Alesandro Colonnezi: "Manifesto Caluchista"

Este texto foi escrito em homenagem a Carlos Olímpio Martins de Carvalho, o Calucho, por um colega que partilhou com ele, durante treze anos, o trabalho na Agência Tempo Propaganda, em Salvador (Ba). É um depoimento pessoal que revela um Calucho atento à política, à arte e, sobretudo, ao rock and roll. Calucho despediu-se da vida na madrugada de 30 de outubro, aos 56 anos de idade.

Por Alesandro Colonnezi

Calucho - Manoel Porto

Escrevo aqui uma homenagem ao amigo de fé que fazia oposição às mediocridade, ao conformismo, à acomodação intelectual, ao fácil, ao fútil, ao banal. As bases do Pensamento Caluchista são formadas essencialmente pela vanguarda. Literária, cinematográfica, comportamental, polpitica e,. sobretudo, musical.

Eu gostava paca de conversar com Calucho sobre as coisas. Primeiro, porque ele tinha conhecimento sobre tudo. Tava sempre por dentro. Só não digo que ele era uma enciclopédia porque ele era mais que isso. A maneira que ele se posicionava sobre qualquer assunto era convicta e apaixonada. Quando o conheci, há uns treze anos, eu tinha começado na Tempo havia um mês. Então, entra na criação aquele coroa simpático e me cumprimenta como se já me conhecesse de outras datas. Atencioso, me perguntou se eu tava gostando da agência e aí, o papo fluiu até que ele me fez a pergunta que marcou pra sempre nossa relação:

– Colonnezi, você gosta de rock and roll?

Eu imediatamente respondi que sim. E antes que eu pudesse citar algumas das minhas bandas prediletas, ele logo ementou outra pergunta. Essa, motivadora do, talvez, mais extenso e duradouro debate entre dois seres humanos.

– Se você gosta de rock, deve gostar muito daquela guitarra dos Stones, né não?
– Stones é legal mesmo, mas eu prefiro os Beatles.

Pronto, Foram 13 anos discutindo, quase todos os dias, sobre quem é o maior, Beatles ou Stones. Eu falava do SGT Peppers, ele vinha com Satanic Majesties Request. Eu, Let it be, ele Let it bleed. Quando não tinha mais o que dizer, ele tentava desqualificar dizendo que Paul tocava com as pernas juntas e isso não era postura de roqueiro. Aí, eu dizia que Mick Jagger parecia uma gazela saltitante no palco. Aí ele dizia que John Lennon, ao final dos Beatles, implorou ao Mick Jagger pra entrar nos Stones. Aí, eu dizia que o primeiro sucesso dos Stones, I wanna be your man, foi uma música que Paul e John escreveram em cinco minutos num aeroporto e deram pra Mick Jagger. Aí ele me chamava de viúva de John Lennon. Aí, entrava alguém na sala e eu perguntava se preferia Beatles ou Stones. Em 90% das vezes, a pessoa dizia que preferia os Beatles. Aí, ele dava um sorriso, me chamava mais uma vez de viúva de John Lennon e mudava de assunto. Era sempre um grande barato. Ele gostava muito dos Beatles também, mas aquele clima de provocação entre a gente era sensacional.

E divergências à parte, foi Caluchinho quem me mostrou que o mundo não acabava no Led Zeppelin IV. Me apresentou a West, Bruce and Laiang, Creanm, Trafic, Crosby, Stills Nach & Young, Codona, Blind Faith. Entre outras maravilhas. Ele vivia dizendo que me apresentou também ao Jethro Tull, Lou Reed e ao London Calling, do Clash. Mas aí era ´pilha, só pra dizer a todo mundo que me ensinou o que era rock and roll.

Ás vezes eu ia à sala dele falar sobre algum job, alguma questão relacionada ao dia a dia da agência e, de repente, a gente tava ali falando de Nietzsche e negando o mundo. Ou então, ele citava Saramago pra justificar alguma ideia. Buñuel pra debater um roteiro. Keith Richard pra fazer um brainstorm sobre alguma trilha. Ele era assim. Gostava de divagar sobre tudo quanto é coisa e eu ia na onda. E foi assim que aprendi pra caramba com esse cara. Quando eu queria saber das notícias com mais profundidade, ao invés de ler o jornal eu ia à sala de Calucho, pois a notícia já vinha embalada sob uma visão crítica mito bem ´pensada e embasada. Aprendi política com ele e com Alfredinho. Entrei verde na agência. Usando uma palavra que ele gostava muito, esses dois caras me ensinaram as “mumunhas” do pensamento político.

Assim como eu, muita gente viveu ao menos uma história divertida com esse sujeito fora de série. E é isso que vai ficar pra todo mundo que o conheceu. As boas lembranças de um homem apaixonado. Pela esposa, pelos filhos e netos, pela família, pelos amigos, pela arte, pelas ideias, pela vida. Ele se foi cedo demais, mas deixou um legado pra ser lembrado com alegria por muito e muito tempo.

O Manifesto Caluchista é uma homenagem a um cara que tinha em suas veias algumas das coisas mais admiráveis em um ser humano: simplicidade, sensibilidade, generosidade, atitude, sabedoria e muito rock and roll.

Bravo, Caluchinho! Vá com Deus meu velho.

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