Deputado do PDT cobra seriedade no trato com ossadas do Araguaia
O deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS) ocupou a tribuna da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (6) para cobrar das autoridades informações e agilidade no esclarecimento sobre as ossadas recolhidas na região em que ocorreu a Guerrilha do Aragu
Publicado 07/05/2009 20:42
Veja abaixo a íntegra do pronunciamento:
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, ocupo hoje esta tribuna, para trazer ao conhecimento dos colegas deputados, ao presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, demais autoridades do Poder Executivo ao Poder Judiciário, às entidades nacionais e internacionais de direitos humanos, e, em especial, aos familiares de guerrilheiros do Araguaia, à população da região e aos que sobreviveram aos conflitos, uma denúncia que, no meu entender, trata de algo inusitado, inexplicável, e, no mínimo, de um crime de vilipêndio, conforme designa o nosso Código Penal.
Antes de entrar diretamente na denúncia, quero lembrar que o meu partido comandou a única CPI até hoje instalada para tratar de “desaparecimentos políticos” no Brasil, a Comissão Parlamentar sobre Desaparecidos Políticos sepultados no Cemitério Dom Bosco, em Perus, região oeste de São Paulo. Entre 1990 e 1991, o vereador Júlio César Caligiuri, em nome do PDT, presidiu a CPI que trabalhou durante 120 dias para contribuir nos esclarecimentos sobre o período da ditadura militar.
Além da CPI, um convênio firmado entre a prefeitura paulistana, sob a administração da deputada Luiza Erundina, a Unicamp e o governo do estado colaborou para identificar desaparecidos enterrados em Perus. Na Unicamp foram identificados Denis Casimiro, Frederico Eduardo Mayr, Sonia Stuart Angel e Antonio Carlos Bicalho Lana, exumados no Dom Bosco. Num esforço dos vereadores da CPI, a comissão buscou ouvir militantes das várias organizações da luta armada urbana, torturadores, médicos legistas envolvidos com a repressão, integrantes da Polícia Civil e militares, com o ex-secretário de segurança paulista. A CPI ouviu ex-prefeitos e ex-governadores, familiares de desaparecidos, entre outras pessoas.
Ao longo dos trabalhos, a CPI dedicou-se a colaborar com esclarecimentos sobre a Guerrilha do Araguaia, já que prisioneiros eram levados da região para Brasília, São Paulo ou e vice-versa.
Sem jurisdição para busca de corpos em outro estado, a CPI entregou depoimentos à Comissão Justiça e Paz, que colheu outros depoimentos, reuniu familiares, advogados e o médico legista Fortunato Badan Palhares, então responsável por uma equipe encarregada de identificar os corpos localizados em Perus, e buscou informações para buscas de corpos no Cemitério Municipal de Xambioá, local no qual se indicava, até 1991, oito corpos de guerrilheiros ali sepultados. Hoje, sabe-se que mais guerrilheiros foram ali sepultados.
Em 1991, foram recolhidos dois corpos naquele cemitério, um deles identificado pela Unicamp como Maria Lúcia Petit, quase cinco anos depois de sua exumação. O outro corpo, indicado como o mais velho dos guerrilheiros, e que seria Francisco Chaves, permanece na USP, sem informações antropométricas.
