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Cansei é matéria da “Caros Amigos” para pensar momento atual

A partir do Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, o Cansei, a revista Caros Amigos foi ouvir personalidades pensantes a fim de encontrar algumas idéias sobre o momento nacional. Abaixo depoimentos de Mário Sérgio Cortella (filósofo e edu

Mário Sérgio Cortella, filósofo e educador 


 


“É uma vida miojo, que não tem processo, não tem avanço e não tem muito sabor, mas é prática”


 


Medíocre não é idiota, medíocre não é imbecil, medíocre do ponto de vista filosófico é aquele que está na média, aquele que fica no meio. Aliás, a origem da palavra é exatamente essa. A mediocridade é aquele que não é quente nem frio. Tem um livro da Bíblia cristã chamado Apocalipse, em que a Divindade diz: “Porque não és quente nem frio, porque tu és morno, hei de vomitar-te”. O Brasil vive em várias áreas, não são todas, uma certa síndrome de mediocridade. Isso é uma lógica da aceitação do possível, esquecendo que o possível é exatamente um acostumar-se, ou repousar na mediocridade. A mediocridade é uma satisfação com as coisas tais quais elas estão. Do ponto de vista econômico, nós estamos conformados a um modelo financeiro.


 


Você tem religiões, nos últimos tempos, que caminharam na direção de romper com a mediocridade, isto é, com a conformidade, com o apaziguamento forçado, com a paz do cemitério, ou até com a letargia, e que caminhavam no trabalho social, no envolvimento com as pessoas, fazendo aquilo que Leonardo Boff, de uma maneira brilhante, sintetiza dizendo que a gente precisa juntar o pai nosso com o pão nosso. No evangelho de João, no capítulo 10, versículo 10, Jesus disse uma frase que é a ruptura da mediocridade, “Quero que tenhais vida e vida em abundância”. A vida em abundância é a ruptura da mediocridade da vida, não é mini-vida, sub-vida, nano-vida, menos vida, é vida abundante; e a vida abundante é aquela que ela carrega uma sexualidade saudável, uma religiosidade livre, uma amorosidade sincera, uma solidariedade contínua, uma fraternidade honesta. É aquela que carrega a sensibilidade de existir. Há religiões que caminham na direção de vida em abundância pra todos e todas. Pessoas fazem trabalho nessa direção, mas há outras práticas religiosas, seja dentro do cristianismo, nas suas múltiplas formas, seja ele o católico, o reformado, o neopentecostal, que fazem um trabalho de alienação, que fazem um trabalho que a gente chama às vezes de teologia da prosperidade, isto é do recurso imediato, ganhar de Deus os favores necessários nessa questão. E, portanto, essa teologia da prosperidade, ela implica em se negociar com a divindade, e eu ofereço agora ao pastor, ou à pastora aquilo que ele pede, que é bem material, dinheiro e aí Deus em troca me dá vida boa, isso é medíocre, é uma religiosidade negociada.


 


A mediocridade é apenas o gotejar da vida no dia-a-dia, com pequenas demonstrações, às vezes, de vitalidade. E isso atinge muita gente, porque falta utopia. Falta a noção de um futuro a ser construído e que seja melhor, afinal de contas têm feito algo cruel com as gerações que vêm, que é se fazer um saque antecipado do futuro, estamos tirando o futuro, dizendo aos jovens: não haverá meio ambiente, não haverá trabalho, não haverá segurança. E estamos dizendo a eles: você não tem passado, eu tive história, eu tive infância; e estamos dizendo a ele: você não tem presente, isso que você come não é comida, é porcaria, isso que você ouve não é música, é barulho. Está se dizendo às novas gerações que elas não têm história, e quem não tem história a ele só resta uma possibilidade, viver o presente até o esgotamento. Por isso, essa vida ansiada e essa sofreguidão pra existir, cada balada é como se fosse a última, cada viagem é como se fosse a última. Ou seja, perde-se a noção de processo e de história, e a ausência dessa visão de história leva a querer existir aqui e agora, de maneira instantânea. É uma vida miojo, que não tem processo, não tem avanço e não tem muito sabor também, mas é prático.


