A memória, a verdade e o 1º Encontro dos Torturados da Guerrilha do Araguaia

No último domingo, dia 09, o ex governador, ex senador, e ex ministro da Educação, do Trabalho e da Justiça Jarbas Passarinho, em sua coluna dominical no Jornal O Liberal, manifestou sua indignação em face da edição pela Secretaria Nacional dos Direitos H

O livro é fruto de 11 anos de trabalho da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, constituída em 1995 para elucidar as mortes e desaparecimentos ocorridos entre 1961 e 1988, resultando em um minucioso estudo sobre 339 mortos e desaparecidos registrados pela comissão, além dos 136 nomes de vítimas que o governo Fernando Henrique Cardoso já havia reconhecido na lei 9.140 de 1995.


 


Não se pode exigir dos partidários do Golpe Militar de 64, algum respeito às divergências e a tolerância aos contrários, daí a reação passional e de indignação da Caserna, que, pasmem chegou a acusar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter financiado um documento elaborado por “criminosos políticos”. Infelizmente os 21 anos de liberdade democrática vivida no Brasil não foram suficientes para mudar as concepções totalitárias que orientaram os integrantes do governo ditadorial.


 


No entanto é necessário fazer algumas considerações sobre ao que parece ser a pedra angular da argumentação do ex senador: encontrar-se em pleno vigor a lei da Anistia, e a violência do oprimido, que “teria sido igual ou pior do que as praticadas pelos legalistas”. Em primeiro lugar a lei 6.683, editada em 1979, trata especificamente da anistia a todos quantos praticaram crimes políticos, conexos ou não, durante a Ditadura Militar. Não teve o efeito de apagar dos livros de história e da memória de milhares de brasileiros o fato de que cerca de 50 mil pessoas tiveram passagens pelas prisões por motivos políticos, cerca de 20 mil pessoas submetidas a tortura física pelos mesmos motivos, 360 militantes mortos, incluído os 144 dados como desaparecidos, 130 banidos do território nacional, 4 condenações a pena de morte, 780 cassações de direitos políticos, entre outros incontáveis atos discricionários.


 


Em segundo lugar, em algum dos países do cone sul legislações semelhantes a brasileira sofreram modificações legislativas ou mesmo interpretações judiciais que possibilitaram a condenação de agentes do Estado. Na Argentina as leis do Ponto Final e da Obediência Devida, promulgadas durante o governo peronista de Raul Alfonsín (1983-89), foram anuladas pelo Congresso em 2003 e depois julgadas inconstitucionais pelo Supremo. Exemplo do General Santiago Riveiros, cuja condenação por crimes contra os direitos humanos havia sido revogada pelo Decreto 1002/1989, e tornado sem efeito pela Corte Suprema. Outro caso eloquente envolve o ex Capitão Alfredo Astiz, conhecido como “el angel rubio de la morte” (o anjo loiro da morte) que juntamente com outros nove ex-oficiais da Marinha de Guerra Argentina, foram condenados e cumprem prisão pelas torturas e assassinato das freiras francesas Leonie Duqet e Alice Domon em 1977, ocorrida na sinistra Escola de Mecânica da Armada.


 


Na esfera do Direito Internacional, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos sancionou o Chile em 26 de setembro de 2006, por aplicar a anistia no caso da morte do professor Luis Almonacid, executado por oficias de gabinete do Ditador Augusto Pinochet logo após o Golpe levado a efeito no fatídico 11 de setembro de 1973.


 


Em terceiro lugar, se é fato que a sociedade brasileira passou uma esponja, não tratando os torturadores com revanchismo e perseguição, em absoluto, como asseverou Jacob Gorender, “fundamenta a conclusão enganosa e vulgar de que ouve violência de parte a parte e, uns pelos outros, as culpas se compensam”. Como dizia Ulisses Guimarães, os crimes praticados pelos torturadores são imprescritíveis, por que extremados, despropositais, desumanos.


 


A violência praticada pelas organizações revolucionárias veio como resposta objetiva à violência do opressor, daí porque totalmente desproposital às referencias do ex Governador ao justiçamento do capitão americano e veterano da guerra do Vietnã, capitão Chandler; do Major Alemão Boilesen; e do delegado Otavinho, todos três intimamente ligados a OBAN por livre e espontânea vontade. Não tinham por que esperar clemência, eis que não reconheciam a norma do respeito humano à integridade dos milhares de prisioneiros desarmados e indefesos.


 


Feitas estas considerações, e visando resgatar a memória, a justiça e a verdade sobre o que efetivamente aconteceu em território paraense por ocasião de um dos mais importantes movimentos ocorridos na história da luta do povo brasileiro, é que o Governo do Estado do Pará, através da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, juntamente com a Associação dos Torturados, realizará no próximo dia 22 de setembro, o 1º Encontro dos Torturados do Araguaia, na cidade de São Domingos.


 


Mais de 200 associados são esperados, a maioria deles com mais de 50 anos, todos vítima de torturas e perseguições levados a efeito indiscriminadamente pelos mais de 12 mil agentes do Estado, tão somente por residirem à época no perímetro da Guerrilha e a apoiarem, e que até então foram deixados à margem da história, das políticas públicas governamentais e até mesmo das organizações de esquerda, que sempre procuraram manter viva as virtudes patrióticas dos guerrilheiros que lá tombaram heroicamente assassinados. O importante, todavia, que tanto estes como aqueles, foram movidos por um grande ideal de liberdade, de justiça social, e a luta por outro Brasil.



 


De Belém,
Mario Vinicius Hesketh
Diretor de Assuntos Jurídicos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Pará, e Secretário Estadual do Instituto Opinio Iuris.