2022: o que estará em jogo?

A verdade é que, sem uma composição mais ampla, o movimento democrático poderá dar com os burros n’água em outubro

Foto: Isac Nóbrega/PR

O que estará em jogo em 2022? Eis a pergunta central para quem deseja se orientar politicamente nas atuais circunstâncias brasileiras. Resposta: derrotar o fascismo e frear a destruição nacional que avançam sob Bolsonaro e se consolidarão com sua vitória em outubro. Como se dizia antigamente, eis o busílis do atual cenário político do Brasil. E tal desafio significa derrotar Bolsonaro nas batalhas políticas do ano, muito especialmente nas eleições de outubro.

Derrotar o capitão, no entanto, não é tão fácil como imaginam alguns. Ele dispõe do poder de fogo da Presidência, do amparo nada desprezível de parcela da população (incluindo setores das elites) e das belicosas milícias e falanges, da adesão (ao menos por ora) também nada desprezível de políticos do Centrão e de ponderável parcela  das Forças Armadas. A maioria dos analistas políticos são unânimes em prever turbulências na campanha eleitoral deste ano. “É provável que tenhamos uma guerra ainda mais suja que em 2018 e violências de toda ordem. Há quem acredite que Bolsonaro não entregará a rapadura recaindo para valer no golpismo a que nunca renunciou quando for derrotado”, escreve a jornalista Teresa Cruvinel. Jânio de Freitas garante que Bolsonaro ainda mantém o desejo de um golpe no bolso do colete. Para a também jornalista Miriam Leitão, “a incerteza não é dada pela polarização política, mas pela dúvida sobre quantas agressões o chefe do executivo fará contra o processo de escolha dos eleitores”. E por aí vão os prognósticos. Conclusão: não nos iludamos com as pesquisas de momento, muito menos com nossos desejos. Bolsonaro, a despeito de todo o desgaste que enfrenta, e de uma situação que não marcha a seu favor, ainda é um inimigo poderoso, que dispõe de razoável margem de manobra.

Convenhamos que, para derrotar um inimigo de tal dimensão, será necessário reunir um amplo e poderoso bloco antifascista e de defesa da nação, onde caberão todos os segmentos que, independentemente de inclinações políticas e razões ideológicas próprias e do passado próximo ou remoto, reconheçam o tenebroso risco da reeleição de Bolsonaro para a democracia brasileira. 

Situação excepcional

É bom lembrar que nos encontramos numa situação que foge da normalidade, isto é, uma situação excepcional onde o risco da consolidação do fascismo e da destruição nacional beira os calcanhares da nação. Os procedimentos políticos devem, portanto, se ajustar às circunstâncias concretas. A excepcionalidade de hoje lembra 1984, quando o desafio central (e crucial) do movimento democrático era derrotar a ditadura militar, em frangalhos, mas ainda poderosa. Este era o centro da tática de então. E para liquidar a ditadura, surgiu e se agigantou o memorável movimento das Diretas-Já e, em seguida, a união em favor da candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. E em torno dessa bandeira, reuniram-se forças política e ideologicamente díspares, incluídos aqueles que haviam perfilado com os governos militares e, dele se distanciando a partir das gigantescas mobilizações populares, reuniram-se na Frente Liberal. 

Recordemos. A Frente Liberal agregou personalidades como o então vice-presidente Aureliano Chaves, os senadores Marco Maciel, Jorge Bornhausen e José Sarney, entre outros, todos do PDS, partido de sustentação da ditadura, sendo Sarney seu presidente. A dissidência viabilizou uma composição com o PMDB e contribuiu significativamente para a vitória de Tancredo, a derrota garantindo a derrota da ditadura militar. 

José Sarney e Tancredo Neves na convenção nacional para homologação da candidatura de Tancredo Neves à Presidência, em 1984 I Foto: Marco Di Pietro/Agência O Globo

É bom destacar que parte da esquerda, após a derrota da emenda Dante de Oliveira, em abril daquele ano, partiu para o movimento Só-Diretas, recusando o Colégio Eleitoral. Ou seja: diretas ou nada. Ou seja, não reconheceu a mudança qualitativa na situação política, persistindo numa tática já vencida pelos fatos. Valesse tal movimento, Maluf teria sido eleito e a ditadura prosseguiria.

A campanha das Diretas-Já (e poderíamos citar outras, como o Fora Collor, por exemplo) apresentou lições de tática política que guardam atualidade. A principal delas: a importância das alianças políticas, por mais pontuais que sejam. Ou seja: sair sozinho ou sair com poucos para um embate eleitoral quase sempre significa derrota. E o grave, gravíssimo na excepcionalidade em que vive o Brasil de hoje, é que a derrota significa nada menos que a vitória do fascismo e a inevitável queda do Brasil para o fundo do poço.

Brincando com o fogo

Esta dura realidade é que alguns segmentos da esquerda não conseguem captar quando abominam qualquer movimento aliancista para além de uma frente de esquerda e bradam pureza por todos os cantos. Estão brincando com fogo. A verdade é que, sem uma composição mais ampla, o movimento democrático poderá dar com os burros n’água em outubro. E tal composição só poderá ser com o centro e mesmo para a centro-direita que estejam alinhados contra Bolsonaro. É preciso sublinhar que tais forças centristas é que estão aderindo ao itinerário proposto pela esquerda, e não o contrário. Estão sendo chamadas para unir-se em torno da candidatura de Lula, apresentando um nome para a vice e certamente haverá de concertar um programa mínimo de reconstrução nacional e garantir uma presença parlamentar capaz de sustentar a governabilidade, sem a qual nenhum governo sobrevive. 

Numa composição dessa natureza, é claro que a esquerda fará concessões programáticas aos setores que convida para a aliança, tomando como eixo estruturante a luta antifascista e o conjunto de iniciativas visando a salvação nacional. Este é o jogo político dentro de uma correlação de forças difícil para o movimento transformador. Os que não se conformam com isso, que leiam mais atentamente as elaborações de Antonio Gramsci a respeito.

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