 


O Papa atual é uma pessoa conservadora. Em vários momentos manifestou posturas que são reacionárias, isto é voltar a elementos do século 18 ou 19. Ele jamais pode ser colocado como uma pessoa medíocre. Ele defende as idéias que carrega, ele anota, escreve, discute, posiciona. Posso dizer, não gosto de muitas das coisas que ele pensa, eu, Cortella, como de fato não o faço, não concordo, mas tenho de reconhecer nele uma mente teológica que não beira nem de longe a mediocridade. Posso dizer que beira a incompreensão, beira, às vezes, o sectarismo, em algumas situações, beira o conservadorismo, mas a mediocridade jamais. Se fosse um Papa medíocre, ficaria mais fácil inclusive enfrentá-lo naquilo que não se concorda com as idéias que ele levanta. Sou uma pessoa extremamente religiosa na minha trajetória. Se você me pergunta se freqüento cultos, não freqüento; se sou religioso, profundamente religioso.


 


Cecília Coimbra, psicóloga 


 


“A realidade está o tempo todo sendo produzida”


 


Na minha tese de doutorado Guardiães da Ordem – Uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre, acabei dizendo que os psicólogos eram os guardiães da ordem. Vou juntar psicologia com história. E uma das características é a questão da intimização e da privatização. A psicologia acredita, hegemonicamente, que o sujeito tem uma essência, uma natureza; e que o psicólogo, especialista no ser humano, vai conseguir entrar e procurar uma verdade que está no interior do sujeito, o que é esse sujeito. Uma das características da psicologia é essa valorização do privado, do que está dentro do sujeito. Com meus conhecimentos vou dizer o que ele é e o que deve ser. O que será melhor pra ele.


 


E aí, o que é o modelo de família ajustada, de filho, mãe, pai. Vejo esse sujeito de forma abstrata, sem ser produzido pela história; e na história, sem ser atravessado por múltiplas forças em cima do contexto no qual está inserido. Esses modelos são os que a psicologia segue, sem nenhuma visão crítica de que está fortalecendo modelos que interessam à sociedade capitalista.


 


O segundo ponto, o familiarismo. No máximo me interessa minha família. Com isso desqualifico os espaços públicos. Eu me isolo deles. Isso é forte durante a ditadura militar, e ainda é forte essa concepção de que, no máximo, vou entender as relações que tenho com minha família. Tudo fica norteado ao interior do sujeito e à sua família.


 


As três características que a psicologia tinha muito fortes durante sua expansão no Brasil (intimização, familiarismo e psicologização de tudo) estão ainda hoje muito presentes nas práticas dos psicólogos. E essas questões não são pensadas. Alguns colegas, psicólogos, diziam “ué, vai fazer o estágio da Cecília?”, que era o estágio no Juizado da Infância e Juventude. “Mas aquilo não é psicologia, é política.” Esse argumento ainda está presente, no sentido de você desqualificar determinada prática, e tenta apontar que sua prática profissional não é neutra, não é objetiva. É uma prática o tempo todo política.


 


Esse positivismo, essa coisa do Descartes, do próprio Augusto Comte, ainda está presente na prática e no pensamento do psicólogo. Ele se acha um especialista, sim, que vai olhar objetivamente o sujeito e a realidade e dizer o que ele é e o que deverá ser pra ser um cidadão sadio, digamos. Nós somos muitas coisas. Você empobrece o indivíduo e o mundo quando diz “vou conseguir apreender objetivamente este mundo, este sujeito”. É impossível. Isto não existe. O tempo todo estamos produzindo realidade, principalmente os meios de comunicação de massa. Eles produzem a realidade. Não existe uma realidade em si, que tenha uma essência, uma natureza. A realidade está o tempo todo sendo produzida, como eu enquanto indivíduo estou sendo produzido o tempo todo. Eu sou produtor e produzido ao mesmo tempo. Produto e produtor.


 


Hoje a gente vê a questão da moral punitiva. As pessoas esquecem que a gente vive num contexto capitalista onde o que Foucault chama de biopoder, o poder sobre a vida, se impõe o tempo todo, e a sociedade de controle se impõe o tempo todo. Eu não preciso estar na prisão, na escola, como falava Foucault em termos da sociedade disciplinar. Hoje estou sendo controlada em espaços abertos. E o que mais produz subjetividades? Formas de perceber e agir no mundo? De existir e viver no mundo? São os meios de comunicação de massa. Que pregam toda uma lógica moral, punitiva e individualista.


 


E o que a gente quer é punição, mais punição, como se fosse resolver. Onde abre mais concurso hoje para psicólogo é no Poder Judiciário. Vivemos numa sociedade de controle, numa política de tolerância zero, onde o Estado penal se maximiza, onde tem que ter psicólogo, pedagogo, assistente social. Para ocupar essa máquina penal que está se espalhando.


