A ocupação religiosa da palestina

Já tratamos desse tema alguns anos atrás. Se pudermos descartar o conflito árabe-israelense como de origem religiosa, não se pode dizer a mesma coisa da ocupação da Palestina, ocorrida há mais de dois milênios pelos hebreus-judeus vindos do Egito. Sobre i

A bíblia é livro histórico?


 


 


Há uma onda mundial de contestação generalizada com relação às religiões de um modo geral. Dados estatísticos indicam um forte crescimento do ateísmo em todo o planeta. Dez anos atrás, falava-se em 7%, no máximo o índice de pessoas que se diziam atéias ou sem religião alguma. Hoje a estimativa é de 14%, o dobro, portanto. Não quer dizer totalmente descrente de deus, mas sem religião ou atéias propriamente ditas. De qualquer forma, um contingente imenso em termos de população mundial. Falamos algo em torno de um bilhão de pessoas.


 


 



Essa onda mundial é capitaneada pelo biólogo evolucionista Richard Dawkins, nascido em Nairobi, no Quênia, mas criado na Inglaterra. Atual professor da disciplina de “Compreensão pública da ciência” da Universidade de Oxford é autor de muitos livros de divulgação científica. Passou a ficar famoso com sua primeira obra, editada em 1976, O gene egoísta. Depois disso, elabora a teoria dos memes, uma espécie de gene da memória, da cultura e de como hábitos e costumes são transmitidos de geração em geração.


 


 



Não é nosso foco nesta coluna sobre Oriente Médio tratar de ciência e sua divulgação, ainda que sejamos fãs de carteirinha não só de Dawkins, como de Carl Sagan, Arthur Clark, Isaac Asimov (estes dois últimos, ainda que escritores famosos de ficção científica sejam eles próprios cientistas conceituados em várias áreas), bem como Stephen Jay Gold. Todos esses já falecidos. Entre filósofos dessa linha, destacam-se Daniel Dannet (Quebrando o encanto, que recomendo) e Sam Harris.


 


 



Quero aqui tratar do aspecto do velho testamento, que é para os judeus o Torá e que, vários de seus livros foram aproveitados pela Igreja Católica a partir do advento do cristianismo. Pelo menos cinco livros foram recepcionados pela hierarquia da Igreja, o chamado Pentateuco. Aqui quero me deter especificamente no livro de Josué, no capítulo específico da conquista da bendita terra prometida por Deus de Abraão aos hebreus (esse Deus é chamado muitas vezes de Jeová).


 


 



A passagem mais “famosa” que quero aqui comentar trata-se do momento exato em que Josué, conquista a palestina. Moisés, que lidera o seu povo na saída do Egito, acaba morrendo no deserto e não chega a tal “terra prometida” pelo seu Deus, Javé. Portanto, será Josué que fará essa conquista. A passagem mais destacada é do capítulo 6, versículo 21, que literalmente diz: “tudo havia na cidade eles destruíram totalmente ao fio da espada, desde o homem até a mulher, desde o menino até ao velho e até ao boi e gado miúdo e ao jumento”.


 


 


Essa passagem é exatamente o momento da tomada de boa parte da palestina. Aqui entra em debate se Moisés e Josué são “libertadores” ou “conquistadores”. Tanto para judeus como para católicos e cristãos de modo geral, sejam os que acreditam na versão da bíblia como fato histórico, seja para os que não são literalistas assim, não há dúvida que existia um projeto expansionista e colonial entre os hebreus. Até entendo que um deus específico de um povo possa prometer a esse povo certas regalias e até terras, mas o que estranho é que ele prometa terras que não lhes pertençam, nem a esse povo. Ou seja, promete terra de outro povo. Assim, para palestinos, os antigos filisteus e cananeus, não tem sentido algum chamar Moisés de “libertador”, pois na verdade ele é um conquistador que toma as suas terras.


 


 


A moralidade suspeita


 


 


O debate que quero fazer agora é sobre a moralidade da violência bíblica, especialmente a judaica. Faço isso, a partir da publicação do livro de Dawkins. Uma pesquisa que esse cientista evolucionista e biólogo traz à tona foi feita pelo psicólogo israelense George Tamarin.


