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Para o New York Times, FMI enfrenta crise de identidade

O Fundo Monetário Internacional (FMI) não sabe mais ao certo qual a sua função no mundo, afirma reportagem do jornal The New York Times publicada nesta sexta-feira (28). “A instituição que ensinava outros sobre finanças perdeu sua renda operacion

A crise principal, no entanto, não está ligada apenas a dificuldades financeiras. O problema é que os países que receberam ajuda nos anos 90 pagaram grande parte de suas dívidas e a munição que a instituição tem hoje – reservas e linhas de crédito no valor de US$ 300 bilhões – dificilmente conseguiria lidar com uma grande crise, segundo o jornal americano.



Leia abaixo a íntegra do texto:



Há uma década, o Fundo Monetário Internacional (FMI) ajudou a estabilizar a economia mundial depois que os mercados entraram em colapso na América Latina, Rússia e Ásia. Apesar de críticos freqüentemente lamentarem seu intervencionismo, o fundo foi amplamente saudado como um guardião heróico do sistema financeiro global.



Hoje, a única crise enfrentada pelo FMI é uma crise de identidade. Os países resgatados nos anos 90 pagaram grande parte de suas dívidas. Com um portfólio de empréstimos encolhendo, a instituição que ensinava outros sobre finanças perdeu sua renda operacional e atualmente enfrenta um déficit. Ele enfrenta cortes de funcionários e salários e está até mesmo considerando a venda de suas reservas de barras de ouro.



“O que pode estar em risco hoje é a própria existência do FMI como grande instituição de fornecimento de estabilidade financeira ao mundo, ao bem público global”, disse Dominique Strauss-Kahn, o ex-ministro da economia da França, aos diretores do fundo na semana passada. “Na soma, as duas principais questões são a relevância e a legitimidade.”



Na sexta-feira, Strauss-Kahn será nomeado o novo diretor-gerente do FMI, sucedendo Rodrigo de Rato da Espanha, que está deixando o cargo. Ele chega em um momento em que o governo Bush, que o apoiou, se juntou ao coro mundial que pede ao fundo para que repense suas prioridades e sua governança.



Além destas dificuldades está a questão sobre se uma instituição estabelecida nos anos 40, uma era de taxas de câmbios fixas e controles de capital, tem um papel em uma era em que trilhões de dólares cruzam as fronteiras diariamente. Com seus US$ 300 bilhões em reservas e linhas de crédito, ele dificilmente conta com recursos para lidar com uma grande crise.



De Rato disse que, com o desaparecimento de seu papel de socorrer países, as novas prioridades do fundo deveriam ser pressionar para que os países tomem medidas para prevenir crises, o monitoramento da economia global e o fornecimento de assistência técnica.



Funcionários do fundo disseram que Strauss-Kahn provavelmente dará continuidade a elas. Mas seus problemas mais imediatos podem ser o orçamento do próprio FMI, que está enfrentando demissões e talvez cortes de benefícios e salários para seus 4 mil funcionários ao redor do mundo. O fundo, que conta com 103 milhões de onças de reservas de ouro acumuladas ao longo dos anos, com um valor próximo de US$ 70 bilhões, está considerando vender parte para atender suas necessidades orçamentárias.



Vendas de ouro são controversas, com muitos países doadores dizendo que o ouro pertence a eles, não ao FMI.



Entre outras questões importantes sendo consideradas está a forma como os países mais ricos do mundo escolhem o líder do fundo. Desde que o fundo foi criado após a Segunda Guerra Mundial como parte da arquitetura econômica pós-guerra de Bretton Woods, seu chefe é escolhido de forma privada pelas principais potências da Europa.



Após o presidente da França, Nicolas Sarkozy, ter indicado Strauss-Kahn, sua escolha passou a ser certa. Mas há um amplo descontentamento e embaraço entre os membros do conselho do fundo em torno da natureza de clube do processo, especialmente entre os países da Ásia e da América Latina, socorridos nos anos 90. Muitos agora são potências de exportação sentados em reservas tão grandes que não mais precisam e nem querem que o fundo lhes diga o que fazer.



