Elza Monnerat, um exemplo de militância

“Um exemplo de militância”. Assim João Amazonas definiu a camarada Elza Monnerat, que faleceu no dia 11 de agosto de 2004. Para homenageá-la, o Alerta Rio publica o discurso de João Amazonas pronunciado no dia 29 de junho de 1985, na Câmara Municipal do R

Elza Monnerat, um exemplo de militância



O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), fundado em 1922, presta merecida homenagem à veterana comunista Elza Monnerat, que completa 40 anos de militância ininterrupta no Partido.



João Amazonas fala sobre o significado dos 40 anos de luta de Elza em defesa da DEMOCRACIA, da INDEPENDÊNCIA NACIONAL e dos objetivos maiores do PARTIDO – O SOCIALISMO E O COMUNISMO.
29 de Junho de 1985
Salão Nobre da Câmara Municipal do Rio de Janeiro



Camaradas e amigos!
Nossa festa de hoje é uma festa de emoção. Mas é também um registro de grandes feitos dos comunistas na construção de uma vida nova, de uma sociedade liberta da exploração capitalista.



Saudamos o 40º aniversário de ativa e permanente militância dessa mulher, que não é a mais destacada expressão da teoria de nossa causa nem um verbo eloqüente nas praças públicas ou nos parlamentos. Pessoa simples, que nunca buscou posições destacadas para cumprir o supremo dever de colaborar na grande luta pela emancipação do proletariado e do povo oprimido do nosso país.



Refiro-me a ELZA MONNERAT precisamente naqueles dias difíceis, dias de horizontes sombrios. E igualmente a companheira dos dias de luz, dos radiosos momentos de vitória do movimento operário e da luta libertadora do nosso povo e dos povos de todo o mundo.



Conheci ELZA MONNERAT precisamente naqueles dias brilhantes do pós-guerra, quando multidões, em todo o mundo, saudavam a vitória dos povos sobre o regime mais bárbaro de que o mundo já teve notícia – a época terrorista do nazismo. Nesse instante, entre os milhões de combatentes da causa democrática, também estava presente a nossa camarada, sempre anônima, mas inspirando enorme confiança e ajudando como ninguém a obra a que se havia dedicado.



Nos grandes dias de vitória ela encontrava-se pichando os muros, ou sentada às mesinhas de recrutamento do Partido Comunista do Brasil, na antiga Capital da República atendendo aos operários e gente simples, que desejavam ingressar no Partido Comunista, legal desde maio de 1945. É encontrada ainda percorrendo os comícios gigantescos da época, angariando, junto com outros camaradas, finanças para sustentar a luta comunista em nossa terra. Dias de grande entusiasmo, de muita combatividade.



“Estrela de primeira grandeza”



Depois, os momentos difíceis do período do malfadado governo Dutra, quando operários, mulheres, intelectuais eram assassinados simplesmente pelo fato de serem comunistas. ELZA estava como sempre no seu posto de combate. Mais tarde, com a grave ameaça revisionista que pairava sobre o nosso Partido, ameaça de liquidação da organização tradicional da classe operária fundada em 1922, reencontramos ELZA MONNERAT. Trabalhava anonimamente, e de maneira singela para que a gloriosa 'A CLASSE OPERÁRIA', jornal combativo, sob a direção de Maurício Grabois, pudesse vir à luz cada quinzena e levar nossas idéias de defesa do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, que nunca mudou de nome, nunca mudou de ideologia, que nunca passou para as fronteiras inimigas!. Aí estava ela no seu trabalho simples na redação d’A CLASSE OPERÁRIA. E todos nós sabemos quanto de sacrifício havia naquela redação que ia desde a elaboração de artigos, a correção gráfica do que vinha das oficinas, a mobilização para a venda do jornal, Tão difícil era sustentar a bandeira do Partido através d’A CLASSE OPERÁRIA! E, nesses afazeres, ‘sem que brilhasse como estrela de primeira grandeza, e sendo estrela de primeira grandeza’, estava a colaboração assídua, anônima e permanente de ELZA MONNERAT.



E quando, ao apagar das luzes das liberdades em nossa terra, substituídas pelo regime infame que durou 21 anos, então se revela nas horas difíceis a fibra revolucionária de combatente abnegada e fiel à causa do proletariado da nossa camarada.



Naqueles dias, meus amigos, muitas vezes a realização de um trabalho que parecia pequeno tinha uma importância gigantesca. Montar aparelhos, esquivar-se da repressão, defender o Partido da violência terrorista da ditadura não era tarefa fácil. ELZA MONNERAT ocupava um posto importante nesses momentos difíceis. E a ditadura prosseguia torturando, matando, assassinando os melhores filhos do nosso povo. O Partido defendia audazmente a grande idéia sempre sustentada por todos os seus militantes de “jamais arriar a bandeira de luta, de jamais curvar-se diante do inimigo de classe por mais bárbaro que ele fosse”. E, surgiram e germinaram as idéias generosas da resistência armada da região do Araguaia. Construir essa resistência debaixo do terror fascista era uma tarefa árdua, e podemos dizer que desde o início contamos com a ajuda eficaz de ELZA MONNERAT. Estava na primeira fila da construção dessa frente de luta que expressava a fibra revolucionária do nosso povo e onde um punhado de abnegados combatentes da liberdade simbolizavam milhões de brasileiros em oposição à ditadura militar fascista. E não era simples, e não era fácil. Quem viveu esses dias pode recordá-los hoje, considerando toda a sua grandiosidade.



ELZA não era uma mulher de campo, morou nas cidades, tinha a mentalidade das grandes cidades, da antiga Capital da República. Modestamente foi instalar-se numa das regiões mais atrasadas do Brasil e soube com seu trabalho, com a sua maneira de ser, com a fibra de comunista, conquistar as massas pobres do interior, às margens do Araguaia.



