Ler é bater pernas pelo mundo com as endorfinas nas alturas

Desde que aprendi a ler, aos 6 anos, virei leitora voraz, daquelas que na escola era apelidada de traça. Ando sempre com um livro, até quando vou ao banco pagar apenas uma conta de luz. 

Ao sair de casa, nunca sabemos exatamente quanto tempo vamos demorar… Mesmo na era do caixa eletrônico. Já aconteceu de a minha agência estar fora do ciberespaço e ter de ficar esperando a danada voltar. "C’' est la vie…". Vai que demora, não é?! Aí, abro meu livrinho e nem vejo o tempo passar.

Quando estou lendo algo prazeroso e preciso ir ao centro da cidade, prefiro ir de ônibus para aproveitar o tempo lendo… Relembrando do que já fiz para ler – desde "botar" marido pra dormir, esperar o danado cair nos braços de Morfeu, ligar o abajur e abrir o livro… ai que "trepeça" boa!.. -, não imagino um mundo sem livros de papel. E os prazeres inenarráveis de abrir, folhear e ler um livro? De marcar onde parou, fechá-lo e a fissura de retomar a leitura?

Falo do que chamo de "pó de pirlimpimpim* – pó mágico e imaginário que solta nossas fantasias, apenas pela força da imaginação. Não, não é um alucinógeno! Apenas um liberador de beta-endorfina, aquela que dá efeito de lua cheia e céu azul profundo repleto de estrelas, barulho de mar, de cachoeira – tudo ao mesmo tempo! Adoro ler porque, de personalidade dionisíaca, permito, gosto e curto que as endorfinas inundem a minha vida. E não me reprimo. Eu as mereço. E gracias a la vida!" ("Libere pó de pirlimpimpim", O TEMPO, 30.4.2007).

Em "Lembranças de uma cozinha e da primeira galinha cheia" (2.12.2008), revelei um pouco de minhas vivências de menina sertaneja que bateu asas e voou, ultrapassando as fronteiras do sertão e que percorreu o mundo duas vezes carregando-o no peito.

A primeira, através da leitura. Ler é bater pernas pelo mundo… A segunda, presencialmente. É muito para quem não nasceu em berço de ouro e não é caixeira-viajante. Eu sei. Mas a medicina legou-me asas ("Ainda saudosa da cozinha no sertão, apesar da trabalheira", O TEMPO, 9.12.2008).

Sou daquelas que saboreia o que lê e se delicia lendo. Não à toa, duas ações referentes a livros e leituras exerceram enorme fascínio sobre mim.

A primeira, o Movimento Livro Livre, ideia quase simplória, mas de alcances pedagógicos e culturais incomensuráveis por compartilhar o prazer que a leitura pode proporcionar – "organizado por pessoas que creem que a leitura, a troca de ideias e o desapego podem ser estimulados e exercitados através de uma ideia simples, mas poderosa: a liberação de livros em espaços públicos, com o poder de transformar cada cidade em uma biblioteca a céu aberto". Simples. Basta deixar um livro, que gostaria de encontrar, em um lugar público. Por que a Prefeitura de Belo Horizonte não abraça a ideia de colocar uma sacola nos ônibus pra gente liberar livros nela?

A segunda atitude em relação à leitura é um movimento que visa a resgatar o prazer de ler ("slow reading"), algo como o saborear livros, na contramão da "twitterização" da literatura, como disse João Victor Silva, em "Devagar", discorrendo sobre a degustação de tudo que pode ser feito mais devagar: "Assim como o ‘fast food’ (comida rápida) teve o movimento reverso, o ‘slow food’ (hábito de comer devagar), agora é a vez de desbancar o ‘speed reading’, ou leitura dinâmica. Bem-vindos ao tempo do ‘slow reading’ – a leitura que é feita lentamente com o objetivo de valorizar a reflexão". Ou apenas curtir preguiça, embalar uma soneca depois do almoço…

* A fada Sininho foi criada em 1904 pelo dramaturgo J.M. Barrie (James Matthew Barrie, 1860-1937) como uma das personagens de Peter Pan; a boneca Emília foi criada por Monteiro Lobato (1882-1948) em "A Menina do Narizinho Arrebitado" (1920). Ambas possuem um pó mágico: pó de pirlimpimpim.

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