“É preciso o Partido em tempestade”
“A Conferência Nacional Extraordinária do Partido Comunista do Brasil de 18 de fevereiro de 1962 assegurou a sua reconstrução revolucionária, superando um surto liquidacionista e a tentativa do grupo dirigente de impor uma estratégia e uma tática oportunista de direita consubstanciada na Declaração de Março de 1958.”
Publicado 18/02/2020 10:54
Há quase meio século, quando em finais de 1972 ingressei nas fileiras do Partido Comunista do Brasil, tomei este verso – “É preciso o Partido em tempestade” – dum poeta clandestino de identidade até hoje desconhecida para mim como um mandamento de vida.
Com ele, uma geração de jovens comunistas enfrentou a quase impossível tarefa – nas condições de dura clandestinidade, imposta por um regime de facínoras – de construir política, ideológica e organicamente um partido comunista revolucionário, de classe e de combate.
Um documento do Comitê Central da época, contendo orientações táticas para enfrentar a ditadura, que acabara de entrar na sua fase terrorista, fazia-nos um veemente apelo: “Preparar o Partido para as grandes lutas”.
Centenas dos nossos camaradas foram presos, torturados e assassinados. Destaco a saga heroica dos dirigentes mortos nos cárceres, os que caíram em combate ou em meio à realização de tarefas clandestinas. Carlos Danielli, Lincoln Oest, Linclon Bicalho Roque, Pedro Pomar, Ângelo Arroio, João Batista Drummond, Maurício Grabois, Osvaldão e todos os jovens guerrilheiros do Araguaia. Presentes! Perante sua memória, inclinamos nosso estandarte e cerramos nossos punhos. Em seu nome, vale reafirmar que não será das nossas mãos que esta bandeira cairá.
Na celebração do 18 de fevereiro, invocamos também a memória do camarada João Amazonas, que dirigiu a construção do Partido durante 40 anos. Até os últimos instantes de sua vida, fez-nos jurar – aos que então compúnhamos o Secretariado Nacional – que levaríamos adiante a edificação do Partido e seu fortalecimento político, ideológico e organizativo, por cima de quaisquer circunstâncias. Não defraudaremos.
A Conferência Nacional Extraordinária do Partido Comunista do Brasil de 18 de fevereiro de 1962 assegurou a sua reconstrução revolucionária, superando um surto liquidacionista e a tentativa do grupo dirigente de impor uma estratégia e uma tática oportunista de direita consubstanciada na Declaração de Março de 1958.
Aquela Conferência rompeu com a linha oportunista, que propunha a renúncia aos objetivos socialistas e a subordinação dos interesses do proletariado a setores da burguesia nacional, uma falsa aliança, uma frente com escopo e finalidade errados. A propósito, recomendo vivamente a leitura do artigo “Duas Concepções, duas Orientações Políticas”, de Maurício Grabois, então porta-voz da ala revolucionária nos debates prévios ao quinto congresso do PCB (1960). Estava em jogo a própria existência de um partido comunista marxista-leninista e portador de uma linha política revolucionária.
A reconstrução do Partido, para além da formulação de uma estratégia e uma tática justas, teve por foco também a afirmação da corrente marxista-leninista no âmbito do movimento comunista internacional, vulnerada pelo revisionismo do setor dominante da direção soviética a partir do 20º Congresso do PCUS, em 1956.
A Conferência de 18 de fevereiro de 1962 foi um marco decisivo na história do Partido, garantiu a continuidade histórica e nos trouxe ao centenário que vamos comemorar em 25 de março de 2022, como Partido Comunista do Brasil, com a bandeira vermelha e o símbolo da foice e martelo.
Chegamos a este 58º aniversário da reorganização com mais uma importante vitória da militância, que embora enfrentando as dificuldades da construção orgânica, sob o influxo de pressão ideológica e acossada por teses liquidacionistas, fez recuar a proposta amplamente difundida nos últimos três meses de mudar o nome e o símbolo do Partido, na medida em que se pronunciou em reuniões e nas redes sociais.
É uma vitória épica que enche esta mesma militância de convicções e energias para novas e maiores batalhas que virão no curto e médio prazos. Afinal, meios de comunicação a serviço das classes dominantes reacionárias e do imperialismo reverberam opiniões de que o PCdoB não chegará ao seu centenário como tal, mas metamorfoseado política e ideologicamente, sem expressão orgânica, de massas e eleitoral, diluído numa coalizão de centro-esquerda.
