Ler é bater pernas pelo mundo com as endorfinas nas alturas
Desde que aprendi a ler, aos 6 anos, virei leitora voraz, daquelas que na escola era apelidada de traça. Ando sempre com um livro, até quando vou ao banco pagar apenas uma conta de luz.
Publicado 02/11/2011 11:34
Ao sair de casa, nunca sabemos exatamente quanto tempo vamos demorar… Mesmo na era do caixa eletrônico. Já aconteceu de a minha agência estar fora do ciberespaço e ter de ficar esperando a danada voltar. "C’' est la vie…". Vai que demora, não é?! Aí, abro meu livrinho e nem vejo o tempo passar.
Quando estou lendo algo prazeroso e preciso ir ao centro da cidade, prefiro ir de ônibus para aproveitar o tempo lendo… Relembrando do que já fiz para ler – desde "botar" marido pra dormir, esperar o danado cair nos braços de Morfeu, ligar o abajur e abrir o livro… ai que "trepeça" boa!.. -, não imagino um mundo sem livros de papel. E os prazeres inenarráveis de abrir, folhear e ler um livro? De marcar onde parou, fechá-lo e a fissura de retomar a leitura?
Falo do que chamo de "pó de pirlimpimpim* – pó mágico e imaginário que solta nossas fantasias, apenas pela força da imaginação. Não, não é um alucinógeno! Apenas um liberador de beta-endorfina, aquela que dá efeito de lua cheia e céu azul profundo repleto de estrelas, barulho de mar, de cachoeira – tudo ao mesmo tempo! Adoro ler porque, de personalidade dionisíaca, permito, gosto e curto que as endorfinas inundem a minha vida. E não me reprimo. Eu as mereço. E gracias a la vida!" ("Libere pó de pirlimpimpim", O TEMPO, 30.4.2007).
Em "Lembranças de uma cozinha e da primeira galinha cheia" (2.12.2008), revelei um pouco de minhas vivências de menina sertaneja que bateu asas e voou, ultrapassando as fronteiras do sertão e que percorreu o mundo duas vezes carregando-o no peito.
A primeira, através da leitura. Ler é bater pernas pelo mundo… A segunda, presencialmente. É muito para quem não nasceu em berço de ouro e não é caixeira-viajante. Eu sei. Mas a medicina legou-me asas ("Ainda saudosa da cozinha no sertão, apesar da trabalheira", O TEMPO, 9.12.2008).
Sou daquelas que saboreia o que lê e se delicia lendo. Não à toa, duas ações referentes a livros e leituras exerceram enorme fascínio sobre mim.
A primeira, o Movimento Livro Livre, ideia quase simplória, mas de alcances pedagógicos e culturais incomensuráveis por compartilhar o prazer que a leitura pode proporcionar – "organizado por pessoas que creem que a leitura, a troca de ideias e o desapego podem ser estimulados e exercitados através de uma ideia simples, mas poderosa: a liberação de livros em espaços públicos, com o poder de transformar cada cidade em uma biblioteca a céu aberto". Simples. Basta deixar um livro, que gostaria de encontrar, em um lugar público. Por que a Prefeitura de Belo Horizonte não abraça a ideia de colocar uma sacola nos ônibus pra gente liberar livros nela?
A segunda atitude em relação à leitura é um movimento que visa a resgatar o prazer de ler ("slow reading"), algo como o saborear livros, na contramão da "twitterização" da literatura, como disse João Victor Silva, em "Devagar", discorrendo sobre a degustação de tudo que pode ser feito mais devagar: "Assim como o ‘fast food’ (comida rápida) teve o movimento reverso, o ‘slow food’ (hábito de comer devagar), agora é a vez de desbancar o ‘speed reading’, ou leitura dinâmica. Bem-vindos ao tempo do ‘slow reading’ – a leitura que é feita lentamente com o objetivo de valorizar a reflexão". Ou apenas curtir preguiça, embalar uma soneca depois do almoço…
* A fada Sininho foi criada em 1904 pelo dramaturgo J.M. Barrie (James Matthew Barrie, 1860-1937) como uma das personagens de Peter Pan; a boneca Emília foi criada por Monteiro Lobato (1882-1948) em "A Menina do Narizinho Arrebitado" (1920). Ambas possuem um pó mágico: pó de pirlimpimpim.