Senado em xeque
Entrevista com Renato Rabelo sobre a crise no senado brasileiro publicada na revista Caros Amigos.
Publicado 08/09/2009 14:40 | Editado 04/03/2020 16:51

Por Tatiana Merlino
O Senado é necessário? Quais são as origens da crise da chamada Câmara Alta do legislativo? A Caros Amigos ouviu a opinião de oito personalidades para saber o que eles pensam sobre o tema que ganhou as páginas dos jornais nos últimos meses. João Pedro Stedile, dirigente nacional do MST, e José Dirceu de Oliveira e Silva, ex ministro da Casa Civil, já falaram ao especial Senado em Xeque (veja na sessão Só no Site). Confira agora, como o presidente nacional do PC do B, Renato Rabelo, vê a questão. Na quarta-feira, 09, é a vez do secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar. Na sequência, o coordenador da Pastoral Operária, Waldemar Rossi, o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, o sociólogo Francisco de Oliveira e o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos.
Caros Amigos – Quais as origens da crise no Senado?
Renato Rabelo – Desde a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, o Senado Federal é a área do legislativo brasileiro com maior dificuldade de se estabelecer num campo sólido de apoio ao novo ciclo político que se inaugurou. De lá até hoje, a casa que deveria ser a instância revisora e de garantia do equilíbrio federativo, passou a ser palco de grandes disputas das correntes políticas, inclusive assumindo iniciativas legislativas tentando concorrer com a Câmara dos Deputados. Historicamente, o Senado foi adotado no Brasil tomando-se como referência o modelo francês. Na origem do sistema legislativo da França – consagrado na Constituição de 1799, o Senado era chamado de Poder Conservador, para deixar bem claro que o período revolucionário havia terminado. Em nossa primeira Constituição de 1824, os eleitores escolhiam uma lista tríplice de três senadores, que eram escolhidos no final pelo imperador. O mandato, então, era vitalício, ou seja, a casa era reservada para as oligarquias do Brasil. Em 1891 o sistema do Senado da República foi “adaptado” ao esquema utilizado nos Estados Unidos, com eleição dos senadores como representantes dos Estados e a compreensão de que o Senado seria a Câmara revisora. Na verdade, o Senado ficou refém de poderosas forças oligárquicas estaduais, que somente há pouco tempo pôde ser acessado por uma parcela ainda pequena de forças mais democráticas e populares.
Caros Amigos – Por que o Sarney não serve mais para setores da direita que hoje fazem campanha para sua saída?
Renato Rabelo – A direita brasileira associada à grande mídia monopolista tem como objetivo quebrar o ciclo democrático e popular que foi iniciado com a eleição de Lula. Para isso escolheu o Senado como frente preferencial de luta. Ali é onde o governo tinha maiores dificuldades de articular sua base de apoio. No caso, um dos maiores aliados de Lula era justamente o senador José Sarney, ex-presidente da República, homem que trabalhou no sentido democrático no período de transição da ditadura militar para o restabelecimento da democracia em nosso país. Legalizou os partidos políticos que estavam alijados da cena institucional, valorizou entidades nacionais como a UNE e as Centrais sindicais, convocou a Constituinte e defendeu a Petrobras do processo de privatização, entre outras questões. Foi assim que as forças conservadoras passaram a colocar Sarney no alvo de ataque.
Caros Amigos – Por que o PT e o próprio presidente Lula defenderam Sarney?
Renato Rabelo – Justamente pelos motivos acima descritos, com a perspectiva de manter a aliança estabelecida com o PMDB que permitem a governabilidade da atual etapa do processo político em nosso país. Os partidos da direita – como o PSDB e o Democratas – tudo fazem para desestabilizar o Governo e atacar Lula, que mantém altos índices de popularidade, como nunca se viu na história brasileira em final de segundo mandato.
Caros Amigos – O sistema de representação precisa ser alterado?
Renato Rabelo – Sem dúvida, o sistema brasileiro de representação política precisa avançar e muito. É por isso que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) defende uma reforma política que democratize o sistema eleitoral e partidário, adotando-se fundamentalmente dois mecanismos – o financiamento público das campanhas e o sistema de listas pré-ordenadas pelos partidos para a composição das casas legislativas. Outras tantas medidas serão necessárias neste rumo, mas a partir destas duas iniciativas o sistema poderia mudar para melhor, no sentido mais democrático, porque fortalece o sistema partidário.
Caros Amigos – Há setores da sociedade que defendem a extinção do Senado, o que acha disso?
Renato Rabelo – Essa pode ser uma proposta que deveria ser levantada numa constituinte eleita para promover as reformas que o país tanto precisa. Mas deveria ser estudada a questão dentro de uma reformulação global do sistema político, eleitoral e partidário brasileiro, onde deveriam ser analisadas, por exemplo, as experiências presidencialistas e parlamentaristas em nossa história. O nosso país já teve sete constituições e sistemas políticos diferenciados: foi uma monarquia parlamentarista (como a Inglaterra) de 1824 a 1889; foi uma República presidencialista de 1891 a 1961; foi uma República semi-presidencialista de 1961 a 1963; foi novamente reposta uma República presidencialista de 1963 até nossos dias; o Brasil já adotou quatro sistemas eleitorais diferentes e seis sistemas de partidos políticos distintos. Apesar de todas as instabilidades, as eleições se firmaram como o principal mecanismo de acomodação, competição e contestação durante os últimos 180 anos de vida política. Até durante o regime militar, de 1964 a 1984 as eleições foram restringidas, mas não totalmente eliminadas. A exceção mesmo foi durante o Estado Novo, de 1937 a 1945, quando as eleições foram proibidas e os comunistas, por exemplo, viveram na mais dura e severa clandestinidade. A visão do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) é de que o sistema de representação parlamentar deve ser unicameral.