A derrota de Trump já significa uma “virada”?

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Foto: reprodução

Qualquer que seja o presidente dos Estados Unidos ele servirá aos interesses do império americano, assentado na truculência e na agressividade contra as demais nações, na intolerância e na beligerância para garantir a “América em primeiro lugar”. Varia apenas o tom e a habilidade com que lidam com essas questões.

E é preciso ter presente que essas ideias existem objetivamente na sociedade, como bem demonstrou Morgan em Ancient Society, experimentando fluxos e refluxos de acordo com o desenvolvimento das forças produtivas.

No caso da recente eleição americana o que se deve comemorar, portanto, não é a vitória de Biden – um político conservador – mas sim a derrota da extrema direita, representada por Donald Trump, cuja truculência é de tal ordem que ele se nega a aceitar a derrota, tal qual Bolsonaro que dizia não aceitar qualquer resultado que não lhe fosse favorável.

Assim, a derrota de Trump não significa uma “virada”, mas é um claro indicador de qual é a tendência do momento, o que não significa que a extrema direita perderá todas as eleições doravante e, tampouco, que a esquerda retomará a ofensiva de imediato.

Foi esse tipo de raciocínio mecânico, metafisico e, portanto, anticientífico, que alimentou e ainda alimenta análises apressadas e unilaterais, como se fosse possível a partir de um fato, por mais relevante que ele seja, estabelecer um novo padrão social. No Brasil, esse erro primário de análise tem sido cometido tanto por setores de esquerda quanto de direita.

É o que explica, por exemplo, porque os governos do PT nunca se dispuseram a fazer reformas que democratizassem o parlamento, o judiciário e os meios de comunicação, dentre outros aspectos estruturantes. E, igualmente, é o que explica porque a direita, via Aécio Neves (PSDB), fez uma cruzada contra o resultado eleitoral de 2014 que lhe foi adverso – tal qual Trump tenta fazer nos Estados Unidos – e contra a esquerda de forma direcionada, o que possibilitou que a extrema direita, a serviço de forças estrangeiras, criminalizassem a política como um todo e a esquerda em particular. O resultado é conhecido: o golpe que depôs a presidente Dilma Rousseff (PT), supressão de direitos sociais, derrota eleitoral tanto da esquerda quanto da direita e o triunfo momentâneo da extrema direita, do obscurantismo, de ideias que certamente eram usuais no período da barbárie e mesmo da selvageria, mas não para a etapa civilizacional. Daí o choque!

Isso levou uma leva de políticos vigaristas a se autoproclamarem de direita (!!), como se isso fosse uma qualidade e não um defeito, no afã de surfarem na onda reacionária que as urnas expressaram em 2018. Chegam ao grotesco de estabelecerem uma disputa para saber quem é de “direita raiz” ou não.

Mas, como tudo está em movimento, transformação e evolução, é fácil concluir que nada é eterno, muito menos os métodos e as práticas da extrema direita. Seus métodos, aliás, apressaram o seu próprio isolamento. O governo Bolsonaro se segura na frágil e vulnerável retaguarda do “centrão”, enquanto lhes for vantajosa essa simbiose.

No Brasil, por exemplo, a corrupção campeia; está evidente a associação do governo com facções criminosas; a intolerância e a agressividade contra os adversários e a ciência tem sido o traço principal; a retirada de direitos do povo parece ser o único objetivo do governo; o deboche diante da pandemia do coronavírus revelou o descaso com a vida das pessoas e a indiferença diante da tragédia do povo; há incentivo a práticas ambientais predatórias; e a incompetência é a marca do governo.

Isso possibilitou que o povo, aos poucos, fosse percebendo que esse grupo de celerados não reúne estatura moral, intelectual e muito menos capacidade operacional para gerir um país complexo como o Brasil.

Assim, os sinais atuais indicam que a extrema direita experimentará certo refluxo, de forma diferenciada em cada país. Logo mais os mesmos vigaristas que acorreram para surfar na onda obscurantista passarão a nega-la e tentarão se apresentar como centro, esquerda, ou sob qualquer outro rótulo que eventualmente esteja na ordem do dia.

A derrota de Trump, porém, não é um fato isolado. Representa uma tendência, como temos observado no mundo e no Brasil. Aqui, expresso no fracasso eleitoral de quem é apoiado por Bolsonaro, pelas gestões desastrosas dos governadores eleitos em 2018 sob sua influência, especialmente os do Rio de Janeiro, Santa Catarina e do Amazonas, todos eles com desempenho administrativo medíocre, acusados de corrupção, enfrentando processos de impedimento e com grandes possibilidades de não concluírem os mandatos.

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