Crescente ameaça à segurança global reúne movimentos em Lisboa
Enquanto em Évora, no quadro da Presidência portuguesa da UE, os ministros da Defesa daquela organização debatiam questões das guerras onde estão atolados, em Lisboa 20 organizações de 14 países europeus defendiam a paz na Europa e no Mundo.
Publicado 18/10/2007 13:41
Participantes de 20 organizações e movimentos da paz de 14 países europeus reuniram em Lisboa, durante os mesmos dias da Reunião Informal dos Ministros da Defesa da União Européia em Évora, Portugal. A reunião das organizações de paz, na sequência de uma frutuosa troca de opiniões, emitiu a seguinte declaração:
Declaração do Encontro Europeu em Defesa da Paz
1. Os povos da Europa enfrentam crescentes ameaças à paz e segurança globais, em consequência da militarização das relações internacionais e da multiplicação das agressões imperialistas em todo o mundo. A Conferência de Paz exige o fim imediato destas políticas belicistas. Em alternativa, a Conferência de Paz defende a promoção de relações pacíficas entre os países do Continente e destes com todo o mundo e apela à melhoria do bem-estar social dos povos da Europa.
2. Considerando a rejeição do Tratado Constitucional Europeu em diferentes países e, em particular, através de referendos em França e na Holanda, os participantes na conferência de paz declaram que o Tratado Europeu reformado continua a ser uma expressão clara do actual caminho perigoso no sentido da concentração do poder de decisão política, dirigido contra as soberanias dos povos, uma intrusão das agências securitária na vida cívica na União e o reforço da projeção do poderio militar desta na arena internacional. O Tratado reformado ignora e negligencia as opiniões dos povos e serve os interesses das grandes corporações a todos os níveis. Exigimos que seja respeitada a vontade dos povos da Europa, bem como os seus direitos democráticos e que qualquer Tratado reformado deve ser submetido a referendo em todos os Estados da União.
3. A crescente supremacia dos interesses econômicos das empresas e dos Estados está intimamente ligada à militarização da Europa e tem resultado na redução dos direitos cívicos, sociais e laborais e na criminalização da resistência cívica. A diminuição da qualidade dos direitos e das instituições democráticas abriu caminho à intrusão e promoção de doutrinas extremistas e de grupos criminosos e agressivos, como é o caso de grupos xenófobos e nazis emergentes, por um lado, e é acompanhada por campanhas de perseguição política às forças progressistas e da paz, por outro lado, ambas estranhas aos sentimentos e interesses dos movimentos sociais e populares.
4. As relações internacionais estão a ser crescentemente militarizadas. A União Européia está a adoptar, cada vez mais frequentemente, posições agressivas nas suas relações internacionais com respeito à resolução de conflitos latentes ou emergentes, e situações de guerras latentes ou ativas. A cumplicidade da União Européia com a Otan, que é uma aliança agressiva com auto-assumida jurisdição mundial, é tão perigosa para a paz no mundo como constitui uma política perigosa e destrutiva para os próprios povos da Europa.
As intervenções militares ativas da UE nos Balcãs, Ásia Central e Oriente Médio continuam e devem ser abertamente condenadas. A presença de numerosas bases militares européias e o crescente envio de forças militares para África (principalmente a missão da UE no Tchade e na República Centro-Africana) são casos de séria preocupação em vista do passado e dos
desenvolvimentos futuros nesse Continente.
5. A crescente militarização da Europa através da instalação de bases militares fora das fronteiras nacionais, de corpos militares e grupos navais de intervenção rápida para impor a vontade política e econômica no próprio continente ou em qualquer outra parte do mundo, o desenvolvimento de novas armas ou de sistemas de vigilância e comando militar integrados, o comércio ou fornecimento de armas a terceiros para servir interesses econômicos bem como atingir vantagens políticas através do uso da força no estrangeiro, constituem sintomas de uma política imperialista que representam um desperdício imoral e imenso de recursos e colocam em grande perigo a segurança internacional e a paz. Ao invés os povos da Europa exigem o fim da militarização da Europa.
6. A instalação combinada de plataformas espaciais e terrestres modernas permitem criar instrumentos de espionagem, vigilância e comando globais que, conjugados com os veículos lançadores e mísseis existentes, dão aos EUA e a outras potências militares o poder de conduzir o mundo para perigosos novos e inimagináveis níveis bélicos, no coração do continente europeu, nas suas fronteiras, ou noutras regiões.
Desenvolvimentos no território europeu ou fora dele que resultem numa escalada militar, particularmente no domínio de plataformas terrestres e espaciais que transportem a guerra para o espaço, devem ser firmemente rejeitados por serem hegemónicos e imperialistas, ameaçando a paz e a segurança e provocando novas ameaças militares.
