As leis da Economia Política sob o socialismo
– A estagnação econômica soviética, desde meados da década de 1970, seguido da própria débâcle do bloco socialista e a viabilização, com sucesso, de um amplo programa de reformas na China, sob os auspícios da construção de uma “economia de mercado sob ori
Publicado 28/01/2009 14:22
De um lado existe uma tendência a se considerar de forma a-histórica muitas idéias partidas dos próprios Marx e Engels algumas noções que relacionam diretamente a edificação de uma superestrutura de novo tipo com a proscrição da influência, sob o socialismo, de leis como a da oferta e a procura e a da utilidade e a quantidade de trabalho empregado em determinado produto como forma de se auferir o valor do mesmo.
– Logo, o estabelecimento de parâmetros metodológicos capazes de levar esta polêmica no rumo de sínteses justas e lastreadas pela ciência histórica passa necessariamente por retomar a essência da Economia Política como ciência, elencar as fontes e os postulados a serem desconstruídos de forma que nos capacite a trabalhar possíveis tendências do processo de desenvolvimento de uma dada formação social.
A essência da Economia Política: o processo econômico e suas leis objetivas
As leis econômicas: seu caráter, sua objetividade, alcance histórico, modo de ação, relações mútuas e suas conseqüências nas múltiplas determinações do concreto são o objeto de estudo da Economia Política.
O processo econômico é um conjunto de ações humanas que se repetem constantemente;
Em condições determinadas, resultantes de um certo desenvolvimento histórico da sociedade (fruto do desenvolvimento das forças produtivas), essas ações se repetem de maneira definida, isto é, caracterizam-se por um conjunto de regularidades específicas.
A regularidade de tais ações são a base sob a qual tal ordem de fenômenos serem referidas como “leis econômicas” – que também podem ser aludidas como as “leis da Economia Política” ou as “leis do desenvolvimento social”. Tais leis refletem o caráter regular de processos que se realizam independente da vontade humana. Porém, diferentemente das leis da natureza, que têm caráter duradouro, as econômicas têm caráter historicamente definido.
Enfim, pode-se descobri-las, conhece-las, e, baseando-se nelas utilizá-las no interesse da sociedade, dar outro rumo à ação destruidora de algumas leis, limitar sua esfera de ação, dar livre curso a outras leis que abrem caminho pra adiante; mas não podem destruí-las ou criar novas leis econômicas.
No sentido de afirmar, de forma figurada o caráter objetivo das leis economias e, conseqüentemente, demonstrando que tais são o motor do processo econômico, atuando diretamente sob o desenvolvimento da sociedade como um todo, Lênin afirmou:
“A lei é o idêntico no fenômeno (…). A lei não se encontra para além do fenômeno, mas é-lhe diretamente imanente.”
As leis econômicas sob o socialismo
– Inseparável do aspecto político que demanda a instalação de uma superestrutura de novo tipo (Ditadura do Proletariado), a principal classe de contradições a ser equalizada no socialismo, como parte principal da transição ao comunismo e com serventia central à análise das atuais experiências em curso, reside em três contradições de ordem principal: as relacionadas às diferenças entre campo e cidade, indústria e agricultura e entre o trabalho manual e intelectual. Bom lembrar que em todas as experiências em curso, boa parte da população ainda vive em zonas rurais, a urbanização ainda é um processo de longo prazo (p. ex. China) e a agricultura ainda não é dotada de grande capacidade técnica. Enfim, são elementos que contribuem para clarificar o tamanho do caminho a seguir na direção de uma sociedade superior.
– Por outro lado, tendo em mente tais ordem de contradições a serem enfrentadas, importante observarmos o seguinte conteúdo da Carta de Karl Marx a Annenkov a 28 de Dezembro de 1846, no sentido de percebermos que as experiência atuais de transição socialista estarem submetidas a realidades cujos passos ao socialismo devem estar em concordância com o nível de desenvolvimento de cada experiência:
“É desnecessário acrescentar que os homens não são livres árbitros das suas forças produtivas – as quais são a base de toda a sua história – pois toda a força produtiva é uma força adquirida, o produto de uma atividade anterior. Assim, as forças produtivas são o resultado da energia prática dos homens, mas esta energia própria está circunscrita pelas condições em que os homens se encontram situados, pelas forças produtivas já adquiridas, pela forma social que existe antes deles, que eles não criam, que é o produto da geração anterior.”