 


GOG, rapper 


 


“É difícil ser linha de frente no Brasil”


 


Durante essa entrevista, por telefone, Gog foi parado duas vezes pela polícia.


 


Então, estamos indo a caminho do estúdio, que fica na periferia de Brasília, Taguatinga. Fomos abordados por policiais, você tem quatro parceiros no carro e equipamento musical. O Gog está meio barbudo, o Rapadura com cabelo grande, o Thiago não tem uma cara muito comercial, aí já pararam a gente. O loco é o seguinte, a gente parado e todo mundo passando, olhando. Na hora que o cara pegou e pediu os documentos, os nossos e o do carro, pra ver se estava em dia, estava. Olhou e mandou descer, aí perguntei o porquê. Aí começou. Aí mandaram virar de costas e já era. Eu falei “pois é”, mas quero saber. Foi nessa fita aí, arrancaram tudo de dentro do carro, viram, abriram, pensando que tinha droga, arma, é ruim isso. Não nasci pra isso não, pra passar por essas fitas, no sentido de que não me conformo. Não me conformo e não vou dar jamais guarita pra esses caras. Vem a discussão, vem bater de frente. Agora aqui em Brasília o sol está descendo, ainda está na luz do dia, à noite é até perigoso eu ficar nessas fitas assim, porque vou ser sincero com você, a gente não é preparado pra agüentar esse tipo de provocação, porque o teste é forte. Liberaram-nos, depois de meter umas multas na gente, o carro está todo regular, mas os meninos vem atrás sem cinto, aí…está pegando outra blitz, espera aí…


 


(silêncio grande).


 


Só um momento. Espera aí, estamos em outra blitz aqui. Puta que pariu, não acredito. (silêncio). Liberaram nós.


 


Rapaz, andar em Brasília fora do avião está complicado. Nas asas do avião é fácil, nas periferias é complicado. Chegando aqui em Taguatinga, nós vamos pra outra quebrada de Brasília, que é o Riacho Fundo. Inclusive, é onde foi uma das primeiras residências oficiais do presidente da república. Agora a região é loteada, tudo. O presidente está no Palácio do Alvorada, né?


 


Cara, porque sou do hip hop por que canto rap, é porque tem muitos momentos em que nisso tudo aí não me dou por velado, tomei um monte de multa ali, vou pagar financeiramente, porque num país capitalista sempre se paga financeiramente, quando você fala, fica sempre como um anormal, porque todo mundo tem que respeitar, “não senhor, sim senhor”, uma fita virgem. Tenho uma música que fala sobre o sonho real, sobre a desocupação da ocupação do sonho real que a polícia militar fez, mataram duas pessoas, isso agora em 2006. Fiz uma música que é difícil ser linha de frente no Brasil, porque você é desincentivado a todo o momento, sabe? Pela lei vigente, pelas pessoas que estão acomodadas.


 


Sempre falam “pô, esse cara incomodando”. Estava numa repartição pública, lá chamavam uma pessoa por hora, organizei uma turma, fomos na frente pra falar que ninguém seria atendido enquanto o chefe do departamento não falasse o porquê da demora. Aí o que aconteceu: as pessoas que estavam sendo chamadas já começaram a confusão e se revoltaram com a gente, que estava querendo resolver o problema. Quer dizer, essa fita assim, resolveu ou não problema está tudo bem, se for herança cultural é herança maldita. Se isso for cultura brasileira, estamos perdidos. As pessoas intocadas num patamar. A gente se olha e se vê nesse lamaçal aí.


 


Heloneida Studart, jornalista e escritora 


 


“As mulheres estão num processo de tentativa de vulgarização, tudo valendo pelo traseiro”


 


Acho que o país está crescendo, está colocando em prática alguns projetos sociais que conheço, pessoalmente, porque viajo muito. Por exemplo, o efeito que o Bolsa Família teve sobre as populações pauperizadas, o efeito do projeto Luz para todos, que botou luz até dentro dos seringais, o efeito das exportações, o efeito do levantamento da indústria naval aqui no Rio de Janeiro, que criou tantos empregos, pelo menos por aqui. Acho que não vivemos uma mediocridade de governo. Nós vivemos uma mediocridade de políticos de alguns partidos, inclusive do meu, o PT, que ainda não compreenderam que a política é o grande movimento pelo bem público, não pelos interesses pessoais.


 


Também acho que a imprensa passa por um momento muito infeliz, um momento de parcialidade. Um dos grandes temas da imprensa é uma criança nascida fora do casamento de um político sem mencionar que outro político mais importante do que ele tem filho fora do casamento que nunca foi sequer reconhecido. Se um é acusado de a pensão da mãe ser paga por empresas particulares, o outro também é pago por empresa particular que dá para ela um salário que ela não merece.


