Bolsonaro faz real ocupar rabeira da economia mundial

A posição do real como a moeda que teve a maior queda em 2020, segundo a consultoria financeira Refinitiv, é mais um sintoma dos dilemas enfrentados pela economia brasileira sob o governo Bolsonaro. O fenômeno ocorre exatamente em um momento de enfraquecimento do dólar globalmente, decorrência da política de impressão trilionária do Banco Central dos Estados Unidos – o Federal Reserve (Fed) –, o que faz do real uma das poucas moedas a se desvalorizar.

Pesa, evidentemente, a crise do coronavírus, mas o real tem outros fatores que afetam a sua credibilidade. O principal, no entanto, é o fracasso da gestão de Bolsonaro e Paulo Guedes, cujo resultado é uma severa recessão e fragilização da economia nacional. Conjunturalmente, pesa as insatisfações e a desconfiança do mercado financeiro quanto à capacidade do Estado de garantir o giro do mercado financeiro. Há ainda as dificuldades de cumprimento das promessas do ministro da Economia, Paulo Guedes, como as reformas tributária e administrativa, além dos obstáculos à sua meta de privatizações selvagens.

O que mais afetou mesmo a credibilidade do real no mercado financeiro, nesses últimos dias, foi o Renda Cidadã. A Bloomberg, agência de notícias especializada no setor, ouviu representantes do rentismo, todos apontando esta como a causa principal da debacle da moeda brasileira. Para eles, há uma contradição antagônica entre as juras do governo de que defende o teto de gastos e a “responsabilidade fiscal”, e planos como a Renda Cidadã.

A ideia, apresentada como um novo programa social financiado com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e precatórios (dívidas da União reconhecidas após decisão definitiva na Justiça), foi entendida como “pedalada fiscal”, na prática o adiamento do problema, que mais à frente pode se tornar despesa para o Tesouro. Guedes voltou atrás, mas não explicou como resolveria o impasse. Limitou-se a dizer que, como se trata de uma despesa permanente, terá que ser coberta por receita permanente.

Os impasses do governo prosseguem também com a falta de perspectiva de uma retomada da economia. O horizonte de incertezas que se apresenta para o país tem como pano de fundo a ausência de investimentos – públicos e privados – e a queda no consumo – que tende a se agravar se Bolsonaro e Guedes cumprirem a promessa de cortar o auxílio emergencial pela metade para depois extingui-lo no final do ano –, decorrente sobretudo do desemprego recorde, variáveis fundamentais para uma retomada efetiva das atividades econômicas com alicerces para impulsioná-las.

Os investimentos também apresentam indicadores altamente negativos. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um recuo de 15,4% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) entre abril e junho, em comparação com os primeiros três meses do ano. Com isso, a chamada formação bruta de capital fixo – investimentos que ampliam a capacidade da economia – caiu para um patamar equivalente a apenas 15% do PIB.

A atual taxa de investimento está 36,5% abaixo do nível do primeiro trimestre de 2014, que foi o pico do indicador antes da sucessão de crises econômicas enfrentadas pelo país. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2019 o Brasil ocupou o 16.º lugar na lista das economias com piores taxas de investimento em proporção ao PIB, de um total de 170 países analisados.

Já o consumo das famílias, segundo o Relatório Trimestral de Inflação de setembro do Banco Central, despencou 12,5% no segundo trimestre, na comparação com o trimestre anterior. Há ainda a quebradeira de empresas que, conforme projeções do IBGE, já ultrapassa um milhão. Sem crédito e ser socorro do governo, a tendência é de progressão indefinida de falências. Em resumo: com essa política macroeconômica e com o governo Bolsonaro, não há perspectivas de medidas fundamentais para a retomada do crescimento e a consequente geração de emprego e renda.