Mileide Flores: Reflexão sobre a Lei em defesa do livro
Lei em defesa do livro: Uma saída conjuntural ou uma solução estrutural?
Publicado 28/08/2008 20:24 | Editado 04/03/2020 16:36
Percepção sobre o setor.
Dois pontos são fundamentais para discussão sobre a crise em que se encontra o setor livreiro do país. Um, é a crise social, cultural e educacional vivida por todos, fazendo com que a prioridade pela leitura não esteja no pensamento básico da maioria das políticas públicas dos estados e municípios. Assim, a leitura não aparece, nem de fato e nem de direito, como ferramenta essencial ao crescimento econômico do país. Outro é a demanda reprimida da população para aquisição de livros, freada pelo alto preço dos mesmos e a presença mínima de bibliotecas públicas e/ou comunitárias.
Tanta carência social deveria forçar presença da questão nos projetos políticos, mas o atraso é solidário e o carente, muitas vezes, desconhece sua própria carência, imerso na ignorância. Daí os paradoxos. Evidencia-se, então, no centro do paradoxo, o papel de editores, livreiros, escritores e intelectuais na mediação Estado/Sociedade, para que a Sociedade tome consciência de uma carência fundamental e o Estado se disponha a intervir com uma Lei que venha a ter sucesso e não se apresente apenas como uma saída marqueteira, mas sim, como uma solução consistente, crítica e viabilizadora de mudanças reais.
A partir desta perspectiva, mergulhemos nos prós e nos contras da Lei que vem sendo discutida no Ceará, sob a coordenação do SINDILIVROS.
Compreensão.
A Lei em Defesa do Livro, como pensada, tem por base regular o mercado do livro, na tentativa de construir oportunidades iguais para que os pequenos e os grandes empresários convivam de forma equilibrada no mercado.
A presença de pequenas e médias livrarias, segmentadas ou não, exerce papel fundamental na formação e na manutenção do exercício da leitura e da produção de leitores de uma região ou país. Daí a necessidade de concebermos o setor livreiro como espaço de saberes e de cumplicidade na formação de leitores, não apenas iniciativa comercial.
Detalhemos um pouco a Lei que pretende produzir tal equilíbrio:
Objetivo Geral:
Assegurar o incremento da capacidade cultural e social da coletividade.
Objetivos Específicos:
Garantir maior acesso ao livro pela população.
Assegurar a maior diversidade de livros e títulos ao leitor.
Garantir compra permanente de livros para bibliotecas.
Diminuir o preço final do livro.
Garantir a sobrevivência de livrarias independentes de pequeno e médio porte.
Os que são favoráveis alegam que aumentou-se o número de livrarias de pequeno e médio porte onde uma Lei desta natureza foi adotada; Regulamentou-se as cadeia produtiva do livro, deixando-a mais saudável. Garantiu-se a diversidade e o pluralismo cultural, por meio da publicação de obras das mais diversas áreas do conhecimento, e que reduziu-se o preço do livro pelo aumento dos pontos de venda e das tiragens.
Os que são contra alegam que o que deve prevalecer é a livre regulação pelo mercado e a Lei estaria promovendo cartelização; que os pontos de venda deveriam ter a liberdade de dar os descontos que bem lhes conviessem e que a competição beneficiaria o consumidor.
Argumentos contra aos que são contra:
A formação de cartel só ocorre quando um setor se une em detrimento de outro, o que não é o caso, pois livreiros e editores estão de acordo com a Lei.
Com a variação de descontos limitada, a procura pela livraria dá-se pela diferença de serviços extras oferecidos, o que melhora a qualidade da oferta de serviços das livrarias.
Nos países que adotaram a Lei, houve aumento do número de editoras e livrarias, efetivamente beneficiando o consumidor.
Aprofundemos a discussão:
A organização do setor editorial/livreiro é a condição fundamental para o diálogo do legislativo com a sociedade e as categorias de livreiros e editores. A organização do setor constitui chave fundamental para que a Lei em Defesa do Livro não fique nas rubricas, tão bem ironizadas por Felipe Lindoso, de “Leis que não pegam” e de “Leis inúteis”, em texto recentemente publicado.
Com a fragilidade da organização repercutindo na fragilidade da discussão, em nível nacional, a Lei tende a perder forças na hora da sua aplicação. Com isso, fica claro que as entidades envolvidas têm que fazer esforço extremo para divulgação e busca de apoio na sociedade e na classe política, a fim de que esta Lei não caia no vazio, haja vista que a Lei brasileira do Livro, de dezembro de 2003, ainda não foi sancionada, cinco anos depois.
O que pretendo deixar claro é que temos uma saída frágil para resolver um problema muito complexo, mas esta é a melhor saída disponível na situação dos países de economia periférico-dependente. Mas por que seria frágil? O país é enorme, o Estado é burocrático-autoritário, a cultura de fiscalização e controle pela sociedade é muito tênue, em muito poucas unidades da federação a cadeia do livro encontra-se minimamente organizada e, temos tendência para o comportamento predatório.
