A ressurreição de Maniqueu

Maniqueu (ou Mani) foi o profeta fundador de uma filosofia religiosa dualística que, em suma, divide o mundo de forma simplória entre as forças do Mal e do Bem: o maniqueísmo.

Anos atrás, o ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, parece que incorporou o espírito de Maniqueu e dividiu o mundo, seguindo à risca os preceitos maniqueístas, entre um eixo imaginário do Bem (EUA e aliados) e outro do Mal (Irã, Cuba, Coréia do Norte e outros países não alinhados à Washington). A moda parece que pegou, inclusive na esquerda.

Essa religião (verdadeiro dogma) vai se espalhando pelo mundo e conquistando adeptos. O jornalismo, por exemplo, está repleto de maniqueístas que adoram simplificar a cobertura dos fatos. Deste modo, um noticiário policial se transforma na luta entre o Bem (mocinhos) e o Mal (vilões). Poucos são os canais de comunicação que deixam o sensacionalismo simplista de lado para aprofundar na discussão da complexa interação entre as causas e efeitos de uma sociedade cada vez mais pautada por valores individualistas.

No jornalismo político o maniqueísmo ganha contornos ainda mais agudos. A nova Guerra Fria está cada vez mais em pauta. A direita, para promover os valores liberais, ataca os países revolucionários, restaurando dogmas, preconceitos e valores ultrapassados. De outro lado, parte da esquerda, caindo na armadilha, desconsidera o processo histórico e as leis objetivas do desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo e abre fogo indiscriminadamente contra os governos burgueses. Como duas torcidas organizadas dentro de um estádio, disputam quem grita mais alto as velhas e surradas palavras de ordem.

Mesmo com todo o ataque midiático desferido diuturnamente pelos grandes canais de comunicação, é necessário que a esquerda seja capaz de extrapolar esse maniqueísmo simplista e, quando necessário, fazer na prática a tão propalada autocrítica (algumas até mesmo em público) no sentido de superar suas limitações à frente dos governos. Os países socialistas não são paraísos terrestres e tampouco as nações capitalistas agonizam no “fogo e ranger de dentes”. A questão fundamental é assumir que o capitalismo trouxe amplas conquistas civilizatórias e que, na época presente, se exige sua superação rumo a um sistema mais avançado: o socialismo.

Combater o maniqueísmo não é promover a “conciliação de classes”. Muito pelo contrário, visa desnudar as contradições existentes entre estes dois modos de produção (capitalismo versus socialismo), indo muito além dos xingamentos e ofensas fortuitas, tão em voga nas redes sociais. Talvez fosse mais fácil tivéssemos sempre duas escolhas para fazer. Mas principalmente na arena política não é assim que a banda toca. Entre o preto e o branco há todo um amplo espectro de tonalidades.

No processo histórico existe um mar de contradições. Muitas delas, quando solucionadas, geram novas contradições. A atual crise global faz acirrar as disputas entre as nações e aumenta as tensões no planeta. É necessário enfrentar o jogo imposto pelas potências centrais, mas em novas condições. É necessário reciclar posturas e condutas que levam ao personalismo e desmerecem o papel da democracia, da participação popular e da organização partidária. O comandante-em-chefe sempre será o Partido da Classe Operária.
O inimigo externo é perigoso, mas o interno também o é. A abordagem simplória entre o Bem e o Mal desguarnece e enfraquece a luta ideológica e dá munição ao adversário. Na política, assim como no futebol, o Fla-Flu é sempre o “ai, Jesus”!

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