Presidente da UJS-BA retoma debate sobre a luta política atual

Os encontros dos militantes do PCdoB, nas conferências municipais e estaduais, e no Congresso Nacional, que esse ano acontece em São Paulo, entre os dias 14 e 16 de novembro, são marcados por debates acerca das formulações e programa do Partido. Na última Conferência Estadual do PCdoB-BA, realizada nos dias 5 e 6 de outubro, em Salvador, não foi diferente.

Entre os temas debatidos, está a centralidade institucional-eleitoral do Partido e foi sobre isso que, com o objetivo de ampliar e aprofundar a discussão, escreveu o presidente da UJS-BA, Vladimir Meira, no artigo intitulado “Em defesa do embate central”. Confira o texto na íntegra:

Em defesa do embate central
Vladimir Meira*

Motivado pelo bom debate sugerido pelo camarada de partido e da executiva estadual da UJS na Bahia, Caio Botelho (Cf. Tribuna de Debates, 14/10/2013), resolvi também compartilhar uma opinião. Nos processos congressuais do PCdoB, geralmente me contemplo pela maioria das formulações sugeridas pelo Comitê Central e, algumas vezes, pelas contribuições dadas por militantes de todo o país.

Esse ano não foi diferente. Participei de reuniões de Organismos de Base, acompanhei debates estimulantes, outros nem tanto. Mas continuo instigado com a capacidade do partido de mobilizar sua extensa e valiosa militância no período congressual – de renovação de seu coletivo dirigente – para ter como central (já que estamos falando em centralidade) o debate político sobre suas formulações e seu programa. Apareço um pouco atrasado a dar uma contribuição (dia 15/10 foi o último para participar da Tribuna de Debates); mesmo assim, resolvi compartilhar essa opinião, e aceitar a sugestão do diálogo sobre o tema da “Centralidade Institucional-eleitoral”, como muitos vêm dando ênfase.

Preâmbulos justificativos

Em primeiro lugar gostaria de sugerir que não acredito haver dicotomia, ou até, “desequilíbrio”, na formulação apresentada no caderno de teses ao 13º congresso, por parte do Comitê Central. E é em virtude desse entendimento que resolvi entrar no debate.

Segundo, creio que a preocupação que norteia alguns dos nossos camaradas frente a essa discussão é justa, já que precisamos combater o rebaixamento do papel do partido em qualquer de suas instâncias de atuação. Outros não são motivados por essa preocupação, e reproduzem de maneira acrítica o preconceito e as rotulações acerca do ambiente político-institucional, ou parlamentar.

Alguns crêem, inclusive, serem os sindicatos esferas autônomas e “blindadas” dos vícios da “institucionalidade burguesa”, e se esquecem que esse instrumento da luta dos trabalhadores é parte fundamental da própria “democracia burguesa”. No caso do Brasil, até mais, pois é uma das inúmeras instituições que compõem o aparato burocrático-corporativo do Estado. Mesmo avançado e combativo, o sindicato é instituição do Estado.

O equilíbrio das frentes de atuação

O que tem motivado algumas críticas à centralidade da luta institucional do PCdoB na atualidade é o suposto desequilíbrio que isso pode representar para a militância, no processo de “acúmulo de forças” do partido. Conceito caro à militância comunista, tendo em vista, principalmente, a débâcle do socialismo no leste europeu e na URSS, o acúmulo estratégico de forças tem relação com o protagonismo das forças avançadas das sociedades no intuito de liderar um processo de rupturas e transformações mais radicais, e construir o socialismo. Depois do colapso daquela experiência, toda vitória e pequenos avanços dos comunistas, cumpririam papel nesse acúmulo estratégico de forças.

Isso é importante, tendo em vista os inúmeros preconceitos que ainda permeiam o imaginário do povo brasileiro a respeito do “comunismo”, fazendo com que nossa identidade muitas vezes fique sombreada, em segundo plano – já que boa parte do que se divulgou sobre o comunismo, principalmente no contexto da Guerra Fria, tinha o claro objetivo de deslegitimar a validade de nossa ideologia, e até de fazer “terrorismo” com a subjetividade cultural de boa parte da população, sobretudo a religiosa. Jandira Feghali, e a militância comunista do Rio de Janeiro, sentiram isso na pele, quando da campanha eleitoral para a prefeitura do Rio em 2008, com nossa combativa camarada, então candidata, sendo alvo das mais absurdas e medievais manifestações de preconceito.