Boas iniciativas, no campo do Legislativo já existem. Em 10 anos, 205 Projetos de Leis, com alguma referência ao livro (sitio eletrônico da Câmara dos Deputados), foram encaminhados pelo Legislativo Federal, muitos abortados, outros encostados e alguns caminhando em passos muito lentos, sem que sequer as entidades do livro tomem conhecimento. Em 2008, alguns projetos apresentados tiveram repercussão no mercado, graças ao Blog do Galeno. Quais foram:
Projeto de Lei do Deputado Augusto Carvalho (PPS/DF), com Ementa, de 10 de julho de 2008, que altera a Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003, constituinte da Política Nacional do Livro. Explicação: Estabelece preço fixo para comercialização de livros;
Projeto de Lei do Deputado Chico Lopes (PCdoB), com Ementa, de 21 de fevereiro de 2008, que acrescenta inciso IV ao Art. 7° da Lei nº 9.394, de dezembro de 1996. Explicação: Limita o período de alteração do conteúdo dos livros didáticos utilizados nas escolas de ensino fundamental e médio da rede privada.
Projeto de Lei 3378/08 do Deputado Antônio Palocci (PT/SP), que altera o Art. 20 do Código Civil (Lei 10.406/02), cujo conteúdo trata da divulgação de imagens e informações pessoais. Explicação: O projeto estabelece uma nova hipótese de livre divulgação: quando se tratar de pessoa “cuja trajetória pessoal ou profissional tenha dimensão pública, ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”.
Entre outros como, por exemplo, o uso do papel reciclado para confecção de livros etc. Neste caso, é boa a leitura do texto do Felipe Lindoso “A Lei que não pega e a Lei inútil”.
Com isso percebemos que a Câmara dos Deputados tem sobre o assunto grande interesse, porém de modo pontual, com operações sem princípios e diretrizes gerais, isto é, sem política global. Mas o momento é ótimo para os avanços necessários. O Legislativo é um grande aliado.
Ao ler reações da imprensa em relação à implementação de Leis de Defesa do Livro, nos países que já a adotaram, percebe-se que são muito favoráveis. A repercussão na mídia de massa repercute na consciência social e cria adesões. A imprensa, portanto, é outro grande aliado.
Consideremos a necessidade urgente de uma política interna de organização das categorias de editores e livreiros, em nível nacional. Com isso não quero dizer que seja necessário primeiro a organização para depois pensarmos na Lei. Não, o que é necessário é que comecemos, no processo mesmo de construção da Lei, a nossa organização.
Qual a organização que precisamos?
Como já foi dito, poucos estados têm representações Sindicais ou Associativos em Entidades ou Câmaras dos maiores interessados pela Lei, de modo imediato (editores, livreiros e escritores). E as representações que se tem são limitadas e pelos problemas expostos, até o momento, necessitamos de uma entidade sindical de caráter nacional para defender nossos interesses. Porque uma entidade nacional de base sindical? Porque o caráter associativo oferece uma grande limitação jurídica, pois tal entidade só responde pelos associados, limitada na sua representação.
Sem entidade sindical com base nacional, pois a CNC não nos representa, o país, inevitavelmente, será transformado em uma colcha de retalhos, com a Lei existindo de fato em alguns lugares e em outros não. A disfuncionalidade será tremenda. E aí morreu a Lei, verdadeiramente natimorta.
Outro problema enfrentado pela desarticulação do mercado está sendo sentido pela pouca discussão, nos fóruns regionais, sobre o assunto. Por se tratar de uma Lei reguladora de mercado, temos que enfrentar estes problemas para que ela se torne uma Lei de fato.
O que foi feito no Estado do Ceará.
Todos os questionamentos acima colocados registram os debates nas apresentações da Lei na Federação do Comércio do Estado do Ceará (FECOMÉRCIO), no Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Ceará (SINDILIVROS), na Câmara Cearense do Livro (CCL), na Assembléia Legislativa do Estado do Ceará e na Câmara de Vereadores de Fortaleza. Mais recentemente, começamos a discutir o assunto com a Associação dos Escritores Cearenses (ACE), a Associação de Bibliotecários do Estado do Ceará (ABEC) e Sindicato da Indústria Editorial de Formulários Contínuos e de Embalagens Gráficas no Estado do Ceara (UNIGRAFICA).
Na última eleição para o Conselho Estadual de Cultura, segmento Literatura, a ACE, o SINDILIVROS e a CCL ocuparam as posições de membro temporário e 1ª e 2ª suplência, respectivamente. Esta posição permitirá o envolvimento, na discussão da Lei, deste Fórum que tem caráter consultivo e é responsável pela discussão de todas as políticas públicas na área da cultura no Estado.
Resultados obtidos:
Criação de um Fórum Permanente pela Democratização do Livro e da Leitura, na Câmara de Vereadores de Fortaleza.
Dois candidatos a Vereador têm na leitura um de seus eixos de campanha
Dois candidatos a Prefeito colocam a leitura e a organização do setor como eixo de campanha.
Um Senador, um Deputado Federal e três Deputados Estaduais declararam-se dispostos a apoiar a Lei.
Várias novas entidades estão se envolvendo na discussão.
Sugestões de encaminhamento:
Fazer videoconferências regionais, procurar apoio do PNLL, com a presença da imprensa.
Levar à Brasília vários representantes regionais com as adesões locais. Busca de apoio nas bases dos Deputados e Senadores.
Repensar a forma organizacional das entidades nacionais do livro, compondo com as entidades regionais, fortalecendo-as. Tornar a ANL uma Federação Nacional de Livrarias.
Bem, este é o balanço que tenho a apresentar.
Lembrando a todos que pela segunda vez um nordestino compõe uma mesa de discussão na Convenção de Livrarias, desde 1999.
Obrigada a diretoria da ANL pelo convite, senti-me honrada.