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Keynes salva os monetaristas

Nesta guerra, o trabalho e o consumo pagarão, novamente, a conta. A recente crise econômica, iniciada pela derrocada do setor monetário e, em seguida, do bancário, já está disseminada, também, na economia real, isto é, na área onde realiza-se a verdadeira produção.

Por Laura Britt, no Monitor Mercantil

O trabalho e a consequente produção de produtos e serviços apresenta-se como a primeira vítima deste – sem precedentes – esbanjamento de recursos, realizado por intermédio dos mecanismos monetário-creditícios nesta e na década anterior.

E apesar de o trabalho ter sido vitimado no período do florescimento econômico e era o elo fraco nas ameaças do capital para investimentos imigrar em países de custo inferior, o pedido da "punição do trabalho" retorna mais agudo e agora em período de queda econômica. O paradoxo econômico de culpar o trabalho por tudo é o atual "produto da intellgentsia" dos monetaristas do século XXI.

A conhecida crise econômica da década de 1970, denominada "crise de estagflação", resultou em predomínio de uma revisão econômica denominada monetarismo. Em linhas gerais, o monetarismo surgiu como reação à teoria keynesiana e ao ideário que esta representava que, em período de queda, o Estado deverá gastar consideráveis capitais em investimentos e obras públicas com objetivo de, por intermédio do trabalho e do aumento de ocupação de um modo geral, fluir dinheiro no mercado, tonificando a atividade econômica.

Quer dizer, a teoria keynesiana havia voltado sua atenção, exclusivamente, no aumento do consumo, que foi denominado "demanda ativa", porque o aumento de demanda de produtos e serviços tonificaria a oferta, isto é, a produção, quer dizer, a ocupação.

Estabilidade dos preços

Entretanto, na década e 1970, a dupla crise do petróleo levou a economia mundial a queda. Resultado desta queda foi que os Estados gastaram os valiosos recursos dos contribuintes em investimentos públicos e aumentos salariais, os quais, contudo, se traduziam em elevada inflação e desemprego.

Neste novo ambiente agarraram a oportunidade aproximações teóricas sustentando que o Estado deve voltar sua atenção, exclusivamente, para a garantia da estabilidade dos preços e não na tonificação da ocupação. Esta revisão sustentava que o maior problema das economias atuais localiza-se na elevada inflação, a qual desencoraja o empreendedorismo.

A revisão do monetarismo, a qual é carregada ideologicamente e pertence ao campo teórico conservador, tornou-se a "Carta de Constituição" do Banco Central Europeu (BCE), o qual fixou como seu objetivo único garantir a estabilidade dos preços e não a redução do desemprego.

Após mais de três décadas de predomínio deste modelo econômico, pode-se sustentar hoje que fracassou em todos os seus parâmetros fundamentais. Esta constatação já constitui lugar-comum até, inclusive, entre as fileiras dos monetaristas, os quais, gradualmente, retornam às percepções keynesianas, no que diz respeito ao gerenciamento da crise atual.

Em linhas gerais, já se tornou perceptível que a garantia da estabilidade dos preços não poderá se obtida punindo o trabalho, enquanto, simultaneamente, predomina o fetiche do livre mercado.

A teoria do monetarismo, da regulação do volume de dinheiro em um mercado, propõe, em períodos de elevada inflação, isto é, em períodos quando o poder aquisitivo do trabalhador é atingido pela alta dos preços e pela redução do rendimento disponível, para assim ser reduzida a demanda, isto é, o consumo, e por intermédio deste se conter os preços. Propõe-se assim uma punição sui generis daquele que não é responsável, a fim de ser punido aquele que é responsável.

Banco intermediário

Parece, contudo, que hoje já se tornou compreensível que uma tal perspectiva – a redução do poder aquisitivo do trabalhador – teria consequências catastróficas para o mercado. Os próprios monetaristas mostram estar abandonando – aos poucos – suas posições diante da nova realidade que está se conformando.

Mas o paradoxo é que, enquanto na teoria keynesiana a "demanda ativa" realiza-se por intermédio do Estado, diretamente – o Estado gasta para obras públicas, aumentos salariais e, ajuda aos desempregados – hoje, a "demanda ativa" é intermediada pelos bancos, a fim de ser incluída em todo o processo, também, a taxa de juros, o lucro do banco.

O Estado não gasta mais em investimentos públicos e, ao invés de aumentar os salários e ajudar aos desempregados, quer dizer, garantir um crescente nível de demanda de produtos e serviços no mercado, insta os bancos para que emprestem mais dinheiro hipotecando por intermédio de seu lucro (taxa de juros) o poder aquisitivo de amanhã dos consumidores.

E se nesta aproximação teórica forem somadas, também, certas parafonias atuais sobre a redução da carga horária de trabalho, parece que os defensores destas percepções comportam-se como aprendizes de feiticeiros, recusando-se a sair de suas amarras ideológicas.

Mas a crise econômica não calcula ideologias e interesses. Produz, simplesmente, vítimas e parece que nesta guerra o trabalho e o consumo reduzido pagarão, novamente, a pesada conta.