 


 


Trata-se de uma pesquisa feita com mil crianças judaicas, com idades que variam de oito a 14 anos, em idade escolar. É relatada a elas a famosa e bíblica passagem acima transcrita, da conquista de Jericó por Josué. Ao apresentar essa passagem às crianças, Tamarin fez aos estudantes a seguinte pergunta: “Você acha que Josué e os israelitas agiram bem ou não?” as crianças tinham que responder com três alternativas, sendo que “A”, queria dizer “aprovação total; “B” queria dizer “aprovação parcial” e “C” queria dizer “reprovação total”.


 


 


Aqui, pasmem, meus leitores, os resultados foram surpreendentes. Derruba por terra completamente a tese de que a bíblia emana moralidades positivas, uma ética nova e justa. Um total de 66% das crianças responderam que aprovavam totalmente a ação de Josué e apenas 26% de reprovação total.


 


 


Vejam aqui, para surpresa, alguns comentários de alguns desses jovens:


 



1. Na minha opinião, Josué e os Filhos de Israel agiram bem e aqui estão as razões: Deus prometera essa terra a eles e deu-lhes permissão para conquistá-la. Se eles não tivessem agido dessa maneira ou não tivessem matado ninguém, haveria o perigo de os Filhos de Israel fossem assimilados pelos góis (como eram chamados os ancestrais dos palestinos pelos judeus);


 


2. Em minha opinião Josué estava certo ao fazer aquilo, sendo que um dos motivos é que Deus mandou que eles exterminassem o povo para que as tribos de Israel não fossem assimiladas entre eles e aprendessem seus maus hábitos;


 


3. Josué agiu bem porque o povo que morava na terra era de uma religião diferente e quanto Josué os matou ele varreu a religião deles da face da terra.


 


 


Parece incrível, mas essas crianças foram e continuam sendo diuturnamente doutrinadas com essas opiniões, em função das pregações que os rabinos fazem e do que lhes é ensinadas nas escolas rabínicas. Mas, pasmem leitores, vejam que moralidade vem sendo edificada entre os israelenses. A justificativa para o massacre é invariavelmente religioso e se apóia em Deus e em suas decisões e na forma como este se comunica com os seres humanos.


 


 



O mesmo psicólogo israelense, Tamarin, como cientista sério, fez um grupo de controle de 168 crianças na mesma faixa etária e apresentou a todas elas a mesma história da conquista, mas ao invés de falar em Josué, ele inventou um general chamado “Lin” e inventou um reino chinês de três mil anos atrás.


 


 



Aqui, neste grupo de controle, os resultados foram completamente diferentes. Apenas 7% das crianças judaicas aprovaram a ação do “general Lin”, enquanto nada menos que 75% a reprovaram completamente. Como diz Dawkins, quando a “lealdade” judaica foi removida da equação, a maioria esmagadora das crianças judaicas concordou com “os juízos morais da maioria dos seres humanos modernos teria” (1).


 


 


Pessoalmente, isso confirma para mim muitas coisas. A fonte que inspira as concepções judaicas sobre a sacralidade de suas ações, é um livro religioso que tem a mais frágil e duvidosa moral que se tem notícia (ainda que para Dawkins o chamado Novo Testamento não altera tão profundamente as coisas assim). As divergências entre filhos de israelenses e palestinos, tem início desde a mais tenra infância. Isso vem sendo alimentado há milhares de anos.


 


 


Claro que insisto que a divergência central acaba sendo política, de domínio e conquista de territórios, de expansionismo colonial. Mas, tem um conteúdo religioso profundo. Isso não tem como ser desconsiderado na equação. E nesse sentido a religião tem um papel profundamente negativo. Infelizmente. Mas, voltaremos a esse tema em outros momentos.


 


 


Semana que vem, comentarei os resultados das falações do general Petraeus e do próprio Bush esta semana no congresso dos Estados Unidos.


 



Nota


(1) Livro “Deus, um delírio”, Cia das Letras, página 332.

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