Urariano Mota: Por que a bandeira do Partido?

Não sei como veio o salto do livro e da morte para a bandeira do partido. Mas sei que veio com força o desejo de ver a bandeira, que significava, “esta é a sua identidade”.

Copio das páginas do romance A Mais Longa Duração da Juventude:

Então, de repente, mais de repente que a sua própria morte, me atinge o pensamento como um raio na tarde:

– Luiz do Carmo tem que ser enterrado com a bandeira do partido. Ele não pode partir sem a bandeira do partido.

Para mim, no momento, é oculto o processo de luz, emoção, que resulta na necessidade do seu caixão se envolver com a bandeira vermelha da foice e martelo. Não sei como veio o salto do livro e da morte para a bandeira do partido. Mas sei que veio com força o desejo de ver a bandeira, que significava, “esta é a sua identidade”. E o cheiro de álcool, de bagaço, da cana esmagada de Goiana me chegou mais forte. Lembranças têm cheiro. E veio a fragrância da aguardente, de outra mesa, em outro lugar e dia, quando ele me falou que um dos valores máximos da sua vida era o partido. E a literatura, que ele não declarou, mas sei agora, como se fosse um amor escondido, clandestino, paixão pecaminosa, de tabu, que o fez morrer na mesa de um bar, comemorando a publicação do novo livro.

Na hora, o que me assalta em mistura de alegria, dor e angústia em mais um movimento absurdo, inexplicável, de dor e alegria em um só sentimento, é a urgência da bandeira do Partido Comunista do Brasil. Para os ateus, ou como falaria Luiz do Carmo, “para os materialistas históricos, dialéticos, sob as luzes de Marx, Engels e Lênin”, onde falta Deus há uma continuação da vida na luta histórica da militância. Quem é de fora não entende. É mais que a perpetuação de um só personagem, como o Fantasma do gibi, das histórias em quadrinhos. Na historinha, as gerações se sucedem e vestem o mesmo uniforme e máscara, de tal modo que serão sempre o mesmo Fantasma. Mas não como os militantes comunistas. Eles são mortos, falecem, caem, mas os que ficam vão para o lugar do que se foi ou partiu. E o que se foi continua em nova vida pelo fio histórico da atividade partidária. Isso eu compreendia, dentro de uma compreensão cética. Mas ali, quando me ocorreu a necessidade da bandeira do partido em seu caixão, os motivos eram outros. Os motivos não eram assim desse modo grandiloquente, ou pelo menos guardavam uma distância do extraordinário, do retumbante. Quero e preciso dizer: quando eu vagava em um vale de almas penadas sem uma razão para a vida, me veio a bandeira vermelha, que era uma razão para ele. Mas uma razão que traduzo de modo diverso, quando procuro o terrorista a partir daquela noite no puteiro da Vigário de Tenório. O tecido vermelho se abre mais amplo e sob ele caminhamos sem que nos tivéssemos dado conta, desde 1969. Como vou escutar Ella Fitzgerald sem ter nem um toca-discos?

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