Vale destacar, que a Comissão Justiça e Paz conseguiu permissão, alvará, para recolher João Carlos Haas Sobrinho (Juca), gaúcho de São Leopoldo, ex-presidente da UEE gaúcha e referência estudantil e política do meu estado e do Brasil. Não havia ninguém naquele momento que indicasse precisamente a sepultura de João Carlos Haas Sobrinho. Tentaram-se outras covas, nas quais havia indicação pouco precisa. Numa das exumações, a ossada de Maria Lúcia foi encontrada envolta em pára-quedas das Forças Armadas. Exumou-se um outro corpo, de um homem alto, mas sem indicação correta de tratar-se de João Carlos, foi recolocado na mesma cova, após os ossos serem envoltos em saco plástico. Hoje, por fotografia tirada durante a primeira Caravana de Familiares, coordenada pelo advogado Paulo Fonteles em 1981, vê-se o apontamento das covas de Maria Lúcia Petit e Bérgson Gurjão Farias, no Cemitério de Xambioá, cidade na qual foi instalada em 1972 a principal base militar contra a guerrilha. Já nessa viagem, Fonteles e familiares colheram diversos depoimentos sobre o sepultamento de guerrilheiros em Xambioá, inclusive de dois feitos prisioneiros, Áurea Elisa e Daniel Ribeiro Callado. Então, é de conhecimento dos moradores região o sepultamento de “desaparecidos” naquele cemitério.
Em 1996, a recém criada Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, hoje agregada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, realizou nova expedição, com a participação e antropólogos argentinos e sem a colaboração de médicos ou antropólogos brasileiros. Retirou três corpos daquele cemitério, incluindo o inumado em saco plástico em 1991, e dois restos mortais de dois homens localizados em cova comum na Reserva Indígena Suruí, no sudeste do Pará.
Naquele ano, conforme mostra o jornal O Liberal, ao retirar esse corpo, moradores do lugar apontaram aquela sepultura como a de Bérgson Gurjão Farias, o Jorge, como era chamado pelas pessoas na região, o primeiro dos guerrilheiros a tombar em 1972 após confronto com pára-quedistas.
Muito conhecido em Xambioá, porque residia numa pequena fazenda no atual município de São Geraldo, situado bem em frente a Xambioá, na localidade Caiano, junto com o médico cirurgião João Carlos (Juca), de propriedade do economista gaúcho Paulo Mendes Rodrigues, conhecidíssimo até hoje em vastas áreas da região, Bérgson, foi enterrado em público. Antes, seu corpo foi exibido pelas ruas de Xambioá em camionete dos militares. Seu corpo foi bastante espancado, após sua morte, marcas claramente identificadas na ossatura do X2. Já tinha sido espancado também durante manifestações estudantis de 1967 em Fortaleza. Foi preso durante o Congresso da UNE em Ibiúna em 1968. No Araguaia, Bérgson era um cantador, conhecidos por adultos e crianças de São Geraldo e Xambioá, cidade que freqüentou muitas vezes ao lado de Juca, companheiro de altura, de simpatia e de moradia. Hoje, a pesquisa mostra que jamais a população os confundiria.
Também não levantou dados antropométricos, entre outros, para proceder adequadamente uma identificação. A irmã de Bérgson, Tânia Farias, freqüentava a Comissão, por motivos ligados à Lei 9.140 e jamais foi avisada que um dos corpos poderia ser de seu irmão, ex-vice-presidente do DCE da Universidade Federal do Ceará, então presidido pelo atual deputado José Genoíno.
Chegou-se a pedir a transferência dos corpos, por meio de ofício à Comissão Especial, que negou. A partir de leitura da cópia do relatório forense argentino, soube-se que os corpos foram intitulados X-1, X-2 e X-3. Os restos mortais encontrados na reserva receberam a denominação, RI-II. Até aquele momento, e até 2003, quando houve a determinação da juíza Solange Salgado para os esclarecimentos da Guerrilha do Araguaia, segundo petição dos advogados Greenhalgh e Sigmaringa Seixas, de 1982, seguia-se a possibilidade de o corpo X-2 pertencer a João Carlos Haas, conforme listava Fondebrider, apesar de o relatório forense não exibir fotografias dos seis guerrilheiros apontados.
O que fez a Comissão de Mortos? Deu-se a colher sangue e material salivar de mães idosas sem acompanhamento científico adequado. Uma das representantes da Comissão abrigava o material em sua bolsa. Alguns meses depois, a Secretaria Especial de Direitos Humanos anunciou, com grande estardalhaço, a criação de um banco de dados de familiares de desaparecidos.