Em Marx e Engels o capitalismo encerraria uma chamada “pré-história da humanidade”, enquanto que o socialismo significaria a apreensão da consciência na construção de uma sociedade de novo tipo. O que isso significa? Onde incide o cerne desta questão? E quais são os mecanismos nodais desta nova fase?
Em curtas palavras essa questão incide diretamente na questão da gestão econômica da nova sociedade; sendo que a principal característica econômica do capitalismo reside necessariamente no aspecto anárquico do processo produtivo (resultado de um desconhecimento total ou parcial das formas de funcionamento das leis que regem a sociedade e a natureza), o socialismo numa etapa que coincide com o domínio, pelo homem, das leis que regem a sociedade e a natureza, cria as condições objetivas à utilização destas leis em favor do homem. Importante salientar que o homem não possui capacidade de alterar a regência desta ordem de leis, podendo – no máximo – utiliza-las em seu próprio proveito.
– Daí a importância verificada em Marx e Engels na centralidade da concentração, na primeira fase da transição capitalismo-socialismo, dos meios estratégicos de produção pelo Estado e do planejamento econômico como meios para estancar a anarquia inerente ao modo de produção capitalista. Resumindo, a propriedade social dos meios de produção e o planejamento constituem-se nos dois ferramentais centrais do socialismo ante a anarquia da produção à utilização das leis econômicas em proveito do homem (por exemplo na China e Vietnã, a utilização interna da lei mercantil da oferta e procura e da utilização da taxa de câmbio para a consecução de seus objetivos em matéria de desenvolvimento econômico).
Por exemplo, neste aspecto (planejamento + propriedade social dos meios estratégicos de produção reside a resposta para perguntas em torno da resistência chinesa à crises inerentes do sistema capitalista mundial.
Leituras equivocadas do problema
A forma equivocada de se observar o conjunto do processo levou determinados autores a defender a tese segundo a qual, sob o socialismo, a Economia Política perde o objeto de análise, pois não existiriam leis econômicas a serem estudadas, ou no máximo, poderia se ater ao estudo de formações sociais anteriores ao socialismo.
Tal ponto de vista foi defendido, por exemplo, por Rosa Luxemburgo, que ao limitar o objeto da Economia Política ao estudo das leis da produção voltada ao mercado sob o modo de produção capitalista, concluiu o seguinte:
“A Economia Política, como ciência, termina sua missão no momento em que a economia anárquica do capitalismo cede lugar a uma economia planificada, conscientemente organizada e dirigida pelo conjunto da sociedade laboriosa. A vitória da classe operária contemporânea, assim como a realização do socialismo, significa, por conseguinte, o fim da Economia Política como ciência”
– Ponto de vista semelhante foi defendido por Bukhárin (em sua fase “esquerdista”) da seguinte forma:
“Efetivamente, desde o momento em que consideramos a economia social organizada, todos os problemas fundamentais da Economia Política desaparecem (…). Daí poderem ser aqui compreendidos, por um lado, um certo sistema de descrição, e, por outro, um sistema de normas. Mas não há lugar, aqui, para uma ciência estudando as ‘leis cegas’ do mercado, dado que o mercado não existe mais. Assim, o fim da produção mercantil capitalista significa igualmente o fim da Economia Política.”
Nestes dois casos, Bukhárin e R. Luxembugo além de reduzirem o objeto da Economia Política ao estudo de determinadas relações mediadas pela lei do valor, incorrem em um triplo equívoco:
1) Confundem a espontaneidade com a objetividade das leis econômicas, ou seja, trabalham com a hipótese de o socialismo ao anular os aspectos espontâneos da ação das leis econômicas, conseqüentemente, tais leis deixaram de existir, quando na verdade a objetividade intrínseca a tal ordem de leis continuam a atuar;
2) Incorrem em um equívoco de ordem liberal ao não relacionarem as relações mercantis de produção e distribuição como algo dado historicamente, logo tendo seu epílogo associado a criação de condições objetivas e subjetivas, entre elas: A) a composição de um poder de novo tipo e B) o desenvolvimento das forças produtivas em tal nível de forma que o mercado como mecanismo de alocação de recursos e de auferidor da escassez perca a razão de existir e
3) Como expressão desta lógica a-histórica de abordagem de determinadas categorias, não levam em conta que nas condições de uma ordem voltada à consecução do socialismo as leis inerentes a oferta e a procura e do valor de cada mercadoria continuam a agir, agora desprovida de se seus aspectos espontâneos, passando a se realizar em concordância com os intenções humanas.
