“Deus e o diabo” – coroamento de Glauber
“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, filme de Glauber Rocha, representa um marco significativo no cinema brasileiro, sintetizando a busca por uma linguagem nacional e autêntica.
Publicado 26/06/2023 11:40 | Editado 26/06/2023 09:31

Difícil, se não impossível, seria sintetizar e discutir, dentro dos limites de uma crônica, toda a significação que tem o filme de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, para o cinema brasileiro. Isso considerando-se o filme como coroamento de toda uma atividade teórico-crítica que o cineasta vem desenvolvendo desde muito jovem. Fazendo dois curtas-metragens, um longa-metragem (“Barravento”) e escrevendo um livro (“Revisão Crítica do Cinema Brasileiro”) que lhe proporcionou uma visão global do cinema no Brasil, Glauber estruturou a formação necessária para atacar os problemas da busca por um cinema caracterizadamente nacional. Paralelamente, enquanto entrava em contato com as obras dos grandes cineastas do passado e do presente, estabelecia mentalmente as bases da sua própria linguagem. Além disso, seguindo aquela máxima de que o cinema jovem deve se fazer com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, num regime de produção independente, Glauber possibilitou o domínio de toda a realização por um único artista: surge integralmente, no Brasil, o filme de autor…
Antônio das Mortes, poderíamos dizer, é um segundo personagem-eixo: “matador de cangaceiro”, não é, porém, a serviço do “dragão da riqueza” que destrói os fanáticos e o bando de Corisco. O personagem não tem, nem poderia ter, a consciência do momento histórico, mas sente que não é através de Sebastião ou Corisco que será encontrada a redenção do Homem: “para haver uma guerra muito maior neste sertão” é que acaba com ambos, concorrendo para a libertação de Manuel, livre agora da “cegueira de Deus e o Diabo”.
Glauber fez um filme rigoroso: não se atendo a um realismo documental; imprime, quando sente necessário, um caráter de fábula à história, fazendo de seus personagens não autênticos em relação a um levantamento de dados catalogados, mas autênticos em relação à sua intenção de criador. Vai mais longe: divide seus personagens em “reais” e épicos: Manuel é o vaqueiro real; Sebastião e Corisco são personagens lendários da mesma maneira encontradiços nos romances populares do Nordeste. Uma distinção é, porém, necessária: enquanto nos “romances”, como arte popular, encontramos uma intuição primitiva, um material bruto a ser explorado, em “Deus e o Diabo…” temos este material acrescido de um processamento intelectual, um tratamento erudito com intenção e endereço certos. Assim, a “inautenticidade” dá lugar a uma perfeita unidade de expressão e sentido.
Em seu livro “Revisão Crítica…”, Glauber apregoa o cinema como forma de ação, como instrumento de mudança integrado ao desenvolvimento social. Pergunta-se porém: até que ponto ele o conseguiu com “Deus e o Diabo…”, até que ponto o filme pode ser apreendido por uma plateia popular de cinema? Na verdade, o filme tem elementos tirados diretamente da cultura popular sertaneja, mas quando são esses elementos apreendidos por um proletariado urbano? Conhecendo o roteiro, notamos que em certos aspectos ele é bem mais claro e fácil (no bom sentido); o que teria ocasionado o seu novo tratamento, seriam então dificuldades de produção, ou uma certa paixão do seu autor pelo emprego de pesquisas de expressão há tanto tempo guardadas. É, porém, querer muito, exigir de “Deus e o Diabo…”, onde existe uma personalidade criadora definida, uma vitória completa de intenções.
Jornal do Commercio, Recife, maio de 1966.
Texto reproduzido no livro Cinema Brasileiro (Volume I)
3 mil pessoas viram a mostra do Super 8
Cerca de 3 mil pessoas assistiram, no Teatro do Parque, à I Mostra Recifense do Filme Super 8, o que representa, somente a partir daí, uma tremenda vitória para esse movimento que se criou no Recife, tendo como pioneiro, ninguém pode negar, o crítico/cineasta Fernando Spencer.
Trinta e dois filmes foram exibidos, em média dez por dia. Filmes realizados por dezesseis cineastas, que receberam, imediatamente, um crédito de Cr$ 320,00 , numa firma especializada do Recife (Ralli), para aquisição de filmes virgens, revelação, som, o que preferissem, na bitola Super 8, naturalmente….
Para o Vivencial, de Jomard Muniz de Britto, houve um fato a registrar. É que um senhor, que se declarou Jornalista, Espírita e Teólogo, enviou uma carta ao cineasta declarando que, pelas blasfêmias que Jomard tinha praticado contra a Igreja Católica diante de uma igreja, Jomard poderá (ou deverá) ser punido em outras reencarnações. O filme Vivencial foi a documentação de uma peça teatral montada pelo grupo Vivencial, que tem a liderança de Guilherme Araújo.
Jornal do Commercio, Recife, em fevereiro de 1975.
Texto reproduzido no livro Super 8 & Outros – Cinema Brasileiro (Volume II)
Abaixo, o “filme-blasfêmia” de Jomard Muniz de Britto