A colisão é praticamente inevitável

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O presidente do STF, Luiz Fux, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente Jair Bolsonaro, durante declaração após reunião com ministros e governadores | Foto: Marcelo Camargo/AgBR

A vida não está fácil para Jair Bolsonaro: Lula obteve no Supremo a anulação dos processos conduzidos por Sérgio Moro que o condenaram, pressionado por aliados foi obrigado a despachar Pazuello, o cronograma de aquisição de vacinas cai por terra a cada semana, a pandemia foge totalmente de controle, Arthur Lira o ameaça de impeachment e Doria anuncia a entrada em fase de estudos clínicos da vacina Butanvac. Diante dessa avalanche de acontecimentos, nomeou um médico para o Ministério da Saúde, aceitou a formação de um comitê de crise, passou a admitir que a vacinação é a solução e até de máscara começou a aparecer em público. Tais mudanças seriam sinais de novos tempos?

Não há dúvidas de que a volta de Lula ao tabuleiro político incomoda o Capitão, assim como a queda de sua popularidade diante do avanço da pandemia e do agravamento da crise econômica que levou até mesmo um grupo de economistas e banqueiros a exigir medidas eficientes de combate à crise sanitária. Tais fatores com certeza contribuíram para suas mudanças de comportamento, se é que podemos chamar de mudanças, mas o fator determinante não é nenhum destes. O fator principal de tais mudanças, ou encenação de mudanças, no entanto, se chama Centrão, nas figuras dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Quais são os interesses do Centrão, analisaremos mais à frente.

O fato é que Rodrigo Pacheco – com o poder de abrir imediatamente a CPI da pandemia, que já tem assinaturas suficientes – e Arthur Lira –  com dezenas de pedidos de impeachment nas mãos, bastando uma canetada para dar início a um deles – colocaram a faca no pescoço de Bolsonaro, exigindo mudanças radicais na condução da política sanitária. Acreditam os dois, com o poder da faca, que conseguirão fazer aquilo que os militares se propuseram e não conseguiram, ou seja, tutelar o governo e enquadrar o insano. Convenhamos, no caso dos militares não houve grandes esforços, pois não pensam muito diferente daquele que pretendiam tutelar.

A primeira exigência da dupla representante do Legislativo, para uma guinada na política sanitária, era o afastamento de Pazuello. Muitos interpretaram tal pressão como sendo resultante da permanente ganância do Centrão por cargos e como uma cobrança de pagamento da fatura do apoio do grupamento ao governo. Um grande engano. Bolsonaro tensionou e resistiu até onde pôde e quando decidiu mudar, aplicou uma homérica rasteira em Lira. Acatada a mudança, o presidente da Câmara indicou Ludhmila Hajjar, uma profissional reconhecidamente competente e qualificada para formular uma política de saúde consistente. Ao tempo que Bolsonaro simulava a possibilidade de acatar a indicação, a família miliciana mobilizou a tropa de fanáticos para que, sob as mais terríveis ameaças à sua integridade física, para que a médica fosse obrigada a desistir.

Para não dizer que não acatou a exigência, pelo menos nomeou um profissional da Saúde que, obviamente, Bolsonaro espera que cumpra o mesmo papel de capacho do ministro general exonerado. De qualquer forma, ainda que tenha afirmado que a política de saúde é a do Presidente e tenha descartado um lockdown nacional, Queiroga passou a falar em uso de máscara, distanciamento social, vacinação, apoio aos estados e municípios. A nova exigência do Centrão, para que pelo menos estas proposições do novo ministro se efetivassem, era a constituição de uma estrutura de coordenação, com a participação direta de Pacheco e Lira. Bolsonaro então anunciou reunião entre os Três Poderes, mas ao contrário de ser uma reunião de trabalho, tentou dar uma demonstração de força perante Lira e Pacheco. Convocou para o encontro não só uma tropa de assessores e ministros, como também sete governadores aliados, excluindo os demais, o que causou desconforto aos representantes do Legislativo e do Judiciário.

Bolsonaro acatou a formação do comitê de crise, mas vetou a participação dos governadores que não o apoiam e impôs a condição de ele próprio ser o coordenador, o que coloca um enorme problema para tal articulação pois, convenhamos, falta-lhe capacidade intelectual e sobra-lhe mediocridade, não havendo a mínima condição para coordenar qualquer coisa. Acatando tal constituição, Pacheco e Lira colocaram duas exigências capitais: a articulação com os governadores e mudança na política externa para que se viabilizem negociações internacionais em torno das vacinas. Pacheco saiu da reunião com a incumbência de articular com os governadores e a questão externa ficou sem resposta.

Ainda que tal articulação venha a surtir algum efeito no que diz respeito ao gerenciamento de vacinas, aquisição de insumos e acompanhamento dos estados, mesmo este mínimo só se efetivará se a interlocução de Pacheco for diretamente com Queiroga, o que é pouco provável que se efetive. Bolsonaro faz questão de afirmar que não é um banana e quem manda é ele e sinaliza que não dará trégua e manterá o ataque sistemático às medidas de restrição de mobilidade adotadas pelos prefeitos e governadores, assim como não arrefecerá o enfrentamento a Dória, Dino e governadores petistas. O recente episódio da vacina Butanvac, que levou os ministros Pontes e Queiroga a se apropriarem do desenvolvimento de outra vacina, cujo nome ambos sequer sabiam, é apenas um exemplo do baixo nível em que Bolsonaro coloca este embate. Pacheco assumiu uma tarefa inglória.

Quanto à questão das relações exteriores, o caldo azedou no mesmo dia da reunião. Durante o encontro, Ernesto Araújo já havia recebido duras críticas de Pacheco, que exigiu mudanças. Em audiência no Senado, enquanto a reunião ainda acontecia no Alvorada, o arremedo de chanceler reafirmou sua política, enquanto o assessor presidencial, Felipe Martins, fazia gestos obscenos (ou racistas) para os senadores. Ao final da tarde, em resposta, Arthur Lira elevou o tom em clara mensagem de que ou Bolsonaro muda a política externa, trocando o ministro, ou Pacheco abre a CPI, ou ele próprio, o impeachment.

Muitos devem estar se questionando se esse embate decorre do fato de o Centrão ter deixado o fisiologismo de lado e adotado uma postura humanista. Não! Para entendemos a motivação do Centrão, temos que recorrer a uma afirmação de Ulisses Guimarães (ou pelo menos atribuída a ele): a única coisa que unifica todo o congresso é a defesa dos mandatos. Os membros do Centrão são aqueles tipos que fazem a mais tradicional das políticas, a estruturação de bases tendo os prefeitos como principais cabos eleitorais. Não é de graça toda a ganância deles em relação a emendas parlamentares destinadas a municípios, pois com elas fortalecem seus prefeitos e ampliam suas próprias votações.

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