Conservadores combatem educação no campo
Especialistas afirmam que os setores mais conservadores do Estado travam o desenvolvimento da educação no campo. MST denuncia que enfraquecimento de programas é parte de estratégia de criminalização dos movimentos sociais, e Contag afirma que o debate é ideológico.
Publicado 11/09/2009 19:50

A coordenadora de Educação no Campo e Cidadania do Incra, Clarice dos Santos, sustentou nesta terça-feira, em debate na Câmara, que o Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária (Pronera) passa por um enfraquecimento devido às pressões das "parcelas mais conservadoras do Estado". Segundo ela, ações civis públicas e questionamentos dos órgãos de controle das finanças públicas dificultam as parcerias com universidades para a execução das atividades do programa.
Como exemplo, o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) apontou a queda da execução orçamentária do Pronera nos últimos anos. De acordo com ele, em 2007 foram gastos 58% dos R$ 35 milhões previstos; em 2008, foram executados apenas 12% de R$ 71 milhões previstos. Já em 2009, só foram usados 11,8% de R$ 70 milhões.
Na avaliação do deputado, isso "muito provavelmente" ocorreu "por causa de acórdãos doTCU que alegam falta de base jurídica para a execução dos convênios no âmbito do Pronera". Santiago propôs a realização da audiência pública sobre esse tema na Comissão de Educação e Cultura.
Clarice disse que todos os cursos do programa são executados por meio de convênios, principalmente com universidades públicas. "Se não houvesse esses problemas jurídicos, poderiam ser iniciados cerca de 30 novos projetos ainda neste ano", afirmou.
Balanço
Criado em 1998, o Pronera já atendeu mais de 500 mil pessoas, principalmente em atividades de alfabetização. Hoje são beneficiados cerca de 18 mil estudantes. Como resultado, Clarice destaca que, enquanto o analfabetismo no campo chega próximo a 29%, nos assentamentos da reforma agrária o índice é de 23%.
O Pronera foi instituído por portaria ministerial, o que, para os participantes da audiência, é um dos motivos pelos quais sofre tantos questionamentos legais. "O nosso grande desafio é consolidar e legalizar tudo o que foi realizado, para que isso se insira na legalidade do Estado", ressaltou a coordenadora.
Estratégia
O representante do MST na audiência, Camilo Silva, formado em uma das escolas do Pronera, argumentou que o enfraquecimento desse projeto educacional faz parte de uma "estratégia orquestrada de criminalização dos movimentos sociais". Segundo ele, a partir de 1997, "quando os movimentos tiveram conquistas além da posse da terra", mudou a estratégia de combate das organizações sociais. "Antes usavam a repressão, os assassinatos, a destruição física. A partir daí, foi deflagrada uma campanha de demonização das organização sociais, especialmente do MST", alegou.
Camilo Silva disse que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, de 2002, ajudou a consolidar esse processo. Na opinião dele, embora tenha sido criada para apurar a reforma agrária, a CPMI "virou instrumento de perseguição aos movimentos sociais". De acordo com Silva, "as forças conservadoras" perceberam que as conquistas não eram só na posse da terra, mas em educação, saúde e formação política. "Se fosse só por um pedacinho de terra, tudo bem. Agora, um camponês querer estudar, aí já é demais", ironizou.
O deputado Carlos Abicalil (PT-MT) também falou sobre o que chama de "regressão" nos avanços conquistados principalmente na Constituição de 1988 e na primeira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Ele atribuiu esse processo "especialmente às investidas de algumas ferramentas do Estado". Segundo o parlamentar, os sucessivos procedimentos do TCU, sob o pretexto de zelar pela transparência, prejudicam a tentativa de "trazer para o universo do direito aqueles que ainda não têm direito nenhum".
Como exemplo da atuação do TCU, Clarice dos Santos disse que o tribunal questionou a oferta de cursos superiores a trabalhadores do campo. No âmbito do Pronera são oferecidos cursos como Direito, Veterinária, Agronomia e algumas licenciaturas.
Para a coordenadora nacional de Educação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Eliene Rocha, essa ação do TCU faz parte de uma concepção de educação no campo não como direito, mas como privilégio. O grande desafio, segundo ela, é lutar por um ensino integrado a uma nova concepção de desenvolvimento para o País. "O embate não é só econômico, mas ideológico, de uma nova cultura de desenvolvimento", argumentou.
Fonte: Agência Câmara