Nas décadas de 30 e 40, no Brasil, a luta no movimento sindical era central e atingia amplas massas da população, pela ebulição causada pelas iniciativas do Governo autoritário de Vargas – inclusive, a de dar suporte estrutural aos sindicatos. Corretamente, os comunistas – perseguidos e torturados por esse mesmo governo – resolveram defender esse importante legado. Essa atuação de massas, e o enorme prestígio popular de Prestes, fez com que o Partido Comunista do Brasil fosse um dos mais votados nas primeiras eleições após o Estado Novo – sendo o próprio Prestes, o mais bem votado Senador da República. Isso fez com que os esforços do partido se concentrassem em defender, no parlamento, as plataformas mais avançadas para a sociedade naquele momento, como a própria lei da Liberdade Religiosa, defendida pelo baiano Jorge Amado, então deputado comunista.

Caindo na ilegalidade, a centralidade do partido passa a se focar para a luta de massas. Liderar entidades como a UNE e organizações sindicais, seria central para atingir amplas parcelas da população e atraí-las para o desafio da transformação revolucionária da sociedade. Esse longo período de clandestinidade durou até 1985, quando da legalização do Partido Comunista do Brasil – nessa época, já uma importante força política à frente de sindicatos, movimentos de luta pela terra e reforma agrária e, principalmente, da UNE. Essa experiência acumulada é – e continua sendo – importante, pois temperou a formação de valorosos quadros que lideraram, e ainda lideram nosso partido; além de ter temperado a própria identidade do PCdoB.

Com quase 30 anos de legalidade a pergunta que se faz é a seguinte: como se tornar, de fato, uma combativa organização política de massas – influente nas massas? Não é segredo para ninguém o fato de que, mesmo forte, combativo, influente na esquerda e nos movimentos sociais, o nosso partido ainda tem limitações de tamanho e presença na institucionalidade política e no parlamento. E partido político, mesmo o nosso, com toda a tradição e história que carrega, precisa se dispor à disputa do poder. Isso não pode ser encarado como “risco de degeneração” da identidade do Partido Comunista; precisa ser encarado como um desafio coerente, de uma organização revolucionária do mundo real, onde pulsa a vida de milhões e milhões de brasileiros.

Para a população, no geral, partido político é enxergado apenas em épocas de eleição. Contra a nossa vontade, é preciso que se diga, pois defendemos outra forma de fazer política, e gostaríamos que a população estivesse mais empenhada em conhecer e participar da vida política para além das batalhas eleitorais. Mas, se isto é verdade, também é verdade que o central para nosso partido deve ser esse ambiente, essa disputa.

Não se atinge amplas massas da população, atraindo-as para as fileiras partidárias, apenas através da atuação dos movimentos sociais. As massas, inclusive, muitas vezes, não gostam das atividades e manifestações que paralisam suas atividades cotidianas. Querem que o Estado e a política entrem para resolver seus problemas; querem pagar suas contas, se divertir e botar comida na mesa. As massas, no geral, não estão à disposição para fazer "luta de massas".

Isso quer dizer que esta é uma mentalidade avançada? Óbvio que não. Mas quer dizer que precisamos chegar até estas massas, viver esse cotidiano das massas. Por isso o partido está afirmando que a centralidade da luta política da realidade concreta atual é a luta na frente institucional e eleitoral. Porque através dela se atinge – politicamente – estas "massas". Através dela, inclusive, pode-se reforçar, também, a trincheira dos movimentos sociais; estes precisam fazer a "roda girar", a luta avançar. Fortalecer a presença e força institucional e eleitoral do partido significa dar mais condições para que o movimento de "massas" possa pressionar a institucionalidade, pois esta convive com limites latentes, que bloqueiam o fortalecimento da própria luta social.