Há um sentimento entre alguns membros do conselho, especialmente entre os países em desenvolvimento, de que o fundo se juntou aos Estados Unidos e outros países ricos na exigência de cortes orçamentários exageradamente austeros e outros apertos fiscais para os países que foram socorridos na década passada.



A Rússia esperava explorar tais sentimentos em sua contestação da escolha de Strauss-Kahn. Ela indicou seu próprio candidato, Josef Tosovsky, um ex-primeiro-ministro da República Tcheca, que disse ao conselho que, como “representante de uma economia emergente em transição para de mercado”, ele traria uma perspectiva diferente ao cargo.



Aleksei Mozhin, o diretor que representa a Rússia no fundo, disse que o país estava “muito, muito orgulhoso” da indicação de Tosovsky. “Não é segredo que o fundo mal está vivo”, ele acrescentou. “Ele está no ramo da sobrevivência. O modus operandi tradicional do fundo -você precisa de nosso dinheiro, nós lhe diremos o que fazer- acabou.”



No ano passado, com apoio americano, o fundo concordou em dar um percentual maior de votos para a China, Coréia do Sul, Turquia e México. Um plano para ampliar ainda mais o percentual de votos destes e de outras economias emergentes ainda está sendo debatido. O governo Bush teme que se tais passos não forem dados, estes países poderão romper com o fundo.



O governo também tem pedido ao fundo para que realize um maior monitoramento das manipulações de moeda por países parceiros comerciais, especialmente a China, que o secretário do Tesouro, Henry M. Paulson Jr., acusou de comprar dólares para manter baixo o valor de sua moeda visando assegurar que suas exportações possam ser vendidas com preço mais barato nos Estados Unidos.



Em conseqüência da pressão americana e européia, uma comissão criado por De Rato pediu à China neste ano que encerre suas intervenções na moeda. Ela também pediu à Europa que desregulamente sua economia e aos Estados Unidos que façam mais para reduzir seus crescentes déficits fiscais nas próximas décadas.



Paulson não faz segredo de seu desejo de que o fundo seja mais agressivo na pressão sobre a China. Autoridades do Tesouro ficaram irritadas neste ano quando De Rato disse que não poderia repreender a China, assim como não poderia repreender o presidente Bush pelo custo projetado do Seguro Social e do Medicare, o seguro saúde para idosos e deficientes físicos.



“Nós estamos satisfeitos com o progresso na questão da moeda”, disse Clay Lowery, um secretário assistente do Tesouro para assuntos internacionais. “Mas é preciso que mais seja feito pelo FMI para que volte a ser tão relevante quanto era no passado.”



Se o fundo se concentrar apenas no monitoramento das economias e buscar uma maior transparência no sistema financeiro mundial, ele atenderia a alguns de seus críticos.



Adam Lerrick, um economista da Universidade Carnegie Mellon e do Instituto da Empresa Americana, está entre aqueles que dizem que o FMI precisa repensar seu papel em tal direção.



“Sem reforma radical, o FMI logo será totalmente irrelevante”, ele disse. “O fundo deve se concentrar na coleta de dados e na disseminação de informação financeira. Surpresa causa crises financeiras. Quanto mais informação os mercados tiverem, menor a probabilidade de haver uma crise.”



Mas muitos especialistas também alertam que o fundo deve ser mantido com saúde para exercer um papel em uma futura crise global, mesmo se as operações de resgate vierem a ser realizadas por outros agentes com reservas maiores.



“Me preocupa muito quando as pessoas dizem que o FMI pode simplesmente desaparecer”, disse Anne O. Krueger, uma ex-primeira-vice-diretora-gerente do fundo e atualmente uma professora de economia na Universidade Johns Hopkins.



“É preciso pensar no fundo como uma espécie de apólice de seguro para os países membros”, ela acrescentou. “Os tempos são bons agora. Mas há tantas questões econômicas importantes que não podem ser mais tratadas bilateralmente. Países grandes e pequenos reconhecem que precisam do fundo.”