Quem é a direita hoje?
Segmentos que orbitam em torno de Bolsonaro são reacionários, pois defendem o retorno do período da ditadura, com uma forte entrada nos militares e nas forças de segurança
Publicado 24/01/2025 09:33

As eleições de 2018 representaram um marco na consolidação da extrema direita pós-redemocratização. A eleição de Bolsonaro consolidou uma tendência de crescimento eleitoral das forças conservadoras, refletindo a reorganização da direita brasileira ao longo da década de 2010[i].
Para entender a atual composição do campo conservador, precisamos relembrar a década de 1990, que se destacou pela implementação das políticas neoliberais no Brasil. Privatizações, sucateamento dos serviços públicos, flexibilização dos direitos dos trabalhadores, enfim, uma série de políticas que tinham o objetivo de enxugar o Estado para os mais pobres. Essas políticas foram implementadas pelos partidos da direita tradicional.
Entendo como partidos da direita tradicional aqueles que saíram da ditadura e que precisavam da estrutura do Estado para sobreviver. Por meio do Estado, faziam clientelismo com as políticas públicas, mantendo uma grande parcela da população miserável do País sob seu jugo.
A eleição de Lula em 2002 representou uma vitória sobre os partidos da direita tradicional. Esse é um ponto crucial para que entendamos o atual período da luta política no Brasil. As sucessivas vitórias da esquerda se deram contra partidos da direita tradicional, que implementaram políticas danosas para a maioria do povo.
Um grande fator que contribui para as contínuas vitórias da esquerda foi a federalização das políticas públicas de redistributivas como o bolsa família e as políticas que giram em seu entorno.
Isso quebrou com um ciclo de dependência e controle dos setores mais pobres da direita tradicional.
Com a derrota das políticas neoliberais e seus representantes tradicionais, a direita precisou se reinventar. Entendo que a direita está dividida em dois campos atualmente: a direita tradicional – da qual falei há pouco – e a extrema direita.
A extrema direita é composta por dois segmentos: setores da igreja evangélica e a direita antipolítica, que possui dois subgrupos: os liberais conservadores que surgiram das manifestações de 2013/2014 e os grupos que se alinharam em torno de Bolsonaro.
A direita evangélica
Entre 1980 e 2010, a população autoidentificada como evangélica passou de 6,5% para 22%. Em 2024, os evangélicos representam aproximadamente 31,8% da população brasileira[ii]. Sabe-se que os evangélicos têm posições bem conservadoras em temas como aborto, papéis de gênero, homossexualidade e uma grande resistência aos direitos da comunidade LGBTQIA+.
No campo político, os evangélicos vêm crescendo de forma significativa. Em 1990, a bancada evangélica era 4% da Câmara dos Deputados (CD). Em 2019, já passou para 16,5%. Em 2024, já está em torno de 23% da CD[iii].
Outro ponto importante a ser destacado refere-se à organização partidária dos evangélicos. Na década de 1990, PFL, PP, PTB e PMDB respondiam por 73% das candidaturas à CD. Em 2014, esse percentual reduziu para 15%. A partir de 2014, as igrejas evangélicas neopentecostais passaram a controlar partidos como o PRB e PEN e a ter uma participação menor no PSC e Patriotas.
Importante destacar que já tivemos um período de convivência pacífica entre os evangélicos e a esquerda. Em 2002 e 2006, os setores mais relevantes dos evangélicos apoiaram Luiz Inácio da Silva e participaram dos respectivos governos. O início do afastamento se deu em 2010 (ano da decisão do STF reconhecendo juridicamente a união homoafetiva) e se consolidou no governo Dilma (entre 2011 e 2014). Um exemplo de pauta que foi afastando os evangélicos dos governos de esquerda foi o projeto Escola Sem Homofobia. Em 2018, as principais denominações evangélicas se alinharam ao candidato Bolsonaro.
A direita antipolítica: os liberais conservadores
Com as manifestações de 2013, a crise econômica de 2014 e os ataques da Lava Jato também de 2014, surgiram os movimentos liberais e conservadores (Revoltados Online 2013, MBL 2014, Vem Pra Rua 2014, Nas Ruas 2011). Esses movimentos têm em comum a pauta anticorrupção e a impunidade, a liberdade individual, a propriedade privada e a liberdade econômica. Conseguiram catalisar a indignação popular com a má prestação dos serviços públicos e a crise da política. São grupos militantes, atuam nas redes e nas ruas. Buscam o enfrentamento político, mas convivem com a democracia.
A direita antipolítica: a direita radical
Os segmentos que orbitam em torno de Bolsonaro são reacionários, pois defendem o retorno do período da ditadura, com uma forte entrada nos militares e nas forças de segurança. Pode ser caracterizado por ter uma concepção autoritária da sociedade, uma atuação populista, criando narrativas e agendas antissistema, com pautas ultraconservadoras, como Deus, Pátria e Família. Esse segmento não consegue conviver com a democracia.
Considerações finais
Apresentado o que é a extrema direita hoje, cabem algumas considerações.
No andar da luta de classes, precisamos ter em mente que, à medida que a esquerda vai implementando suas políticas públicas, que inserem na agenda política grupos historicamente marginalizados, que defendem os direitos humanos, enfim, que colidem com segmentos conservadores, vai gerando resistência e terá desdobramentos na luta política. Exemplo claro disso foi com o setor evangélico, que, enquanto as agendas dos governos de esquerda não colidiam com seus interesses, não se opôs aos governos de esquerda. Quando começou a haver colisão entre os interesses dos evangélicos e os do governo, se afastaram e se agruparam para nos enfrentar.
Era um movimento previsível e que merecia uma preparação por parte da esquerda. Não sei os porquês desse descuido com a luta de classes. Ingenuidade, não creio. Soberba, pode ser. Fato é que não estávamos (e ainda não estamos) preparados para a luta política. Exemplo de nossa falta de preparo para a luta atual foi o recente embate em torno do “PIX”.
A extrema direita é completamente diferente da direita tradicional, a qual vencemos no início dos anos 2000. A extrema-direita é militante, vai para o enfrentamento, tem uma grande capacidade de mobilização e não tem medo de defender suas ideias. Achar que esse enfrentamento será feito por meio dos instrumentos institucionais (SECON, por exemplo) é perder a luta antes dela começar. A luta política deve ser feita por todos (ver exemplo da deputada Érika Hilton).
Precisamos tomar uma decisão: 2025 tem que ser o ano de nossa organização. Só assim chegaremos preparados para os embates de 2026.
No canal do Youtube A Questão Política pretendo aprofundar mais esse e outros temas que dizem respeito à política. Convido a todas e todos para que se inscrevam no canal.
[i] Utilizei várias refecias desse livro: Para entender a nova direita brasileira: polarização populismo e antipetismo/ organizado por André Borges, Rober Vidigal. Porto Alegre: Zouk, 2023.
[ii] https://www.ecodebate.com.br/2024/02/19/catolicos-versus-evangelicos-no-brasil-guerra-de-posicao-x-guerra-de-movimento/?form=MG0AV3
[iii] https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/se-fosse-um-partido-bancada-evangelica-seria-o-terceiro-mais-oposicionista/?form=MG0AV3