Jandira Feghali e o papel ativo do Estado na Cultura
Em entrevista a João Bernardo Caldeira, do Valor Econômico, a secretária de Cultura da cidade do Rio, Jandira Feghali, fala sobre a polêmica em torno da gestão dos teatros na capital, a herança dramática deixada pelo ex-prefeito César Maia (DEM)
Publicado 20/03/2009 19:23
Ela também rebateu a acusação de “dirigismo” frente à pasta. “Isso não existe, não vamos interferir no conteúdo da obra e muito menos na programação. Queremos apenas estabelecer contrapartidas sociais e critérios como pluralidade, diversidade e incentivo aos novos talentos”, esclarece Jandira.
No entanto, para concretizar suas ideias e sonhos, como triplicar o orçamento da secretaria, Jandira sabe que há um duro caminho pela frente. As eleições de 2010 também podem pesar para a baterista, já que ela é um dos fortes nomes na disputa pelo governo do Estado, ou mesmo ao Senado, pelo PCdoB.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Ninguém esperava Jandira Feghali na Cultura. A nomeação foi meramente política?
Não, meu vínculo com a cultura sempre foi muito forte. Além de ter vivido alguns anos como baterista profissional, a primeira lei de incentivo de ICMS, quando a Lei Sarney foi extinta pelo governo Collor, foi minha, entre outros exemplos. E nunca condicionei meu apoio ao Eduardo Paes à participação no governo.
A senhora afirmou ter encontrado aparelhos de ar-condicionado abandonados nas lonas culturais. Esse é um exemplo do legado deixado pelos oito anos de administração do prefeito Cesar Maia (DEM)?
Herdamos uma falta de presença da pasta em manifestações como o carnaval, uma política desfragmentada, funcionários desmotivados e a RioFilme com um papel terciário no audiovisual brasileiro. Foram cometidos erros absurdos, como o completo descuido com o patrimônio público e a quase total ausência de equipamentos culturais em regiões como a Zona Oeste. Tivemos de interditar não só quatro lonas culturais em péssimo estado, como também o anfiteatro da Biblioteca de Paquetá. No Teatro Ziembinski, por exemplo, chove na plateia, enquanto o Centro Cultural José Bonifácio está repleto de infiltrações.
Foi deixado também um orçamento de R$ 59 milhões. A quantia é suficiente?
Esse montante representa 0,6% do total do orçamento da prefeitura, muito pouco para uma cidade desse porte. Quero chegar a 3% em quatro anos. Se atingir 1% em 2009 já será uma vitória. Tenho chorado muito na mesa do Eduardo, que felizmente acredita que a cultura do Rio precisa expandir-se. A cada prioridade aprovada utilizamos o crédito suplementar, já que não há como mexer no orçamento. A primeira iniciativa autorizada foi a construção da Lona Cultural da Pavuna, que custará quase R$ 2 milhões.
Houve uma grita na classe teatral com o anúncio de que um edital para a ocupação dos teatros do município descontinuaria o trabalho dos atuais gestores. Por que a mudança?
Não temos problema com nenhum gestor, e todos poderão concorrer ao edital, que será lançado em abril. Mas falta vocação pública aos teatros do município, que precisam fazer parte de uma concepção que permita que a sociedade tenha acesso à linguagem mais diversa e plural possível.
A senhora denunciou a existência de feudos nos teatros…
Disse apenas que a política da secretaria é feudalizante, pois entrega o teatro para o gestor e diz: ''Faz o que você quiser''. A carta de demissão do diretor do Ziembinski [Carlos Augusto Nazareth] causou toda essa confusão na mídia. Foi uma atitude de má-fé, conduzida por alguém que não posso dizer o nome, para tentar desestabilizar nossa administração.
Como se defender das acusações de promover uma política dirigista?
Isso não existe, não vamos interferir no conteúdo da obra e muito menos na programação. Queremos apenas estabelecer contrapartidas sociais e critérios como pluralidade, diversidade e incentivo aos novos talentos.
O prefeito tem declarado a intenção de mexer na organização do carnaval, hoje nas mãos da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). O evento voltará ao poder público?
A preocupação do prefeito é que o carnaval do Rio seja conduzido com lisura e sem brecha para contestações e injustiças. Um grupo de trabalho vai fazer um balanço do quadro e apontar sugestões para o ano que vem. Em 2009, a única responsabilidade da pasta foi financiar e escolher os jurados do grupo B. Mas carnaval é cultura, precisamos ter uma ingerência muito maior.
Sérgio Sá Leitão, presidente da RioFilme, afirma que o orçamento ideal da distribuidora seria de R$ 10 milhões, bem acima do R$ 1,75 milhão que dispõe. É possível chegar ao montante desejado?
Foi essa a quantia que pedimos ao prefeito. Vamos criar o Funcines municipal, e até o início de abril lançaremos um edital para desenvolvimento de longa-metragem, produção de curta-metragem e finalização para longa, curta e documentário. Queremos investir R$ 5 milhões através do edital.
Palavras como ''democratização e descentralização'' têm sido encampadas nas pastas da Cultura em todo país. Profissionais do setor reclamam da falta de políticas direcionadas aos veteranos. Eles precisam contentar-se com as leis de incentivo?
De forma alguma deixaremos de prestigiar quem já contribui para a cultura brasileira. Mas é preciso equilibrar a participação dos que já possuem acesso à cultura e os que ainda estão à margem desse processo, sejam artistas ou cidadãos.
Quando a polêmica Cidade da Música, na qual Cesar Maia investiu mais de R$ 500 milhões, será finalmente aberta ao público?
Ninguém sabe. Acho que ela precisa funcionar, mas o prefeito está esperando o resultado da auditoria.
A prometida parceria entre governo federal, estadual e prefeitura já está ocorrendo?
Sim, tenho me reunido com a secretária [estadual de Cultura] Adriana Rattes. Receberemos do Estado a casa de shows Imperator, fechada há dez anos, e a Biblioteca do Méier. Firmamos parcerias com os Ministérios de Ciência e Tecnologia, Educação, Justiça e Cultura para viabilizar, por exemplo, atividades em 150 escolas das regiões mais carentes da cidade e o lançamento dos pontos de cultura. E estamos trabalhando com o Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] a candidatura do Rio na Unesco como patrimônio da humanidade na área de paisagem cultural.
Qual é o legado que pretende deixar?
A integração entre cultura e educação será a marca de minha gestão. Não pretendo apenas enxugar gelo, mas montar uma grade curricular consistente. Queremos também difundir tudo o que a cidade produz. Por isso criamos uma secretaria internacional, e acabo de voltar de Buenos Aires, onde fechei parcerias de cooperação e intercâmbio. É preciso ainda ampliar o mercado de trabalho do setor, porque as pessoas têm o direito de viver de sua arte. Se esses objetivos forem cumpridos, saio daqui gratificada.
Em 2010, dificilmente o PCdoB abrirá mão da candidatura de Jandira Feghali, que alavancaria votos para o partido. Será inevitável interromper o trabalho na pasta?
Não quero entrar nessa discussão agora. Nada na vida está descartado, inclusive ficar os quatro anos.