“Uma Primavera Com Minha Mãe” Escolha pessoal
O direito à escolha diante do inevitável e o difícil relacionamento entre mãe e filho são os temas deste filme do cineasta francês Stéphane Brizé
Publicado 17/10/2013 09:53
“Uma Primavera com Minha Mãe” é daqueles filmes que, embora o cineasta francês Stéphane Brizé (1966) o mantenha sob controle, termina por deixar o espectador num dilema existencial. Seu andamento equilibra-se entre os impasses entre mãe e filho e as carências de dois seres solitários. Há sempre algo incompleto, o irreconciliável, a necessidade de explosão para as mágoas, enfim, emergirem. É, sobretudo, uma história linear, dessas que se acompanha sem dificuldade. Tudo isso até certo ponto.
O filme segue a linha do cinema francês atual, de pequenos filmes, com poucos personagens e uma boa história. Brizé e sua co-roteirista Florence Vignon estruturam o eixo central na relação do motorista de caminhão Alain Evard (Vincent Lindon) com sua mãe Ivette Evard (Héléne Vincent) e três outros fios que ajudam apreender os conflitos entre eles. Viúva, ela vive sozinha, ele retornou à Haute-Saône depois da prisão, e tenta recompor sua vida.
Aos 48 anos, sem companheira ou amigos, Alain tem na mãe seu único “apoio”. Ela, por sua vez, o vê como intruso em sua vida, pois se sente vítima do que ele fez. A tensa e amargurada relação entre eles torna-se, assim, insuportável, dada às agressões, os silêncios e o rancor de parte a parte. O equilíbrio entre eles é dado pelo vizinho Lalouette (Olivier Perrier), amigo de ambos. É ele que evitará as mútuas agressões, isto quando consegue.
Alain esconde seu passado
O segundo fio da narrativa é Clémence (Emmanuelle Seigner), namorada de Alain. Bela, independente, ela busca um relacionamento aberto, sem compromisso, que ele não consegue entender. Seus tormentos pessoais e os conflitos com a mãe o impedem. Numa vertente do ex-presidiário que uma vez liberto tem dificuldades de adaptação à nova realidade e de relacionar-se afetivamente. Inclusive por trabalhar agora como auxiliar numa usina de reciclagem de plástico. A precariedade do trabalho aumenta seu receio de abrir-se com Clémence.
“Você é um babaca”, ela lhe diz, diante da insegurança dele. A ela parece que ele, no limite, não quer manter um relacionamento maduro, honesto. E Alain não consegue transmitir-lhe a contento suas impossibilidades. Quando lhe revela seu passado soa como algo culposo, vergonhoso. Nem consegue entender o tipo de mulher que ela é. A isto se soma sua relação com outra mulher, sua mãe. O cotidiano deles juntos é repetitivo, comum, sem oscilações. Nenhum deles satisfaz as carências urgentes das quais necessitam para tornar suas vidas menos árduas.
Trata-se, deste modo, das dificuldades não de relações entre gerações, mas da incomunicabilidade predominante na sociedade de consumo. Estão no mesmo espaço-ambiente e não se veem. Só se enxergam quando um deles muda o canal da televisão. Mesmo no interior, nas cidadezinhas, este tipo de comportamento impera – a uniformização tornou-se padrão para a classe média. Ivette e Alain nem se dão ao trabalho de superar seus impasses. Brizé só interrompe este andamento para intercalar entrechos sobre os exames de saúde dela, sem maiores explicitações.
Opção terminal, escolha pessoal
É o terceiro fio que irá revelar, sem psicologismos, o comportamento tenso, arredio, agressivo de Ivette e mudar o andamento do filme. De drama intenso, realista, para drama existencial. O que os entrechos expunham torna-se o centro da ação. De introspectiva, Ivette torna-se mais aberta, menos temerosa de seu futuro. Termina por revelar ao filho o que sofre e o que lhe resta. A reação dele é menos sofrida. Todo rancor ainda reprimido se desfaz em função de algo vital. E mesmo com estas mudanças narrativas, Brizé as mantém sob controle.
Não se trata de drama hollywoodiano sobre culpa, perdão e redenção, ao estilo judaico-cristão. Brizé prefere tratá-lo como questão pessoal, solitária, de interesse de mãe e filho. Este nem mesmo opina. Tampouco ela especula sobre o Além. Prefere fazer a escolha que a evite sofrer. A entidade, “Associação” que se incumbirá de sua escolha, não tem outra função senão explicar-lhe de que se trata. As sequências em que isto se dá tratam do fim da existência, sem interferência do estado ou da religião.
Pode-se argumentar que Brizé deu poucas pistas para terceira parte da narrativa. Não se trata, porém, de uma narrativa de suspense, em que haja preparação e desfecho, mas de entrechos em que as sequências se sucedem sem previsibilidade. O que ajuda no desfecho – surpreende e contribui, e muito, para a reflexão sobre o direito do ser humano à escolha que o aliviará do sofrimento, diante do inevitável.
É diferente das interferências externas denunciadas pelo italiano Marco Bellocchio (1939) em seu “A Bela Que Dorme” (2012), em que o Estado e o Vaticano se aliam para impedir que a família da doente terminal opte por desligar o aparelho que a mantinha em vida vegetativa. Brizé aponta outra saída, mais condizente com o sentimento de cada ser humano frente à dor e a morte.
“Uma Primavera Com Minha Mãe” (“Quelques Heures De Printemps”). Drama. França. 2012. 93 minutos. Música: Nick Cave/Warren Ellis. Fotografia: Antoine Héberlé. Roteiro: Stéphane Brizé/Florence Vignon. Diretor: Stéphane Brizé. Elenco: Vincent Lindon, Héléne Vincent, Emmanuelle Seigner, Olivier Perrier.