Arruda Bastos: Teto de gastos na saúde é um crime

Por *Arruda Bastos

SUS

Como medida salvadora do Brasil, o presidente em exercício, Temer, propõe teto de gastos com saúde e educação. Ao ler essa manchete, a maioria dos meus leitores pode não entender o que isso acarreta aos dois setores vitais da vida da nossa sociedade. Vou me deter nesse artigo ao setor da saúde, mas o raciocínio também vai valer para a outra pasta.

Saúde é um direito de todos e dever do Estado, consoante prevê o artigo 196 da nossa Constituição cidadã de 1988. No governo Temer, o texto passa a ser escrito como “saúde é um direito de todos e dever do Estado, desde que não ultrapasse o teto”. É o maior absurdo que alguém pode propor a uma nação já tão carente de uma saúde de melhor qualidade. É um crime, um assassinato, uma medida que só um governo ilegítimo e passageiro pode propor.

Na prática, tal medida representa um retrocesso em diversos programas como Mais Médicos, Farmácia Popular, atendimento móvel de urgência (SAMU), unidades de pronto atendimento (UPAS), Programa Nacional de Imunizações, transplantes e muitos outros. Quando você vincula os gastos com saúde a um teto, isso significa que os recursos, em momentos de maior dificuldade, ou serão reduzidos ou, no mínimo, congelarão. O prejuízo é evidente para a manutenção mínima da saúde pública e um grande retrocesso.

Vivemos em nosso país um período delicado de transição epidemiológica, nutricional, tecnológica, entre outras. Isso significa que, para fazer frente a essas mudanças, com a inversão da nossa pirâmide com o envelhecimento da nossa população, necessitamos de mais investimento e novos recursos para tratamento dos idosos e de suas doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, câncer e muitas outras. Como conciliar isso com um teto? É impossível! As necessidades crescem a cada ano. Estou prevendo um aumento da mortalidade por doenças que estavam sendo cada vez mais diagnosticadas e tratadas precocemente.

Nas outras transições, como a nutricional, a qual reflete o perfil de sobrepeso e obesidade em nosso país, esta redução de recursos vai impactar em programas de prevenção e afetar diretamente a população de todas as idades, mas principalmente as crianças. Na tecnologia, vamos estacionar no tempo e no espaço, uma vez que não teremos recursos suficientes para incorporar as novas técnicas descobertas, medicamentos e equipamentos desenvolvidos. Aqui recordo o estado das Universidades Federais depois dos governos tucanos, todas sucateadas.

Pensei que macaco em casa de louça fosse apenas o Ministro da Saúde de Temer, o engenheiro Ricardo Barros, com suas propostas estapafúrdias de reduzir o SUS e entregar a saúde aos planos privados e medicina suplementar. Vejo que foi tudo orquestrado por um governo ilegítimo e uma equipe econômica rentista. Retiro o macaco, que é um animal normalmente dócil e inofensivo, e coloco no lugar uma cobra venenosa que rasteja, muitas vezes silenciosamente, e dá o bote quando menos se espera, picando ou estrangulando suas vítimas.

Digo que não podemos aceitar e compactuar com tal proposta de teto. Temos que lutar, sim, por melhor gestão, pelo combate à corrupção, onde ela existir, e por mais recursos para a saúde. O governo, a fim de agradar os empresários e os bancos, não apresentou nenhuma proposta de diminuição de juros, uma vez que eles acarretam lucros exorbitantes ao sistema financeiro, e ele não pode ser contrariado. A diminuição dos citados juros, mesmo que pequena, levaria a uma significativa redução do déficit alegado. Não propôs também a criação de novos tributos, taxações ou contribuições, ainda que provisórias. O povo é que pague o pato e não os grandes empresários, como os da Fiesp, que patrocinaram o golpe.

Com mais este artigo, e respaldado na minha experiência de ex-Secretário da Saúde do Ceará e professor universitário da disciplina de Gestão em Saúde, conclamo novamente as entidades que sempre estiveram à frente da defesa do SUS para formarem fileiras, todas juntas, contra mais um golpe que se deseja perpetrar, agora na nossa saúde.


*Arruda Bastos é médico, professor universitário, ex-secretário de Saúde do Estado do Ceará e um dos Coordenadores do Movimento “Médicos pela Democracia”.

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