais tarde, o Plano de Avenidas de Prestes Maia consolidou uma estrutura urbana radio concêntrica que privilegiou o eixo norte sul da cidade de ligação entre o rio Tietê e o rio Pinheiros pelas avenidas Nove de Julho, Prestes Maia e Tiradentes, mas que infelizmente voltou as costas para os rios. A rua Mauá também se constituiu como acesso importante  desde a estação Júlio Prestes, onde se localizou por muito tempo a rodoviária de São Paulo, até o rio Tamanduateí, onde existe ainda o Pátio do Pari da ferrovia.


 



 Felizmente, a região da Luz ainda possui um grande conjunto arquitetônico de imóveis de caráter histórico e que merecem preservação, tanto é que esta região  foi incluída no Programa Monumenta do Ministério da Cultura que em parceria com os municípios busca preservar e requalificar sítios urbanos de relevada importância histórica para a cultura nacional, com recursos do BID e contrapartida dos municípios escolhidos. Além disso ações do poder público tem garantido investimentos em importantes complexos culturais que aos poucos vão redefinindo ou reforçando o  perfil cultural do bairro da LUZ. A Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa, a Sala São Paulo, o Mosteiro da Luz, são alguns dos exemplos que merecem destaque. A própria restauração da estação ferroviária da Luz revaloriza um ponto de referência importante para todas as gerações de imigrantes que formam o conjunto da sociedade paulistana.


 



 A nova estação do Metrô em construção, da linha que liga a Luz à Vila Sônia na zona Oeste, vai agregar maior oferta de transporte coletivo ao já bastante complexo e intermodal da região. Não podemos deixar de ressaltar o importante comércio especializado em roupas na região do Bom Retiro, de peças, de eletro-eletrônicos e informática na Santa Ifigênia. Tudo reforça o caráter cultural histórico do bairro. Mas a pobreza que se assenta nos bairros mais antigos do centro também traz a degradação social e espacial da área, até o apelido triste e estigmatizado que se adicionou ao bairro, “cracolândia” pelo excessivo consumo e tráfico de drogas. Mas a pobreza, como em outros bairros do centro, contraditoriamente preserva a arquitetura e com isso a identidade dos bairros.


 



 É neste contexto que se situa o projeto da Prefeitura de São Paulo da NOVA LUZ. O principal objetivo desse projeto que pretende requalificar e recuperar o bairro da Luz é atrair investimentos da iniciativa privada e de outros programas públicos no sentido de reverter a degradação social e urbanística da área com vistas a utilizar o grande dinamismo comercial e infra-estrutura já existentes na região.


 



 A recuperação de uma região tão extensa envolve necessariamente investimentos públicos e privados, mas algumas questões merecem ser debatidas.


 



O projeto urbanístico em elaboração pela Prefeitura inclui ações de preservação dos imóveis de valor histórico na região? Que mecanismo jurídico será utilizado para destinação dos imóveis que estão sendo desapropriados, e como serão disponibilizados para empresas que queiram investir na área? As intervenções propostas pressupõem a garantia do direito à moradia das populações moradoras sem expulsá-las do bairro, o que sempre acaba ocorrendo com processos de renovação urbana? Como os pequenos empresários  serão inseridos no novo projeto? Como o programa de recuperação do bairro da Luz pode envolver os jovens em oficinas de restauro, que não tem perspectiva além do envolvimento com as drogas?


 



Será que o tamanho da maior metrópole da América Latina, como problema, se sobrepõe ao enfoque de valorização da cultura e de sua identidade? A avenida Tiradentes  no bairro da Luz é muito menor que a avenida Nove de Julho de Buenos Aires, mas lá o pedestre tem o seu lugar, e a cidade de Havana em Cuba, declarada pela UNESCO, patrimônio da humanidade está preservando seu patrimônio  histórico com atração de grandes investimentos na área turística.


 



Estas indagações nos remetem a um debate maior a respeito de um projeto global para a cidade de São Paulo em que cada região da cidade terá o seu papel no desenvolvimento urbano, com geração de emprego mas também com respeito à sua história e cidadania.


 



*Rosana Miranda é arquiteta, doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Especialista em renovação de centros históricos pelo IHS – Institute For Housing and Development Studies de Rotterdam, Holanda. Membro do Comitê Paulistano do PCdoB.