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Livro conta a saga da Ubes e do movimento secundarista no Brasil

O lançamento de um livro sobre a história da Ubes marcou a abertura do 38º Congresso da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, nesta quinta-feira (10), em Belo Horizonte (MG). Em 324 páginas, Ubes, Uma Rebeldia Consequente — A História do Movimento Estudantil Secundarista do Brasil conta a trajetória da mais representativa entidade brasileira, desde sua fundação, em 21 de julho de 1948, até os dias de hoje.

Ubes livro

Dividido em 16 capítulos e escrito a quatro mãos, o livro tem como autores o jornalista André Cintra, do Vermelho, e a estudante de história Raisa Marques, ex-dirigente da Ubes. Raisa foi responsável também por um trabalho de pesquisa de quase dois anos que deu origem à publicação. “O livro vai fazer com que a Ubes e o movimento estudantil sejam ainda mais respeitados e valorizados”, declarou a autora ao site Estudantenet.

A apresentação é assinada pelo presidente da entidade, Ismael Cardoso, que exalta a trajetória da Ubes. “Não é qualquer entidade que, em pouco mais de 60 anos, consegue superar tantas adversidades e ostentar um retrospecto tão coerente, repleto de conquistas e marcos”.

Confira abaixo a íntegra da apresentação de Ubes, Uma Rebeldia Consequente.

Uma história que merece (e precisa) ser contada

Numa de suas crônicas mais famosas, o escritor uruguaio Eduardo Galeano relata que, em Chicago, não encontrou referência alguma ao massacre de operários que deu origem ao Dia Internacional do Trabalhador. Ainda que “o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira” seja justamente 1º de Maio, “não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade de Chicago. Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada”. A crônica termina com um provérbio africano: “Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador”.

A UBES não apenas compartilha do protesto de Galeano como também se lançou a um desafio: passar a limpo sua trajetória de lutas — a história viva dos secundaristas brasileiros. Afinal de contas, não é qualquer entidade que, em pouco mais de 60 anos, consegue superar tantas adversidades e ostentar um retrospecto tão coerente, repleto de conquistas e marcos. Fundada em 1948 com o nome de União Nacional dos Estudantes Secundários (UNES), liderou de cara lutas como a campanha “O Petróleo É Nosso”. No calor da Greve dos Bondes de 1956, superou divisões internas e se forjou como uma entidade de orientação progressista.

As décadas de 1960-70 foram as mais duras. Da Campanha da Legalidade em 1961 aos “anos de chumbo” do regime militar (1964-1985), o movimento estudantil foi alvo de uma perseguição permanente e cruel. A sede histórica das entidades, na Praia do Flamengo, foi metralhada, incendiada, depredada e, por fim, usurpada. Por desafiarem uma ditadura impopular e reacionária, jovens estudantes — alguns de apenas 15 anos — foram presos, expulsos de suas escolas ou universidades, submetidos à tortura e mortos. Suas famílias, invariavelmente, eram violentadas também.

Foi por causa desse regime criminoso que uma geração inteira de estudantes cresceu num Brasil sem entidades estudantis nem democracia — mas com censura, repressão e outras ilegalidades. A UBES, clandestina desde 1964, ainda realizou congressos, encontros e manifestações até 1971 — até que a mão pesada de um regime à margem da lei usasse a força e tornasse a entidade inativa por dez anos. Nesse período, várias ex-lideranças secundaristas deram a vida contra o regime, como Antonio Ribas, que foi morto e decepado na Guerrilha do Araguaia. Mais que secundaristas e universitários, mais do que líderes estudantis, esses jovens já foram reconhecidos pelo Estado como “heróis do povo brasileiro”.

Quando ocorreu, em 1981, o Congresso de Reconstrução da UBES, a ditadura já não tinha mais condições de deter o espírito aguerrido, pulsante e irreverente dos secundaristas. A UBES reafirmou a vocação do movimento estudantil de “brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno”, fazendo jus aos versos de Vladimir Maiakóvski.

A UBES, de tantas causas em favor dos secundaristas, jamais deixou de ser também um protagonista político do Brasil. Foi intransigente na defesa dos direitos dos estudantes e da educação de qualidade — mas tampouco se furtou a mobilizar os estudantes para as grandes lutas nacionais. Sempre ao lado do povo e da democracia, os secundaristas se fizeram presentes — quando não majoritários — no Comício da Central (1964), nas passeatas e protestos do inesquecível 1968, na campanha pelas Diretas Já (1984) e pelo Fora Collor (1992), entre outras lutas memoráveis.

Nos momentos de instabilidade e ascensão golpista, a UBES foi às ruas e lutou pela legalidade. Por um lado, não alcançou a vitória decisiva ao apoiar o presidente João Goulart contra as elites nos anos 60. Por outro, somou-se às entidades da CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais) que, em 2005, desafiaram a escalada conservadora e rechaçaram o golpe para derrubar o governo Lula. Quando perdeu e quando ganhou, a UBES manteve a coerência e não cedeu às tentações destiladas pelos inimigos da pátria.

Não é à toa que Antônio Houaiss, numa das apresentações de O Poder Jovem, de Artur José Poerner, resume o posicionamento dos estudantes e de suas entidades a um único dilema: “Ou me realizo com o meu povo, ou me realizo contra o meu povo. Ou me identifico com o destino do meu povo, com ele sofrendo a mesma luta, até sairmos todos vencedores, luta em que muitos sofrimentos e dor haveremos de juntos de sofrer; ou me dissocio do destino do meu povo, juntando-me (como aliado, preposto, lacaio, servidor, títere, fantoche ou joguete) aos que exploram esse povo”.

A UBES pode se orgulhar de ter caminhado, desde o começo, sob a inspiração dos interesses nacionais e populares. Com mais de 60 anos, a entidade maior dos secundaristas brasileiros é uma jovem sexagenária, uma obra em constante progresso, engajada nas batalhas por um Brasil justo e soberano, edificado na educação e na cultura, no trabalho e no esporte. As lutas — e as caçadas — continuam. Centenas de outras páginas ainda hão de ser vividas e então narradas por seus mais legítimos representantes.

Que todos os atuais e antigos estudantes secundaristas não tenham dúvida de que, desde 1948, a história do Brasil é um pouco nossa também. Não a história oficial, duvidosa e hipócrita, contada por “caçadores”, oportunistas, espoliadores da pátria. Somos parte ativa de uma história que precisa ser contada por quem de fato esteve nas lutas, foi às ruas e caminhou do lado certo. É o que este livro pretende.
 


Ismael Cardoso, presidente da UBES (2007-2009)