Pedaços da Fortaleza antiga
Eles carregam símbolos da modernidade como escadas rolantes e compras desenfreadas. O que já foi cinema, padaria e congregações da Fortaleza antiga vem cedendo espaço para a Fortaleza do século XXI no Centro Histórico.
Publicado 10/01/2008 12:52 | Editado 04/03/2020 16:36
Tela gigante. Nela, o desenrolar da história da bela e inocente jovem de família pobre que se apaixona justamente pelo noivo rico de sua melhor amiga. Com a ajuda de seus familiares, faz as vezes de princesa para conquistar a sua paixão. No mundo real, José Augusto da Silva era um dos rapazotes que se inquietavam nas cadeiras do Cine Diogo e mergulhavam na história de amor alheia. Dio, Come Ti Amo. Fim da década de 60. Vinte anos antes, a pomposa sala de cinema havia sido inaugurada com Balalaika. Hoje, quem adentra o principal espaço do prédio de oito andares da rua Barão do Rio Branco, no Centro Histórico, não enxerga resquícios do que se foi. Para isso, os mais velhos têm de abrir o baú da memória. Já os mais novos têm de se contentar apenas com os letreiros da entrada: Shopping Diogo.
Como o Shopping Diogo, algumas edificações do Centro Histórico de Fortaleza viraram pó ou foram rumadas a novos destinos. Com a passagem dos anos, o desleixo de gestores públicos, más administrações ou crises financeiras fizeram desaparecer pedaços da Fortaleza antiga. No entanto, alguns edifícios fazem remissão ao passado através da manutenção do nome original. “Naquele tempo era calmo, né?”, rememorou seu José Augusto, na última terça-feira, em meio ao burburinho do Shopping Diogo. Primeiro piso. O rapazote dos anos 60 virou motorista e agora é um senhor de 61 anos, saudoso do gigante que se foi. “Eu nunca pensei que aquele espaço tão bonito iria virar um negócio desses”, resumiu, voltando os braços em direção às pequenas multidões agoniadas e suas sacolas de compra.
Espalhados pelos oito andares do Edifício Diogo, também funcionam escritórios comerciais – alguns de lojas que têm filiais no próprio shopping. O prédio verde claro, branco e amarelo ainda mantém a fachada antiga, bem como a estrutura externa. No entanto, abriga a modernidade da escada rolante no mesmo local que já foi reuniu imensas platéias em torno de vários filmes vencedores de Oscars dos anos 30 aos 90. Capitão Blood, O Ladrão de Bagdad, Orgulho e Preconceito e A Ponte de Waterloo são exemplos.
O Cine Diogo foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1940. Além do cinema e do shopping atualmente instalado ali, o Edifício Diogo já abrigou a Navegação Aérea Brasileira (NAB), o Palácio da Criança, e a Ceará Rádio Clube. Hoje, o shopping mantém estabelecimentos comerciais de toda sorte – de aparelhos eletrônicos a eletrodomésticos, de lojas de confecções a lanchonetes. No espaço está instalada ainda a Casa do Cidadão, onde funcionam diversos postos de serviço como emissão de documentos. O local é o principal responsável pelo movimento ininterrupto de gente ao longo do dia.
A adolescente Michele Rocha, 14, tinha três anos quando o Cine Diogo fechou suas portas. Banhada de rosa dos pés à bolsinha a tiracolo, fofocava com duas amigas em frente a uma das lojas. Paquera. “É que aquele vendedor ali é muito gatinho”, dizia, sem desconcerto. Questionada se ela já ouvira falar do Cine Diogo, resposta pronta: “Hã? Cinema? Aqui nem combina com isso. E onde caberia um cinema aqui nesse espaço?”. O melhor, Michele, é que cabia. Durante 60 anos. E lá ainda tinha espaço para histórias de amor como a da jovem que virou princesa para conquistar o nobre rapaz. E para acompanhar essas histórias tinha gente como seu José Augusto da Silva, que hoje faz compras onde, antes, brincava de sonhar.
Fonte: O POVO