As inconsistentes críticas neoliberais da OCDE ao Brasil
A parcela ocupada pelo Brasil no comércio internacional se estagnou nos últimos 25 anos e o país “mal pode ser chamado de um exportador dinâmico”. A avaliação é da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que alerta que o Merco
Publicado 20/03/2009 14:14
Em um estudo sobre os mercados “emergentes”, a OCDE lança acusação segundo as quais o setor privado nacional se queixa de que a agenda comercial do país não segue as prioridades econômicas, mas que ela teria sido “sequestrada” por metas geopolíticas, como uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
A OCDE, conhecida como o Clube dos Países Ricos, publicou uma avaliação dos últimos 20 anos nos seis países “emergentes” que acredita ter peso na economia mundial. Não se trata do tradicional Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), mas dos Briics, adicionando Indonésia e África do Sul. O “alerta”, de cores neoliberais, a todos é o mesmo: precisam fazer a “segunda onda” de “reformas” estruturais, reduzir barreiras, liberalizar setor de investimentos, abrir seus mercados para serviços e ser mais eficientes na administração pública e nas aduanas, principalmente em um momento de crise.
A OCDE pede que esses países evitem adotar medidas protecionistas e diz que Índia e China estariam dando sinais de que podem elevar barreiras. “O momento agora não é de fechar mercados. Sabemos que politicamente isso é difícil. Mas economicamente é isso que deve ser feito”, disse Ken Ash, diretor de Comércio da OCDE. “As reformas pararam e elas serão fundamentais agora para sair da crise”, disse. No caso do Brasil, as críticas são duras.
Segundo a OCDE, o país patina ainda atrás das demais economias “emergentes”. “O lugar do Brasil na arquitetura global do comércio mudou muito pouco nos últimos 25 anos”, afirma o documento. “O Brasil fez suas reformas nos anos 90. Mas desde então bateu na parede”, disse Ash. Segundo ele, se o governo não promover “reformas” internas e investir em infraestrutura, até mesmo as exportações agrícolas serão freadas nos próximos anos.
Queixas do setor privado
A constatação é de que o Brasil, apesar de ver suas exportações crescerem a taxas de mais de 22% nos últimos anos, não conseguiu ganhar maior parcela no comércio mundial e apenas recuperou sua participação que tinha há 20 anos, com pouco mais de 1% do mercado global. A OCDE admite que as taxas de expansão do comércio brasileiro tem sido acima da média desde 2002. Além disso, o país conta com um grau de integração no mercado mundial muito maior que há 20 anos. Em 1988, o comércio representava 14% do PIB nacional. Hoje, são 30%.
Mas o documento diz que isso ainda não foi suficiente. As exportações não conseguiram se traduzir em um crescimento do PIB nos níveis de China e Índia, nem elevar os níveis de vida da população. Outra crítica se refere à falta de liberalização. “Desde meados dos anos 90, não há praticamente nenhuma liberalização comercial e muito pouca reforma estrutural”, afirmou a OCDE.
Segundo a entidade, o atual governo “não fez avanços na liberalização comercial, de investimentos ou reformas microeconômicas”. A OCDE destaca que, durante o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, as “queixas” do setor privado são de que a política comercial “tem um foco geopolítico e não se concentra suficientemente nas prioridades comerciais brasileiras”. Segundo a entidade, o setor privado estima que a aproximação com a Europa e Estados Unidos foi “negligenciada”.
Falta de infra-estrutura
As metas políticas, entre elas um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, teriam “sequestrado” a política comercial. Segundo a OCDE, “as negociações regionais e na OMC são usadas para atingir metas de política externa, como a liderança do Brasil na América do Sul, alianças com outras potências do Sul para contrabalançar o poder americano”.
Sem citar provas, a OCDE diz que há dificuldade de se fazer negócios no Brasil diante da burocracia e ineficiência de aduanas. “O Brasil tem indicadores medíocres de governança como eficiência da administração, qualidade regulatória e corrupção”, ataca. Para a entidade, os problemas são persistentes e demonstram que “reformas” não foram realizadas.
Ash diz que o Brasil sofre com falta de infra-estrutura, estradas e portos. Parte da competitividade na produção agrícola é perdida no transporte no próprio país para chegar aos portos. “Se isso não mudar, vai sofrer”, disse. Os custos para exportar estão entre os mais altos, com mais de US$ 1 mil por container. Entre os seis países avaliados, apenas a África do Sul tem índices piores, segundo a OCDE.
Vantagens comparativas
A entidade também ataca a falta de inovação no setor industrial brasileiro e a “desigualdade social”. O sistema tributário e taxas de juros são fatores que estariam contribuindo para impedir um maior crescimento das exportações. A OCDE não poupou críticas ao Mercosul, considerado pela entidade como “bem fraco”. O texto chega a acusar o Brasil de ter minado a construção de uma união aduaneira ao buscar acordos com outros países, como entendimentos preferenciais com a Índia.