Todos a respeitavam, todos lhe queriam muito, todos admiravam o seu esforço de trazer esperanças, novas esperanças à nossa gente gloriosa defesa da liberdade que ali se realizaria. O trabalho, meus amigos, não foi suave. Os outros camaradas conseguiam montar num burrinho e atravessar as picadas da selva, por vezes dezenas de léguas. ELZA MONNERAT não podia fazer a mesma coisa, sofria da coluna. Caminhava a pé por essas florestas. Trinta, quarenta, cinqüenta quilômetros andando por trilhas tortuosas, atravessando riachos, mas sempre com a consciência de quem cumpre uma tarefa e de quem não sente fadiga para levar adiante os ideais a que se associa com tanto entusiasmo. E ELZA foi até o fim.



Logo depois, a repressão voltava-se não apenas para as matas do Araguaia, mas também para cidades brasileiras. E como era penosa a luta! Como era trabalhoso sustentar um aparelho clandestino e continuar a existência e a atividade do Partido Comunista do Brasil sob a ditadura, diante dos massacres dos companheiros que tombavam não somente na Guerrilha do Araguaia como nas grandes cidades. Aqui no Rio caiu suplicado Luis Guilhardini e igualmente esse grande filho do Estado do Rio, o nosso querido e saudoso camarada Lincoln Oest. Morreu também, assassinado pela ditadura, Lincoln Bicalho Roque. Noutros estados sucumbiram nas masmorras Carlos Danieli, Rui Frazão, Jorge Leal e tantos mais que deram a vida mantendo bem alto a bandeira da Revolução.



Nesses dias tormentosos, mas cheios de vigor revolucionário, dias em que era preciso disfarçar, saber enganar o adversário, lutar numa trincheira cercada pela reação enfurecida, aí estava nas primeiras linhas a nossa camarada ELZA MONNERAT. Ela sustentou, junto com Maria Trindade, esta batalha até a tragédia da Lapa, em São Paulo, em 16 de dezembro de 1976. Orientado por um traidor – e só assim poderia chegar ao nosso aparelho, ao nosso trabalho de resistência – o inimigo assassinou no local ÂNGELO Arroyo e Pedro Pomar e prendeu, na rua, ELZA MONNERAT.



Nesse 16 de dezembro, os bandidos da repressão, os torturadores ficaram espantados: “então era você, você uma peça-chave no funcionamento dessa máquina que durou tantos anos!”. Eles se admiravam daquela mulher simples, daquela criatura já entrada em anos que sabia cumprir de cabeça erguida as tarefas que a Revolução no Brasil exigia.



Anistia



ELZA viveu então, com muita dignidade a vida dolorosa das prisões. Mais tarde com o movimento pela Anistia, volta novamente ao trabalho do Partido Comunista do Brasil, junto a seus camaradas, e essa marcha também custosa, mas diferente, que vinha da campanha da Anistia até os dias de hoje vivemos, dias de liberdade conquista pelo nosso povo, de democracia alcançada com as vigorosas manifestações de rua, dias que assinalam a vitória de homens e mulheres que souberam combater até o último momento a ditadura militar fascista e descortinar a aurora de novos horizontes para a nossa Pátria.



Meus amigos, ELZA não é uma comunista que passou pelo Partido. Ao ingressar nele, no nosso Partido, ELZA MONNERAT dava um passo naquilo que considerou dede aquele instante o verdadeiro caminho de sua vida. E nunca traiu esse caminho, seguiu e seguirá por ele até o fim de sua existência.



Para a companheira, a marcha por essa senda é a marcha pelos objetivos a que ela aderiu como membro do Partido Comunista. Sua trajetória não é aquela que destaca a militância comunista através do parlamento, dos grandes atos públicos. Não. ELZA cumpriu o seu trabalho quase que anonimamente, mas devemos dizer que “sem esses pequenos parafusos”, como falou Stálin, jamais se construirá a fortaleza do Partido Comunista e jamais se levará adiante a gloriosa luta de nossa gente que há de terminar pela vitória da libertação nacional e da emancipação social de nosso povo.



ELZA, meus amigos, é um exemplo para todos nós. Indica que em toda a parte é possível lutar e que sem essa luta que muitas vezes parece pequena, mas é essencial e tem uma imensa importância, não se consegue sustentar os ideais que defendemos.



E é por isso que, ao completar 40 anos de militância comunista, tenho a certeza de que ELZA sente olhando o passado, toda a grandeza do caminho que percorreu e há de sentir-se orgulhosa, como todos nós nos sentimos, de haver levado adiante, em benefício de nosso povo, a luta contra o que há de mais retrógrado, mais reacionário em nosso país a fim de fazer avançar o processo de libertação de nossa Pátria.



Hoje, embora a liberdade conquistada, compreendemos que a luta em nosso país, e no mundo inteiro, não é uma marcha ‘aux flambeaux’, não é uma caminhada pacífica pelos jardins da democracia. É uma luta que tem diante de si inimigos rancorosos, bárbaros, cruéis. Inimigos que não abandonarão a cena da História senão expulsos pela união, pela fortaleza de ânimo, pela combatividade das grandes massas de 130 milhões de brasileiros.



É aí que reside nossa força, e é para solidificar essa força, e torná-la realidade em nós, os comunistas, estamos decididos a marchar ombro a ombro com todos os autênticos democratas e patriotas, sem exclusivismos, sem tentar aparecer como donos da verdade, lutando abnegadamente para que o Brasil, que tanto amamos, possa transformar-se na grande Nação com que sonhamos, para que a nossa Pátria se torne a Pátria da liberdade, do socialismo vitorioso.



Nossas homenagens a ELZA MONNERAT.