7. Assistimos a uma renovada expansão das despesas militares globais ao longo da última década, com uma taxa de crescimento anual de quase 4%, que alcançou 1200 mil milhões de dólares americanos em 2006 (metade desta verba é atribuída aos EUA). Bastaria uma fração dessa enorme despesa destrutiva para atingir os objetivos de desenvolvimento fixados pela Cúpula do Milênio da ONU no ano 2000, para erradicar a pobreza e para garantir a
educação e a saúde básicas no mundo.
8. É do maior interesse dos povos amantes da paz na Europa e no mundo em geral que a União Européia renuncie a qualquer tipo de atitude neocolonialista ou paternalista em relação a terceiros. Em vez disso, deveria partilhar relações abertas e de cooperação com os países vizinhos e com todos os países com os quais se interrelaciona econômica e politicamente. Em nenhum caso um país deve poder invocar “o interesse nacional” como justificação para recorrer à agressão com o objetivo de obter acesso a recursos e bens essenciais.
9. A Europa deve promover um diálogo aberto entre nações, promovendo a desmilitarização e a desnuclearização, através de consultas internacionais no quadro da ONU e da OSCE. Deve fazê-lo respeitando tratados anteriores e a sua aplicação, nomeadamente aqueles que têm contribuído para atenuar o agravamento das ameaças militares e promover o desanuviamento durante as décadas passadas.
Todas as partes devem cumprir os seus compromissos e não renunciar a eles nem impô-los unilateralmente, como têm feito e estão a fazer algumas potências nucleares. Particularmente as potências nucleares européias devem ser parte ativa na redução de arsenais e na renúncia à posse, instalação ou utilização desse tipo de armas de destruição massiva.
10. Os povos da Europa têm expressado repetidamente o seu desejo de um futuro melhor, bem como a sua oposição às intervenções militares, agressões e ocupações estrangeiro em que os seus países se tenham envolvido. Também têm expressado a sua solidariedade ativa com esses povos agredidos ou vítimas de qualquer forma de opressão. Expressamos a nossa solidariedade a todos os povos da ex-Iugoslávia que enfrentam as consequências da ingerência e agressão imperialistas que tem como objetivo converter os seus países em protetorados dos EUA, UE ou Otan, e são forçados a albergar bases militares estrangeiras. Denunciamos os planos dos EUA e da UE para fazer reconhecer a independência do Cossovo, em clara violação da soberania e integridade territorial da Sérvia e em aberta violação do direito internacional.
11. Os movimentos da paz em toda a Europa estão a expressar apoio e solidariedade aos povos da Polónia e da República Tcheca, que rejeitam a instalação de bases para o “escudo de defesa anti míssil” dos EUA nos seus países. Está demonstrado que o alargamento da Otan serve de pretexto à expansão das suas infra-estruturas na Polónia, República Tcheca, Romênia e Bulgária, numa acelerada tendência de militarização de todo o território europeu e da vida dos seus povos, promovendo uma postura agressiva para com os países vizinhos e ameaçando outros noutras partes do mundo.
Estes acontecimentos contradizem o desejo de paz dos povos da Europa que rejeitam alianças agressivas e exigem que se dêem passos imediatos para efetivar o desmantelamento da Otan.
12. O sistema econômico capitalista está a destruir aceleradamente os recursos naturais. Há uma crescente competição militar entre os países capitalistas pelo acesso e posse dos recursos remanescentes. A guerra é não só imoral como está demonstrado não ser solução para os perversos propósitos das grandes potências e interesses econômicos que se envolvem em guerras para dominarem e explorarem as riquezas de outros países.
A história das passadas guerras coloniais, a guerra do Vietnã e as guerras ainda mais recentes no Afeganistão, no Iraque e no Líbano e o atual genocídio na Palestina, provam que o poderio militar não consegue fazer submeter os povos e fazê-los abdicar do seu direito inalienável e legítimo de resistir aos agressores.
Neste contexto, rejeitamos veementemente qualquer movimentação, seja com que pretexto for, que promova um ataque ao Irã, e declaramos que se trataria de mais uma violação flagrante do direito internacional e da Carta da ONU. Exigimos ainda o fim do envolvimento de países europeus e da UE no Afeganistão, ao lado dos EUA e da Otan (através da ISAF), e rejeitamos com firmeza a ideia de uma missão da EUROPOL nesse país, liderada pela UE.
13. É nossa determinação pacífica renunciar à atual corrida aos armamentos e lutar pela desmilitarização e pelo desarmamento na Europa, promovendo relações políticas equitativas entre as nações, sem ameaças militares e dominação imperialista.
Esta visão pressupõe um continente livre de bases militares estrangeiras e fora de qualquer aliança militar.
Lisboa, 28 e 29 de setembro de 2007
* Declaração da conferência de movimentos de paz europeus, convocados conjuntamente pelo Conselho Mundial da Paz (CMP), Grupo Confederal da Esquerda Européia Unida/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL) e Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC).
Fonte: Cebrapaz