Para OCDE, os países do grupo tem “vantagens comparativas” parecidas, o que cria limites para a integração. Já as medidas protecionistas poderiam levar à estagnação de Paraguai e Uruguai. A entidade sugere que se dê facilidades para os dois países buscarem “acordos internacionais”. “Os desafios no bloco são grandes”, afirma. Para a OCDE, o Mercosul s estagnou e não conseguiu atingir sua meta de ser uma união aduaneira.
De tudo isso, cumpre ressaltar que a OCDE desconsidera que hoje a economia é medida não apenas por aquilo que numericamente se é capaz de produzir, mas principalmente por aquilo que dá mais valor ao produzido, aquilo que efetivamente mostra o grau de técnica e de ciência contido no produto final. Seria ótimo se pudéssemos contar com a tecnologia trazida pelo investimento externo direto, sob controle de um poder político comprometido com os reais interesses nacionais.
Dinâmica da economia
Mas não é assim que ocorre nos dias atuais. A dinâmica da economia mundial é a de concentrar a inovação tecnológica num pequeno número de grandes grupos multinacionais, com matrizes nos países centrais, que estabelecem sua hegemonia sobre as empresas nacionais dos países onde eles chegam. Segundo a própria OCDE, quase 90% das atividades em pesquisa e desenvolvimento se concentram nos países centrais.
E, para piorar a situação, no Brasil — assim como em muitos países periféricos —, durante os tristes anos de neoliberalismo essa hegemonia recebeu injustificadas facilidades por meio da abertura econômica indiscriminada e do abandono das políticas de Estado voltadas para a produção científica e tecnológica. A tese de que abrindo a economia o país criaria um atalho tecnológico se mostrou totalmente falsa: dados da OCDE revelam um acentuado declínio da transferência de tecnologia para a periferia, ao lado da concentração dos fluxos de investimento externo direto dentro dos próprios países centrais.
Para o país voltar a se desenvolver, portanto, é fundamental uma luta que expresse interesses sociais diferentes como forças condensadas no Estado. Mais do que nunca, na situação atual do Brasil faz-se necessário um Estado com capacidade — sobretudo política — de interferir na economia, crescentemente e de forma direta, como planejador e investidor. E um aspecto relevante dessa política é o cuidado com a liberalização indiscriminada.
Ambiente de negócios
O Brasil foi o país que mais recebeu investimentos externos diretos (IED) na América Latina em 2007, segundo um relatório da Unctad, o braço da ONU para comércio e desenvolvimento. O país, que tradicionalmente disputa esse título com o México, recebeu US$ 34,6 bilhões, um aumento de 84% em relação a 2006. Segundo o estudo da Unctad, os setores que mais se beneficiaram da entrada de recursos foram o de mineração, metalurgia, alimentos e bebidas, refinarias e petroquímicas.
No Relatório sobre os Investimentos no Mundo (WIR, na sigla em inglês), os economistas da Unctad situam o aumento dos investimentos no Brasil e na América Latina no contexto de uma busca por recursos naturais que coloca tanto governos como empresas privadas competindo pelo controle das mesmas reservas.
Apenas na Venezuela, na Bolívia e no Equador, a entrada de investimentos externos foi muito pequena ou negativa, no que a Unctad interpretou como decorrência das restrições ou incertezas em relação às operações de empresas privadas nesses países. Na região como um todo, o ambiente de negócios é mais propício aos investimentos externos no setor de mineração, mais aberto aos grupos monopolistas privados, do que de petróleo e gás, em que companhias estatais dominam o cenário, segundo o relatório.
Unidade das sociedades
O desenvolvimento econômico das nações é sinônimo do desenvolvimento da unidade das sociedades desde o tempo em que o homem lascava pedra até os dias atuais. A questão nacional é, portanto, do ponto de vista econômico histórico, a régua essencial que mede o progresso de um país. Há, no entanto, disseminada pelo mundo, uma cantilena que costuma imputar as mazelas dos países pobres às questões nacionais — como faz agora a OCDE.
Os países desenvolvidos são ricos, no sentido capitalista do termo, porque ergueram suas economias em bases nacionais e se lançaram à corrida pelo domínio econômico dos países periféricos — o imperialismo, brilhantemente dissecado pelo líder da revolução socialista na Rússia, Wladimir Ilitch Lênin.
Chegaram a fazer duas guerras mundiais com esse fim. Para dominar politicamente a periferia, distribuem benesses a pequenas classes dominantes, fortalecendo o seu histórico poderio político local, e em troca recebem liberalidade para as suas operações. Essa simbiose de poderes é que, indubitavelmente, define o que somos aqui e o que eles são lá.