Mais denúncias surgiram em 2006 e em 2007. Anunciou-se, por meio da Secretaria de Direitos Humanos, a contratação do laboratório Genomic, sem informar razões para a contratação de laboratório do exterior representado no Brasil para proceder as identificações de brasileiros.
Nunca explicaram nem divulgaram o relatório forense de Fondebrider. Até o momento, não seguiram, 13 anos depois, as recomendações de levantamento de informações sobre os guerrilheiros citados.
Em 2008, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, encaminhou requerimento de minha autoria, solicitando informações sobre os restos mortais retirados da região do Araguaia e cópia de todos os laudos produzidos ao longo do tempo. Em resposta, a Comissão de Mortos e Desaparecidos encaminhou o relatório Fondebrider, de 1996, e meia dúzia de páginas que seriam os atribuídas ao laboratório Genomic. Sobre os restos mortais, a Comissão de Mortos e Desaparecidos disse que eles se encontravam sob a guarda Comissão de Direitos Humanos. Ignorou, portanto, o fato de que pairam nas dependências da Comissão de Mortos e Desaparecidos nada menos do que 10 ossaturas, apenas a metade destes estiveram, por um tempo, armazenadas na CHM e que a transferência da guarda destas foi transferida a Comissão de Mortos e Desaparecidos há bastante tempo.
Pasmem, ainda, sequer o documento encaminhado a Comissão de Direitos Humanos foi respondido pelo presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos. Na verdade, foi assinado por uma dita secretária da comissão, de nome Vera Rotta.
Nas últimas semanas, o Jornal do Brasil e a Revista Isto É anteciparam a informação de que eu ainda quando presidente da Comissão de Direitos Humanos havia solicitado um parecer ao perito Domingos Tocchetto, um dos mais renomados peritos criminalistas da América Latina, sobre as evidências que me pareciam apontar para a identificação positiva do corpo denominado X-2, esquecido em um armário da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. No mês de janeiro deste ano, encaminhei ao dr. Toccheto, o parecer do antropólogo argentino Luis Fondebrider, e levantamento de informações e documentos relativos aos guerrilheiros que tombaram naquela região entre 1972 e 1974, segundo pesquisa da jornalista Myrian Luiz Alves, biógrafa do ítalo-brasileiro Líbero Giancarlo Castiglia.
Coincidentemente, na sequência das reportagens, o Ministério da Defesa publicou, no dia 30 de abril, véspera do feriado do trabalhador, portaria determinando a formação de Comissão específica para buscas de informações e corpos de guerrilheiros e “militares” na região do Araguaia. Fica a dúvida, buscar mais corpos para quê? Para aumentar o acervo da Comissão de Mortos e Desaparecidos já existente em seus armários?
Sugiro ao governo federal cobrar justificativas da Comissão de Mortos e Desaparecidos acerca das razões de ossadas estarem guardadas num armário de escritório na sala de reunião da Comissão de Mortos e Desaparecidos desde 2003. Armário que agora guarda também corpos recolhidos por esta CDH em 2001. O ministério da Defesa e o ministério da Justiça devem cobrar explicações de porque uma comissão de leigos poderia ser responsável por identificações. Uma comissão cujos integrantes, repito, leigos, saem a colher sangue para supostos exames de DNA.
No entanto, nos últimos oito anos, dezenas de reportagens denunciaram o não procedimento para identificação de pelo menos um dos vários corpos que jazem num armário do prédio do Ministério da Justiça. Observa-se nas matérias que a comissão não responde as dúvidas com argumentos verdadeiramente científicos. Na matéria recente da Revista IstoÉ, o presidente da Comissão afirma não saber que há pelo menos 10 ossadas na sala da comissão que preside. Depois de confrontado com o equívoco veio a público o secretário adjunto da SEDH dizer que as ossadas estão em péssimo estado. Motivo mais do que absurdo para que elas não estejam em laboratório de medicina legal, abrigadas adequadamente. E não respondem sobre o corpo X-2, cujas fotos, ao serem observadas, mostram que sua identificação é mais do que viável. Também não explicam a falta de procedimentos adequados para os corpos, bem como para os restos mortais localizados na reserva, sabidamente utilizada por militares no período. Nunca levantaram informações, fotografias, relatórios hoje conhecidos por pesquisadores que relatam data de morte, combates e prisões.
