“A Busca”: Olhar enviesado

Em narrativa que passeia por vários gêneros, diretor brasileiro estreante Luciano Moura mostra a desesperada luta do pai para encontrar o filho e descobre a si mesmo

O leitmotiv deste drama psicológico, espécie de roadmovie cheio de simbolismos, é o desespero do pai para reencontrar o filho que desapareceu de repente. Sua narrativa caminha em linha reta, como num game em que o jogador vai vencendo as etapas, até chegar ao final. A complexidade está mais nas intenções do diretor-estreante Luciano Moura em si do que nas contradições dos personagens. Eis uma das maneiras de o espectador ver este “A Busca”, sem se aborrecer. Assim fica mais fácil captar seus acertos e fragilidades.

A primeira parte do filme é construída, a partir do desaparecimento do garoto Pedro (Brás Moreau Antunes). O game começa não com pistas falsas, mas com indicações, como nos contos de fadas, de que Pedro esteve ali. Seu pai, o médico Théo (Wagner Moura), e a mãe Branca (Mariana Lima) vão tateando até que o enigma se desfaça. Surge então o controverso impasse: o casal está se separando. É o gancho para o espectador entender, desde o início, o tipo de filme que está vendo. E não tem nada a ver com o thriller que mescla vários gêneros cinematográficos ao longo de 96 minutos.

Moura e sua corroteirista Elena Soarez fazem Théo percorrer os fios, num desespero que beira o irracional, o mesmo dos cães presos no canil, sem reflexão alguma. As sequências no aglomerado, que indicariam sequestro relâmpago, são desmontadas para o aprazível. “Você viu meu filho! repete o atarantado Théo. E parte para outro anel do fio. O balseiro e sua mulher também lhe dão pistas concretas, como o canavieiro, o idoso cardíaco, caindo cada peça do game, sem que o alvo se mostre. Cria, é claro, a expectativa de que ele está na pista certa e sob a tensão de Branca: “Traga meu filho!”. “Traga meu filho!”.

Théo é pai e marido ausente

A segunda parte de “A Busca” é a mais interessante, pois o game, ao invés de desvirtuar, insere Théo em seu universo real e o ajuda a compreender sua busca insana. Os jovens que encontra na estrada e a garota que o acolhe no acampamento, espécie de Woodstock sem rock, mostram-lhe que Pedro, embora vá completar 15 cresceu, sabe andar com as próprias pernas, por seus próprios meios. E ele não conhece o próprio filho. O parto que faz da garota é como seu renascer. Ele é o pai ausente à procura do filho que lhe é estranho.

Mas não é apenas isto. O que Moura plantou nas sequências iniciais da busca retorna com força. Embora Théo se descubra no pai ausente que é; ele também se redescobre no marido ausente que foi. A discussão dele com Branca, nas sequências iniciais, ganha sentido. Explicita que ele, ao procurar o filho, quer, na verdade, se reconciliar com Branca. Poderia, sem dúvida, terminar por aí, porém Moura, leva adiante a segunda parte com várias situações que tentam elucidar o sumiço de Pedro sem o fazer. São apenas interregnos, como o do homem que o atropela (Ruy Rezende), que nada acrescenta à trama, e o do borracheiro (Leandro Firmo da Hora), que antecipa a terceira parte.

Todo o foco narrativo, a partir daí, muda. Entra-se num simbolismo que ao invés de elucidar o enigma, desvirtua-o. Pai e mãe, às voltas com suas desavenças, esqueceram dos elos que prendem o filho às suas raízes. O que era para ser o clímax torna-se o anti-climax. Moura desfaz toda a construção narrativa anterior para introduzir outra questão: a da relação de Théo com o pai (Lima Duarte). O que dilui a expectativa do espectador. Théo, aparentemente, é um ser desenraizado. Precisa, urgentemente, refazer seus liames familiares e amorosos. O sorriso enigmático de Branca deleitando-se na piscina bem o confirma.

Olhar sobre o Brasil profundo

Se o espectador se contentar com o desfecho poderá deixar o cinema satisfeito. “A Busca” é um filme que se envereda pelos grotões, para revelar outro Brasil. O dos deserdados vivendo em lugarejos sem telefone, em velhas casas à beira da estrada, nos aglomerados e à beira dos canaviais. E que usam o que adquirem para fins práticos, igual ao idoso que guarda o celular para emergências pessoais, o borracheiro que ajuda Pedro em troca de desenho, o balseiro que vive com família na balsa. É o Brasil profundo, ainda não inserido nas últimas conquistas sócio-econômicas.

Visto, assim, “A Busca” escapa ao estigma de filme de fim de tarde na TV a cabo. Prende atenção. A questão é que lhe faltam situações que reforcem os conflitos entre Théo e Branca; explicite o distanciamento do filho, suas contradições com o pai e, principalmente, a maneira como se reconcilia com ambos. Desfazer o enigma do sumiço do filho metaforicamente enfraquece a terceira parte do filme. Passear por vários gêneros com fios que não se amarram no final pode resultar num anti-climax insatisfatório. É o que se vê.

“A Busca”. Brasil.
Drama psicológico.
2012. 96 minutos.
Trilha sonora: Beto Villares.
Fotografia: Adrian Teijido.
Roteiro: Elena Soarez, Luciano Moura.
Direção: Luciano Moura.
Elenco: Wagner Moura, Mariana Lima, Brás Moreau Antunes, Lima Duarte, Ruy Rezende, Leandro Firmo da Hora.

(*) Festival do Rio 2012: Prêmio Melhor Filme Júri Popular.

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