45 anos do golpe militar: governo baiano anuncia intenção de abrir arquivos
Sob a justificativa de um supostamente iminente golpe de estado comunista, e bancados pela doutrina norte-americana de repressão a movimentos sociais de esquerda, as forças militares do Brasil, apoiadas pelos latifundiários – estes, inimigos declarados da
Publicado 03/04/2009 19:12 | Editado 04/03/2020 16:20
Passados exatos 45 anos de deflagração do golpe militar, o Brasil ainda resiste em tornar público arquivos do antigo Departamento de Ordem Política e Social – Dops; a antiga milícia militar. Apesar dos apelos de grupos pacifistas, como o Tortura Nunca Mais, e entidades diversas, como a própria Ordem dos Advogados do Brasil, ainda perdura no país uma cortina de silêncio e omissão.
Se por um lado o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, Paulo Vanucchi, declaram publicamente que são contrários à prescrição dos crimes contra a humanidade praticados por militares na vigência do regime, propondo, inclusive, uma rediscussão da Lei da Anistia; na outra extremidade, a Advocacia Geral da União – AGU, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal – STF, posiciona-se contrária à punição aos torturadores, alegando se tratar de crime político, amparado no cumprimento da função militar ou policial e, portanto, livre de pena a partir da Lei de Anistia.
Em meio a protestos e diante de um cenário dicotômico, o tilintar de esperança para as vítimas (e aqui se incluem, também, os seus familiares) dos crimes, torturas e privações de direitos humanos durante os anos de chumbo da ditadura militar, ganha novo fôlego com a chegada ao poder das forças progressistas. Estas mesmas forças que, outrora, foram usadas como motivo para a implantação dos mais violentos anos da história nacional, assumem os postos de comando de estados – e da nação – pelas vias legais de fato. E acenam com transparência e ideais de justiça.
Na última quarta-feira (1/04), o governo anunciou a criação de um site para divulgação dos arquivos da ditadura militar. Sob sob o título de “Memórias Reveladas”, e previsto para ser lançado ainda este mês, o portal irá disponibilizar todo o conteúdo do Arquivo Nacional, e material dos Departamentos de Ordem Política e Social dos estados, digitalizados e mantendo-se preservado o sigilo sobre a vida privada dos cidadãos. Da mesma forma, pessoas que se dispuserem a entregar documentos sobre o período, também terão a sua identidade mantida no anonimato.
Bahia
Na Bahia, o governador Jaques Wagner ao anunciar a intenção de abertura dos arquivos do Dops estadual demonstra compromisso com o direito legítimo da sociedade brasileira em conhecer a sua história. “O momento é mais do que oportuno e significa uma grande contribuição do governo para elucidar os fatos e, dessa forma, contribuir para a formação da memória nacional sobre esse lamentável período da nossa história”, opina a vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (BA), Ana Guedes.
Enquanto o governo estadual aguarda a formulação de uma proposta conjunta da Secretaria de Justiça e da Superintendência de Direitos Humanos para tomar decisão definitiva quanto à abertura dos arquivos, a Procuradoria Geral da Bahia e o Ministério Público afirmam compromisso em requerer informações acerca dos documentos, junto aos comandos das polícias Civil e Militar; as quais, à época, eram subjugadas ao Dops. “A Bahia demorou mais do que o Brasil para derrubar a ditadura; então os algozes continuaram no poder aqui por pelos mais 20 anos. Somente agora, com a eleição do governo democrático de esquerda, representado na figura de Jaques Wagner, temos condições de discutir, de maneira mais aberta, a respeito do atraso do estado em relação a outras comarcas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, sobre tornar público os arquivos da ditadura militar”, observou a deputada federal do PCdoB, Alice Portugal.
Alice, inclusive, é autora do projeto de lei que defende a criação de um memorial em homenagem aos mortos e desaparecidos durante o regime em todo o estado. O projeto, apresentado quando ainda ocupava a cadeira de deputada estadual, segue os moldes do que já foi implantado em Pernambuco e no Paraná, e se estende, ainda, a garantias de anistia e verbas indenizatórias a pessoas que acumulam seqüelas, como a depressão, por conta das prisões, torturas e perseguições do regime, mas que não foram contempladas pela Lei de Anistia.
“A nossa torcida é para que o governador consiga, de fato, efetivar esse intento que, por si só, já é uma demonstração importantíssima de apoio à causa, e de grande efeito para a democracia baiana e brasileira”, enfatizou. “É a oportunidade de desvendar vários casos, e contribuir com quem ainda aguarda por reparação da anistia. O governo já anunciou a sua intenção; agora precisa colocar a questão como prioridade número 1 para que a democracia seja re-estabelecida de fato na Bahia”, frisou Ana Guedes.
Queima de arquivo
Em 2004, o estado figurou no noticiário nacional por conta da queima de arquivos ligados ao período da Ditadura Militar na Base Aera de Salvador. Após três laudos a respeito do caso, fruto de perícias efetivadas pelas polícias Federal e Civil da Bahia, e a PF de Brasília, o processo foi arquivado pela Justiça Militar sob a justificativa de insuficiência de provas testemunhais quanto à autoria da ação. “Esse inquérito precisa ser reaberto”, reivindica Ana. “É visível, a olho nu, que os referidos arquivos foram, sim, queimados lá. Mas a Polícia Federal, nas duas vezes em que apurou o caso, negou o fato; apesar de a Polícia Civil ter confirmado”, criticou.
Os documentos incinerados traziam datas referentes ao período de 1964 até 1994, evidenciando que a espionagem militar – operada via órgãos de informações da Aeronáutica, Marinha, Exército e outras instituições ligadas à repressão – perdurou mesmo depois da retomada do regime democrático. A denúncia, exibida em matéria do programa Fantástico, da Rede Globo, ratifica, também, a existência de arquivos da ditadura sob a guarda de órgãos do estado, desmitificando o discurso oficial, adotado durante anos, acerca de inexistência de quaisquer documentos sobre os anos de chumbo.
À época, deputados do PCdoB e PT, integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal – CDH, vieram a Base Aérea de Salvador para inspeção e apuração das denúncias, mas as provas e evidências encontradas ainda assim não foram suficientes para impedir o arquivamento do processo. A expectativa agora, diante do anúncio do governador, é de resgate histórico e esclarecimento acerca dos desmandos corriqueiros do regime militar para, quem sabe assim, honrar os que morreram defendendo a liberdade e a democracia.
“Essa atitude permite a recuperação de informações significativas que não foram destruídas”, avalia o deputado federal Daniel Almeida (PCdoB), um dos responsáveis pela auditoria da CDH na capital. “A intenção e a decisão política do governador são importantes, mas é preciso que toda a estrutura estatal e as instituições estejam voltadas para a disponibilização desses documentos. E que a Bahia possa caminhar na direção de fazer os seus devidos ajustes, a exemplo de outros estados, que reconheceram os fatos e promoveram reparações através de leis específicas e medidas indenizatórias”, defendeu.
De Salvador,
Camila Jasmin