O papel do “Marxismo Ocidental”
Por outro lado, a negação do papel da Economia Política, foi objeto de sínteses de correntes intelectuais de peso, sendo a principal delas no ocidente o chamado “Marxismo Ocidental”. Tal escanteamento da determinação econômica é, no Marxismo Ocidental, parte de um todo que envolve uma tentativa de isolar o marxismo tanto do positivismo, quanto do materialismo vulgar.
No campo do método científico, no Marxismo Ocidental percebe-se a lógica segundo a qual sendo o marxismo uma proposta de emancipação das relações entre os homens mediadas pelo domínio econômico, logo, conclui-se que o marxismo pretende subverter a dominação econômica inerente às categorias estudadas pela Economia Política. Segundo Lukács:
“(…) o marxismo não é somente uma proposta de teoria social avançada e sim o abolicionador da Economia Política.”
Além de uma grande fonte para sínteses de ordem subjetivistas e sem apelo no concreto, logo cumprindo papel ao desarmamento teórico de nosso movimento, a conclusão de que o marxismo é o abolicionador do papel da Economia Política como ciência carece de substância por pelo menos dois motivos:
1) A falta de compreensão, segundo a qual, um determinado ramo do conhecimento ao se desenvolver ao longo da história pode obter uma nítida feição de classe;
2) O aspecto inconseqüente de tal observação reside na relação com a necessidade – por parte das classes trabalhadoras – de se apropriar das formas com que as leis econômicas atuam sob a sociedade.
Conclusão
O estudo e a análise do processo de transição de caráter socialista deve se respaldar sob algumas bases de ordem histórica e metodológica:
1) Diferentemente da burguesia que já se constituía como classe economicamente dominante já no epílogo do feudalismo, o proletariado somente se constitui classe dominante politicamente no socialismo e, mesmo do ponto de vista econômico, faz-se necessário um processo de transformação em poder econômico dominante nos marcos do já exposto no Manifesto, como se pode ver a partir de uma “violação despótica do direito de propriedade e das relações de produção burguesa”, utilizando para isso “sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado”. Daí a necessidade de uma “Ditadura do Proletariado”, como forma de mediação política com a finalidade de consecução de objetivos de tal envergadura;
2) O “cérebro” das reformas econômicas chinesas, o economista Xue Muqiao, gostava sempre de citar Marx a respeito do retorno de formas reacionárias de produção após tentativas de implementação de relações sociais idealistas, sem base material. Esse tipo de assertiva marxiana cabe muito bem ao ultra-igualitarismo (imposto após décadas de feudalismo decadente na China) maoísta dos 20 anos perdidos (1966-1976). Este tipo de prática em matéria de economia, para Muqiao, havia de ser duramente punida pelas leis que regem o desenvolvimento o econômico;
3) Neste sentido tem conveniência a seguinte frase de Marx exposta no Prefácio à Crítica da Economia Política, passagem esta que encerra uma série de questões e serve como condensador a um debate mais de fundo acerca das particularidades das primeiras experiências do século passado e as atuais em andamento:
“Uma formação social jamais desaparece sem que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que ela tem a capacidade de conter; jamais as relações de produção novas e superiores substituem as antigas, antes de as condições de existência material destas relações se terem esgotados no próprio seio da velha sociedade. Essa é a razão porque a humanidade nunca se propõe senão as tarefas que pode cumprir, pois olhando-se isso mais de perto, observar-se-á sempre que a própria tarefa não surge senão onde as condições materiais para cumpri-la já existam ou pelo menos estejam em vias de existir.”