 


Acho que tudo isso é muito perturbador para os jovens, você vê que a grande heroína da televisão hoje é uma prostituta chamada Bebel encarnada pela linda moça e excelente atriz que é a Camila Pitanga. Quando existem milhares de mulheres heroínas anônimas que estão aí, trabalhando dia e noite para criar os filhos. Eu, como feminista, acho que não está bem a luta das mulheres. Primeiro porque as mulheres continuam sofrendo violência doméstica, e isso é visto com grande naturalidade; há pouco a empregada da minha vizinha relatou a surra que a filha levou do cunhado, moça de 18 anos. Quer dizer, com a Lei Maria da Penha e tudo, um homem se julga no direito de espancar uma mulher de 18 anos. E mais: as mulheres estão num processo de tentativa de vulgarização, para transformá-las nas pessoas que a gente vê nas colunas, todas iguais, tudo valendo pelo traseiro, tudo lipoaspirada, tudo siliconada. A presença da mulher diminuiu em todas as assembléias legislativas, diminui na Câmara e a gente vê que realmente temos que retomar essa luta com muita coragem e muita decisão.


 


Vera Malaguti, socióloga 


 


“Dá pra ver que no capitalismo não tem solução”


 


Olha, acho que tem uma vasta produção da criminologia, na sociologia, nas ciências sociais de maneira geral. Acontece que essa criminologia foi cooptada por aquilo que eu chamo de “mercadão”, que é pautado pela indústria do controle do crime, por exemplo, que é uma coisa transnacional. Então, de repente, você com a sociologia desse tipo, que a gente chama de um certo “onguismo”, que é um pensamento ao contrário de ser independente, é dominado por essas pautas internacionais: narcotráfico, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, crime organizado, que é a maneira como o grande capital pauta o que seria pra ele a questão criminal e que depois você vê reproduzido.


 


Acho que o Fernando Henrique é um pouco um paradigma do tombamento da criminologia no sentido de um saber que atualizou o funcionalismo e vive numa redoma, essa coisa de produzir uma realidade técnica, uma racionalização, que é bem a maneira ocidental de pensar como o capital pensa. Fernando Henrique é o paradigma desse saber completamente derivado do capitalismo central. E aí, depois começa a gostar do som da própria voz e aparecer muito na grande mídia, e quando você vê é um discurso capturado, chapa-branca, que reproduz o pensamento oficial que só vai até certo ponto da discussão.


 


Você tem vários sociólogos nesse “mercadão” que nunca passam da linha que a grande mídia não deixa você passar, que é questionar o sentido histórico da crueldade do sistema penal, as marcas da escravidão… Então é um saber que se apresenta como gestor da manutenção da ordem do capitalismo, esse capitalismo de barbárie que a gente está vivendo. Não vou citar nomes, mas sociólogo você tem às pencas fazendo isso aqui no Rio de Janeiro. Consagrados pela mídia. Então, é uma mediocridade vendida como pensamento politicamente correto, mas que está só reproduzindo a funcionalidade do capital. E aí nos momentos das grandes chacinas, dos grandes embates, se calam. Ou então vão bater em quem é o ponto mais fraco dessa luta que tem entre os que querem manter a ordem do capital e os que querem fazer a redução de danos da truculência e das políticas de segurança pública neoliberais. Agora, a grande mídia está vendendo a mercadoria da violência, a visão de um mercado lucrativo.


 


Os países do capitalismo central, Europa e EUA, utilizam organismos internacionais, corporações que financiam um saber todo pautado por interesses geopolíticos e econômicos. Qual será a pauta dos estudiosos oficiais do governo norte-americano sobre a questão do Iraque? Vai ter uma pauta, e não é a pauta da resistência iraquiana, a pauta é outra. Então, se a gente for desconstruir tráfico de pessoas, por exemplo, vai ser a questão da imigração ilegal, que é a grande questão do neoliberalismo, que diz que o capital é volátil, pode circular por onde ele quiser, mas os seres humanos não.


