Desdenhar das reclamações da clientela é atirar no peito

Um artigo ilustrativo de Lúcio Costa, com o sugestivo título de ''Sem venda nada acontece'', inicia dizendo que ''É barato dar razão ao cliente! A sabedoria popular acumulou, com o passar do tempo, frases que acabaram se tornando verdades. Uma delas, – O

Enfatiza que o motivo básico para sempre dar razão ao cliente é o volume de investimento para atraí-lo (propaganda, promoções, instalações confortáveis e muitas vezes suntuosas). Logo, é asnice não considerá-lo face a uma reclamação. ''Muitas vezes, por burrice, preconceito ou pressa, deixamos de atender-lhe o anseio por algo simples, barato, muitas vezes até desprezível, como a falta de atenção providencial, um rápido sorriso, um cafezinho caliente etc.''


 


 


A concretização de um bom negócio para quem fornece e para quem compra tem como alicerce o respeito e a boa-fé. Aparentemente, vender e comprar são relações impessoais e fugazes. Num olhar etnográfico, vender e comprar são relações sociais prazerosas e geradoras de fidelização a marcas de produtos e a lojas. No entanto, podem ser rompidas quando há quebra de reciprocidade entre fornecedor (não entregar no prazo; o produto apresentar ''defeito de fábrica''; consertos demorados e insatisfatórios) e consumidor (não pagar o que comprou, por exemplo). O conflito mais frequente entre fornecedores e consumidores, e que está na raiz do surgimento do Movimento Consumerista, não é o defeito em si, mas o desdém com que o consumidor é tratado se o bem apresenta problemas e o fornecedor não os reconhece, ou não os repara devidamente, induzindo à quebra da reciprocidade no ato da aquisição do bem.


 


 


Certa vez no sertão, em Graça Aranha (MA), é óbvio, presenciei vovó Maria aplicando um corretivo em um vendedor de joias. Ela dizia: ''moço, você garantiu que vendia ouro 18 quilates, mas o seu não é. O cordão escureceu em menos de seis meses, logo não é ouro. Se muito, é só banhado. Taqui seu cordão e devolva meu dinheiro''. Ele insistia que não era possível; ele não era ''malaqueiro''; na tabuleta dele só entrava ouro; e, quem sabe, ela não comprara de outra pessoa! Foi o suficiente para ela mostra-lhe a porta da rua e, enxotando-o, dizer que dava aquele dinheiro de esmola para ele, mas que ficasse certo que, daquele dia em diante, não venderia mais nada ali, pois ela espalharia que o ouro dele não prestava.


 


 


Ele se desmanchou em desculpas, quase ajoelhou aos pés dela, querendo trocar o cordão escurecido por dois de ouro 18 quilates, que nunca mudariam de cor, ele garantia! Ao que ela retrucava: ''Garantir como se você não tem palavra?'' Ele ofereceu devolver o dinheiro em dobro. Até o pai velho pediu que ela deixasse de ser carrancista e aceitasse uma das duas ofertas. Ela não aceitou nada e o ambulante de ouro nunca mais ousou aparecer em Graça Aranha.


 


 


O fato dá razão à Ciméa Bevilaqua e Piero de Camargo Leirner, que dizem: ''O que desencadeia o conflito – e faz com que ele se traduza no vocabulário formal dos direitos – não é o dano sofrido, mas a recusa do fornecedor em reconhecê-lo e repará-lo, isto é, o rompimento dos compromissos implícitos de respeito e boa-fé que haviam possibilitado a efetivação do negócio''.

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