Por falar em Grécia…
Nas últimas semanas, a Grécia chamou a atenção do mundo. Manifestações de trabalhadores tomaram conta do país contra a política econômica do governo e o FMI. Por trás das câmeras da mídia sedenta de más notícias, divisamos o azul profundo daquele país cercado de mar, de história e de Arte.
Publicado 31/05/2010 10:21
Então falemos de Arte
Há mais de 2.700 anos, na ilha de Creta, entre Atenas e o norte da África, começou a se desenvolver uma arte tão refinada que causou profunda impressão no Egito dos faraós e influenciou todo o continente grego. Até então, a arte do mundo antigo concentrava-se no Egito, nos oásis dos grandes desertos, onde o sol queima de forma implacável. Os artistas aprendiam as regras da arte muito cedo, que determinavam como deviam ser feitas as pinturas e estátuas.
Mais ao norte, os cretenses, que não estavam submetidos à vontade do faraó, desenvolviam sua arte de forma mais independente. Lá habitavam marinheiros que percorriam os mares, trazendo para seus reis piratas a riqueza conquistada. Esses reis, ricos e poderosos, enviavam emissários ao Egito e, com eles sua arte, que impressionou o país dos faraós. Mas quase nada restou da beleza que se produziu naqueles tempos. Mais ou menos por volta do ano 1.000 a.C., tribos bárbaras da Europa derrotaram os cretenses, e somente nos hinos que narram essas batalhas sabemos algo do esplendor da arte produzida em meio ao azul profundo dos mares gregos.
A arte grega evoluiu de forma tão densa que tem sido, por milhares de anos, referência e inspiração para o ocidente. Por volta do ano 600 a.C., os arquitetos começaram a fazer uso da pedra para erguer seus templos, mas não se satisfaziam em simplesmente erguer pilares. Modelavam cada coluna, e o resultado ainda hoje é visto na Acrópole, cujas colunas dóricas que se afunilam em direção ao topo, dão impressão de leveza ao conjunto gigantesco do Partenon.
Mas a grande diferença da arte grega está em outro lugar. Com o tempo, eles descobriram o escorço, que é a representação em perspectiva da figura humana, ou de qualquer objeto. Nesse tempo o povo grego começou a contestar as antigas tradições e as estórias sobre os deuses. Era o início da ciência, da observação da natureza do mundo, sem preconceitos religiosos.
Os artistas de então trabalhavam para viver, em suas oficinas. Passavam os dias labutando em suas forjas, sujos de fuligem, suados, como os operários das pedreiras e canteiros de obras. Apesar de serem tidos como uma categoria inferior, tinham vida política ativa em suas cidades, onde o regime era democrático. Nessa época, o grande escultor Fídias se destaca com suas estátuas esculpidas no mais refinado mármore, plenas de suavidade e beleza. Já estava longe a crença de que demônios horríveis habitavam nas estátuas, e Fídias esculpia seguindo o modelo humano.
Livres das superstições e caminhando lado a lado com a ciência que então se desenvolvia (teorias sobre a matéria, a matemática, a medicina, etc) os artistas se puseram a explorar a anatomia da figura humana. Já se fazia estudos com modelos vivos, e não mais de memória, como no Egito. Além disso, os retratados já não eram quase-deuses, mas pessoas comuns também começaram a ter seus próprios retratos.
Outra grande descoberta do artista grego foi o movimento. Olhando-se para a estátua “Discóbolo” (cerca de 450 a.C) do escultor ateniense Míron, percebe-se o estudo minucioso não só da anatomia, mas desta em função do movimento. No final do século V a.C, os artistas gregos já eram mestres, a arte tinha se desenvolvido muito e um número crescente de pessoas passou a se interessar por obras de artes. As estátuas desse período demonstravam como o artista grego tinha atingido a perfeição escultórica baseado no conhecimento adquirido por longos estudos e muita observação. A arte caminhando junto com a ciência.
Mas quase nada sobrou das esculturas gregas, a não ser pelas cópias em mármore feitas por artistas romanos, tempos depois. Quando o cristianismo começou a se alastrar, era sagrado dever e piedoso zelo cristão a destruição das figuras dos “deuses pagãos” encontradas pela frente. O resultado é que as esculturas que podemos ver hoje, nos museus do mundo, são simples reproduções das originais, que foram destruídas.
Mas… isso me faz terminar este texto com uma pergunta: não é uma espécie de repetição do ataque à arte figurativa, a atitude tomada pelo sistema de arte contemporâneo que endeusa a abstração conceitual, e deplora a figura? Não seriam esses os novos modos fundamentalistas?