 


O que é crime organizado? Privatizações no Brasil ou comércio varejista de drogas? Essa tragédia do comércio varejista na pobreza, o comércio brutalizado decorrente do proibicionismo, que é uma estratégia norte-americana que tomou conta do mundo. Então estou mostrando como essa pauta vem…


 


O discurso da impunidade. Pô, falta pena no Brasil? O Brasil precisa de mais pena? Ninguém que fala da impunidade fala da seletividade do sistema penal. Cada vez que você aposta na pena, ela sempre acaba incidindo sobre os pobres, porque a natureza da pena, desde que ela foi inventada no discurso canônico, como no discurso jurídico, é um discurso contra os pobres, os diferentes, os que ameaçam a ordem. Então pedir mais pena, trabalha o que está acontecendo no Brasil como impunidade… Que é uma coisa que todo mundo repete acriticamente… Depois quando você vai olhar quem está sendo atingido pela pena, é o mesmo pessoal desde a Colônia, da escravidão e do capitalismo de hoje. Por isso estou dizendo que essas pautas reproduzidas hoje acabam sendo funcionais à manutenção da ordem no capitalismo de hoje.


 


Então o “mercadão” das ciências sociais que vai gerir a conflitividade social no capitalismo, seja na criminologia ou na sociologia pura, que vive naquele mundo encantado, que acha que a partir das racionalizações funcionais vai ordenar, faz uma leitura sempre tirando o conflito, aquilo que Marx chamou de luta de classes. Ou do tempo que a gente está vivendo, da devastação que a gente está vivendo, dá pra ver que no capitalismo não tem solução. Os pensadores jovens que vêem isso, que têm certeza disso, e acho que são milhares no Brasil, têm uma produção em nível de monografia, teses, dissertações, nós não podemos ser os garantidores da ordem, temos que ser os críticos dessa ordem. Porque está provado que não tem futuro esse formato de capitalismo que a gente está vivendo hoje.


 


Dom Tomás Balduíno, bispo 


 


“O governo se tornou não um governo do povo, mas um governo do capital”


 


A Comissão Pastoral da Terra e os movimentos sociais do campo estão preocupados com o desastre na terra, provocado pelo governo Lula, sobretudo agora com a perspectiva do etanol, que foi muito bem caracterizado como necrocombustível pelo Frei Betto. O encontro da Via Campesina falou que agora vamos ter tanques cheios ao preço de barrigas vazias. O governo Lula vai na linha dos interesses dos milhões de carros do Primeiro Mundo e coincidentemente milhões de famintos aqui entre nós. Nosso Estado de Goiás será um grande canavial quando era uma beleza de biodiversidade, uma caixa d’água das três bacias do País.


 


Agora do ponto de vista mais amplo, o que sucede são barganhas, são compras, que vão em busca de tal ou tal vantagem. Onde estão, por exemplo, a programação e a ideologia? Pelo contrário, é o pragmatismo e o imediatismo que funciona, e isso atinge o país como um todo: atinge as classes altas, que podem reagir contra o governo, mas acabam ficando satisfeitas. Atinge a classe média, que fala que é maior vítima, mas não sabe como reagir, porque tem alguma vantagem. E atinge, infelizmente, as organizações de trabalhadores no campo, porque a expectativa de talvez amanhã resolver o problema acaba paralisando a luta, pois se vê até alguma vantagem no relacionamento com o poder. Não se pode menosprezar o governo como fonte onde se consegue recurso para a própria estrutura ou para algum problema de educação.


 


O poder acabou se transformando em um escudo para os que cometem crimes contra o patrimônio público. A grande figura, se quiser se proteger da punição, procura o Senado, ou a Câmara, ou então tem acesso a autoridade judicial. Essa impunidade se tornou algo obsceno no nosso país.


 


O que também se reclama com relação ao mundo da terra e das águas é a questão da privatização. Na Hidrelétrica do Rio Madeira o BNDS garante 48 por cento de financiamento. Isso é uma forma de privatizar, de passar o recurso nacional para uma empresa. Depois tem a concessão, aquele manancial que fica à disposição daquela empresa. Pior ainda, no Xingu, que é o último santuário intocado do nosso país, já estão programadas hidrelétricas. A reclamação do pessoal é que as hidrelétricas não são para dar um bico de luz para o pessoal da área, mas para alimentar a ALCOA e a Vale do Rio Doce em uma região distante, nas cercanias de São Luis do Maranhão, perto do porto. Então é a privatização galopante. O governo se tornou não um governo do povo, mas um governo do capital.


 


As assembléias populares, a mobilização para rever o leilão da Vale do Rio Doce, são pequenas mobilizações da sociedade civil e que têm a função de unir as diversas forças em vez de ficarem dispersas. Como nos países vizinhos, por exemplo, Bolívia, Venezuela, em que a ação do povo é muito eficaz e definitiva.