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Adalberto Monteiro: O grito

*

A rajada de gelo verga o cipreste.
Um rosto distorcido vaga sob a neve e grita.
E desde então o grito infesta o planeta.


 


Um cipreste,
A angústia pode ser bebida
Naquele cone verde.
Um homem vomitando
Numa noite escura
Infestou o planeta.


 


Moro num subúrbio dos trópicos.
Nesse chão poeirento,
Sei lá por que cargas d'água,
Há também um cipreste que verga e uiva.
E minha face é uma réplica ordinária
Daquela estampa.
Minha garganta possuída
Pelo vômito.


 


Alastrou-se a peste,
As desgraças nos foram injetando cicuta.
E o grito povoa o mundo.
E a dor que ele brada
É tão importante quanto a alegria.
Sua face monstruosa
Tão humana quanto à face
Rosada e esperançosa de uma criança.
O grito é a criança que cresceu
Acuada
Cercada
Pelo demônio do meio-dia.


 


E desde o grito
A vida voltou a ter esperança. 
Ele não é só horror,
Não é só vômito sujando a branca cerâmica.
É belo: expele o veneno que aniquila por dentro. 


 


As Delícias do Amargo & Uma Homenagem poemas – Adalberto Monteiro
Editora Anita Garibaldi, 2006