Chegamos a um momento limite de nossa atuação. Ou lutamos para dar mais grandiosidade e capilaridade social ao nosso combativo PCdoB, ou estaremos depositando quase toda nossa energia e esforço apenas no fortalecimento dos movimentos sociais – que precisam de fato de mais força e protagonismo. Considero que o equilíbrio de que precisa a formulação do nosso partido é justamente o de dedicar mais peso e centralidade à luta institucional-eleitoral – e envolver toda a sua combativa, heróica e abnegada militância nesse objetivo.

A sugestão dos governos de Chávez e do chavismo como referência
A experiência venezuelana do último período é também importante nesse debate. O povo venezuelano tem ido às ruas desde inícios do governo de Hugo Chávez, e isso é fato. Porém, o fenômeno de massas do chavismo, não pressupõe uma capacidade organizativa dessas massas anterior ao governo, mesmo que se reconheça o protagonismo e a força dos movimentos sociais venezuelanos – e estes têm ampla participação nos rumos do país, na atualidade.

E é preciso perguntar: como foi que Chávez chegou ao poder? Pelo acúmulo das lutas dos movimentos sociais apenas? Pela pressão do “povo organizado"? Chávez não chegou fácil. Primeiro conspirou e tentou um golpe de estado, militar que era. Depois se lançou pela via Eleitoral, e, numa aliança de esquerda e centro-esquerda, chegou à presidência, colocando na agenda central do poder político venezuelano elementos de mudanças mais profundos e de maior radicalidade democrática.

A experiência dos Círculos Bolivarianos é fruto desta experiência interessante e Revolucionária de governo na Venezuela, liderada por Chavez e pelo chavismo. Surgiu em 2002, com o objetivo de fortalecer e divulgar a Revolução Bolivariana. Aqui no Brasil, temos o fenômeno do lulismo, sem uma experiência que organize essa capacidade de mobilização popular da era Lula. E nós, comunistas, nos encontramos entrincheirados nas organizações dos movimentos sociais, sem, no entanto, conseguir atingir massivamente esse eleitorado lulista. Para chegarmos a esse patamar, tendo como referência os Círculos Bolivarianos, precisaremos ser uma organização capaz de mobilizar milhões, um partido que ocupe posições institucionais estratégicas, para influenciar decisivamente na agenda do poder político.

A necessidade da luta pela Reforma Política
De tudo isto que foi dito, é importante registrar que é preciso uma reforma política profunda em nosso país, para tornar nossas Instituições políticas – e aquelas não necessariamente políticas – mais democráticas. Pois estas definem em grande medida determinadas questões candentes da realidade. É preciso fazer com que a população se sinta mais representada por seu sistema político, pois não se vive em plenitude na condição de não sentir-se "parte" do "todo". Sem essa plenitude da experiência política de vida, podem explodir mobilizações espontâneas de massas, que podem causar avanços ou retrocessos.

Como aproximar esse sistema? Dando mais respostas aos problemas enfrentados no dia-a-dia. E também alterando substancialmente a forma de fazer política. Qual o modelo, ou formato, só a experiência nos dirá. Uma experiência que leve em consideração os apelos dos movimentos organizados e da população não-organizada também. E quem é que pode influenciar decisivamente para pautar esse debate, de maneira mais objetiva, na agenda política? Os representantes, parlamentares e governantes, com capacidade de ter expressividade diante das massas, mas que, formalmente possam ser instrumento dessa luta maior – objetivamente, dentro do parlamento, ou em esferas de governo. Obviamente que aliados à pressão sistemática das mobilizações e apelos de fora dessa estrutura.

Nosso partido, portanto, não aponta para um rebaixamento da centralidade da luta de massas, nem tampouco da luta de idéias. O que se faz é um preciso diagnóstico acerca do que é central na luta política brasileira da atualidade. E que o PCdoB precisa ser mais influente nessa esfera. Mais presente. Maior. E mais de massas. É a realidade concreta que nos impõe esse desafio. A "luta de massas" precisa servir a esse projeto maior do partido de ser mais protagonista e influente na política e na sociedade. De ser uma força decisiva para pautar mudanças mais profundas em nosso país.

*Vladimir Meira é presidente estadual da UJS-BA e integrante do Comitê Estadual do PCdoB-BA.