Igualmente, faz parte desta vitória contra o liquidacionismo o empenho recentemente iniciado para superar as vicissitudes do quadro político atual e os empecilhos interpostos à atuação institucional dos comunistas por uma legislação eleitoral elitista, antidemocrática e excludente.
A preparação em curso para o embate eleitoral deste ano tem méritos, porquanto representa a aturada busca para tornar competitiva a legenda dos comunistas – PCdoB. Todos os procedimentos táticos que estão a ser adotados no período pré-eleitoral, na composição das chapas proporcionais e no lançamento de candidaturas próprias a prefeituras se desdobrarão na campanha partidária e não de um movimento sem identidade comunista. Esta em nada contradiz com a luta ampla por cidades mais humanas, democráticas, civilizadas, menos ainda com o apelo à unidade democrática.
O Movimento 65 não é um estágio nem um teste para a posterior liquidação do Partido via mudança de nome e símbolos. É um meio para agrupar candidatos progressistas, um método para contornar as dificuldades do embate eleitoral. Uma vez aberta a campanha, esses candidatos concorrerão a mandatos com a legenda partidária. Os militantes e simpatizantes, bem como os candidatos recrutados para este movimento pedirão votos para a legenda PCdoB e, quando for o caso, para algum partido aliado em disputas majoritárias.
Incorpora-se também à vitória alcançada sobre o liquidacionismo o progressivo amadurecimento da inteligência coletiva no debate sobre a flexão tática necessária na atualidade. Os comunistas defendem a unidade das forças democráticas, patrióticas, populares, progressistas e anti-imperialistas, convictos de que isto tem equivalência em outra vertente da sua atuação – o trabalho entre as massas populares. Para os revolucionários, a unidade sempre foi a bandeira da esperança. É um princípio, não um modismo, uma necessidade histórica, não uma manobra a favor de indivíduos, grupos de interesses, coletivos territoriais, por mais legítimos que sejam os interesses em cena. A unidade é um princípio da linha revolucionária do PCdoB, e se constrói por meio de uma tática simultaneamente combativa, ampla e flexível. Expressa-se e concretiza-se na composição de uma frente de forças, partidárias ou não, com caráter democrático, antifascista, progressista, patriótico e anti-neoliberal. Por óbvio, seria um contrassenso se a frente não fosse ampla, mas isto nada tem a ver com a subordinação das forças populares, progressistas e partidos de esquerda a facções golpistas das classes dominantes, corresponsáveis pela atual tragédia nacional. Tampouco isto tem a ver com previsões ou desejos sobre que amplitude terá a frente em conjunturas ainda não configuradas. Elucubrações, interpretações exóticas e tergiversações são alheias à formulação científica da tática e da estratégia revolucionárias para a luta democrática.
A existência de uma vanguarda política e ideológica das classes trabalhadoras, cujo programa máximo é a conquista do poder político para construir o socialismo no Brasil, não é alheia à realidade nacional, mas parte dela, como também do curso político.
Aparentemente, num quadro de derrotas históricas e conjunturais, a realidade emprestaria razão aos que, ignorando as leis objetivas do desenvolvimento da sociedade, tomam por anacrônica e distante da realidade brasileira a existência do Partido Comunista e como saudosismo a celebração de uma efeméride como esta, da sua reorganização revolucionária no Brasil.
A defesa do caráter do Partido Comunista é uma necessidade histórica. A existência do Partido Comunista não se subordina ao voluntarismo nem a falsas teorizações sobre a “ressignificação do socialismo”, a “renovação” em abstrato, a superação da revolução política e social, a extinção da luta de classes e, por conseguinte, da missão histórica do proletariado e de uma força de vanguarda. Muito menos a interesses imediatistas da conjuntura eleitoral.
Tendo tal dimensão, a defesa do caráter revolucionário do partido comunista é também uma ação ampla e uma parte do empenho pela unidade. Insere-se nos esforços para construir o sujeito político da luta pelo socialismo, o grande exército político de massas da revolução brasileira, com os conteúdos e formas próprios da época presente. Na realização dessa tarefa mantemos frutífero diálogo e positiva interação com outras forças de esquerda que têm o socialismo como meta, convictos de que um partido revolucionário é um instrumento indispensável para os grandes combates do nosso tempo e a realização das grandes tarefas históricas.
Ao celebrar o aniversário da reorganização revolucionária do PCdoB e com a mirada voltada para a comemoração do centenário de sua fundação, repetimos com o camarada-poeta clandestino: Sim, “é preciso o Partido em tempestade”. Dela não fugiremos e nela o Partido Comunista do Brasil não faltará.