Hoje, torno público as conclusões do parecer do perito Domingos Tocchetto, que aponta “a existência de possibilidade técnica e científica de se identificar a pessoa a quem corresponde o esqueleto denominado X-2, e se essa pessoa é Bergson Gurjão de Farias, através de um laudo pericial”. Ainda segundo o Dr. Toccheto, esse trabalho deve ser realizado por equipe de peritos especializados dentro de suas respectivas áreas de atuação. Ele, inclusive, sugere nomes de reconhecido conhecimento científico e capacidade profissional e de laboratório, para a realização deste trabalho.
E aqui, senhor presidente, cabe um comentário importante. Brasileiros e estrangeiros morrem todos os dias em nosso país nas mais variadas circunstâncias, como acidentes e crimes, e são identificados por nossos institutos e laboratórios. Nossos peritos têm reconhecimento nacional e internacional, chamados muitas vezes para contribuir em casos ocorridos no exterior. Já vi reportagens em que integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos dizem que os familiares não confiam em peritos brasileiros.
Ora, as várias identificações até aqui realizadas não sofreram questionamentos por parte de familiares ou da sociedade em geral.
Concluo senhor presidente, solicitando ao presidente da República a imediata transferência dos restos mortais recolhidos na região do Araguaia para ambiente adequado, bem como a imediata análise física do corpo X-2, com o chamamento de familiares, em especial dos de Bérgson Gurjão Farias, de companheiros seus do Ceará e da região da guerrilha, testemunhas que são de seus detalhes físicos, como o braço fraturado, entre outros, tão bem referidos pelo perito Domingos Tocchetto em seu relatório. Requeiro ainda a apuração, por parte do Ministério Público e do Judiciário, responsável pela sentença da juíza Solange Salgado, das razões que levaram a esse descaso com a vida de nossos conterrâneos, com a dor de seus familiares e amigos, com a história ocorrida em território que abrange três estados do país, com as seqüelas vividas pela população, com a memória guardada por seus moradores que, embora tenham vivido o terror das trevas durante mais de quatro anos, e as seqüelas de sofrimento por mais de três décadas, nunca se esquivaram de narrar a amizade e a convivência com a quase totalidade dos guerrilheiros.
Um desses guerrilheiros é Bérgson, o Jorge, chefe do grupo Esperancinha do destacamento C, liderado por Paulo Rodrigues.
Sua mãe, Luiza, aos 94 anos, vive em Fortaleza. Em nome dela, de outras mães, parentes e amigos que há mais de trinta anos aguardam notícias oficiais sobre seus entes queridos, peço a imediata análise, em local conhecido, por peritos respeitados, e com acompanhamento da sociedade.
Para a agilização dessas ações, sugiro as indicações constantes neste parecer que tenho em mãos, com o acréscimo da participação de peritos da Universidade Federal do Ceará, onde Bérgson estudou química e foi popular à sua época, do Dr. Simão, do IML cearense, do Dr. Jorge, chefe do Centro cirúrgico Dr. João Carlos Haas Sobrinho, do Hospital Municipal de Porto Franco-MA (primeiros médicos legistas a colaborarem com a avaliação dos documentos relativos ao corpo X2) e da Universidade Federal do Tocantins, estado da cidade de Xambioá.
O Brasil tem que resgatar esta dívida com a história. E mais, dívida com as famílias, pois, estamos falando de seres humanos, guerrilheiros, civis da região.
Estamos tratando, presidente, nobres deputados, de direitos humanos, de resgate da verdade e da história. É uma questão de dignidade.