Prédio do Butantan não tinha sistema anti-incêndio

O incêndio ocorrido neste sábado pela manhã no Instituto Butantan, na zona oeste de São Paulo, destruiu grande parte da maior coleção de cobras do mundo. O acervo era ligado ao governo do estado de São Paulo, ou seja, patrimônio público de inestimável valor científico, literalmente torrado devido à falta de investimento das sucessivas administrações tucanas em SP.

O prédio do Instituto Butantan que pegou fogo no sábado (15), onde ficavam os acervos de serpentes e artrópodes em formol e álcool, não tinha sistema automático de combate a incêndio. Projetado nos anos 1960, contava apenas com extintores, que deveriam ser acionados manualmente.

Em dezembro, um grupo de curadores encaminhou à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) um projeto de melhorias estruturais e administrativas nos acervos do Butantan orçado em cerca de R$ 1 milhão.

Um dos pontos destacados era a necessidade de instalação de sistemas de detecção de fumaça e combate automático a incêndio. Assim que o calor e a fumaça fossem detectados, um alarme seria disparado e gás seria liberado para apagar o fogo.

No sábado, o incêndio começou às 7h45. Não havia ninguém no prédio para acionar os extintores e grande parte do acervo foi destruída –o local abrigava a maior coleção de cobras do mundo. A Fapesp não se pronunciou. O acervo queimado guardava cerca de 80 mil serpentes e 500 mil artrópodes, como aranhas e escorpiões. Os animais eram conservados em vidros com formol.

Um dia após o evento, o clima ontem entre os funcionários do Butantan era de desolação e indignação. "É uma tragédia da proporção do incêndio da biblioteca de Alexandria", disse o curador da coleção de serpentes, Francisco Luís Franco.

Quando o prédio interditado for liberado para os funcionários, ele pretende fazer um levantamento mais exato da perda. "Só a coleção de serpentes tinha 85 mil exemplares. É possível que alguns não tenham sido queimados. Vamos fazer esse resgate."

Solidariedade

Para esse trabalho, Franco vai contar com cientistas que viajaram de outros Estados para ajudar na reorganização dos acervos. É o caso do biólogo da UFRJ Paulo Passos, que veio do Rio logo que teve a notícia.

"Vim com um grupo de pesquisadores para tentar ajudar. Ficamos chocados com a notícia", disse Passos.

Entre os funcionários, a hipótese que se discute sobre a causa do incêndio é uma obra no gerador do prédio. O equipamento teria sido desligado para revisão e, ao ser ligado novamente, teria sobrecarregado a rede elétrica e provocado um curto-circuito.

Em meio à grande quantidade de álcool no local, uma mera faísca pode ter provocado o estrago. "Temos que usar essa tragédia como bandeira para convencer a sociedade a estabelecer políticas de preservação dos acervos", disse Franco.


Consequências imediatas

As coleções de cobras e artrópodes perdidas no incêndio –o maior acervo do tipo no mundo– eram usadas em pesquisas científicas e ajudavam a estabelecer critérios para políticas de saúde. Decisões como o tipo de soro enviado para cada Estado eram tomadas levando em conta informações obtidas ali.

"Pesquisadores que estavam fazendo mestrado ou doutorado perderam o trabalho de anos com isso", disse o biólogo Rodrigo Gonzalez, 29, bolsista da Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo). 

A Polícia Civil decidirá se instaura inquérito para investigar o incêndio. O laudo pericial só deve ser divulgado daqui a um mês.

Segundo Otávio Mercadante, diretor do Butantan, é provável que espécies únicas tenham sido perdidas. "É uma perda incalculável, pois esses animais não têm valor estimado", afirmou.

Giuseppe Porto, diretor do Museu Biológico, disse que esse acervo de exemplares únicos "é uma série pequena, porém, importantíssima".

O local guardava exemplares coletados há mais de cem anos, na época do médico e pesquisador Vital Brazil, o fundador do Butantan.

Da redação, com informações