A desocupação do Iraque

Após a famosa “sapatada” em Bush da semana passada, esta que entra ainda ficaremos no Iraque. Trata-se de um final de ano de intensas discussões no parlamento iraquiano sobre a desocupação do país, ou da retirada efetiva das tropas que lá estão desde març

As decisões tomadas


 


 


O parlamento iraquiano é bastante dividido. Ainda que a sua maioria seja composta de deputados que integrem a corrente xiita do islamismo, mesmo entre esses há divisões. O que é natural, em função que as diferenças expressam concepções de mundo diferenciadas e propostas diferentes para a saída para a crise política e militar que o país mergulhou desde que os Estados Unidos ocuparam militarmente essa milenar nação árabe. Hoje ainda permanecem no Iraque 150 mil soldados estrangeiros.


 


 


Com muito custo e com votações polêmicas e protestos formais do grupo que segue a orientação do líder xiita Moqtada Al Sadr, considerado radical para a conjuntura iraquiana, o plano americano foi aprovado. Tal plano – que já comentamos em detalhes – prevê a retirada de tropas militares americanas até dezembro de 2011. Excessivamente longo. Mas, tinha apoio do gabinete, também xiita, de Nuri El Maliki e sua maioria, assim como do líder espiritual do país aiatolá Ali Al Sistani (uma espécie de autoridade máxima da religião no país).


 


 


Se pudermos resumir tal plano ele prevê não apenas a saída total das tropas até dezembro de 2011, mas também: a) saída até junho de 2009, de todas as tropas de todas as cidades, ou seja, o policiamento urbano passaria para as forças regulares iraquianas e b) imunidade judicial aos soldados americanos em delitos cometidos no exercício de suas funções militares (se um soldado comete um crime comum fora de seu horário de serviço, poderia ser julgado pela justiça iraquiana).


 


 


O recente prêmio Nobel de economia, Paul Krugmann, um dos maiores críticos da política econômica dos Estados Unidos nos últimos anos, sempre fez contas, em conjunto com outros colegas de renome, sobre os custos dessa guerra equivocada. Os números não mentem: se gasta por mês 10 bilhões de dólares! Ou algo como 400 bilhões de dólares ao ano! E já se vão cinco anos. Por isso, a sangria do tesouro americano nessa que pode ser classificada como a maior aventura de um presidente americano, já ultrapassa a marca astronômica de dois trilhões de dólares!


 


 


As contradições que Obama vai viver


 


 


Faltam pouco mais de 20 dias para a posse do 44º presidente dos Estados Unidos. Os jornais vão tentando mostrar que Obama quer ser uma espécie de novo Abraham Lincoln. Até nos detalhes. Ele chegará para a sua posse em Washington de trem, tal qual Lincoln fez em 1861 quando foi investido como o 16º presidente americano. Até o juramento sob a bíblia – opcional, mas todos o fazem – será feito com a mesma bíblia usada por Lincoln e de propriedade da famosa LOC (Library of Congress, ou Biblioteca do Congresso, a maior do mundo).


 


Mas, Obama vai caindo na real, vai tendo que fazer composições política, não em busca de maioria no Congresso, que já alcançou com folga em novembro, mas para atender a interesses dos mais conflitantes, doadores de campanha e tentar ainda assim, manter-se fiel a alguns princípios que ele vem adotando ao longo de sua carreira. Como já dissemos, não fará um governo de esquerda. Olhando a composição de seu gabinete (secretariado, lá eles não trabalham com o nome de “ministros”, mas sim de “secretários”). No máximo, pode-se dizer que é de centro.


 


 


No entanto, vai ficando claro, com relação à política externa – em que pese a positiva indicação de Hilary Clinton para a Secretaria de Estado (uma espécie de Ministério das Relações Exteriores) – que Obama vai viver com relação ao Iraque, uma profunda e grave contradição. Mas, ela não é, a bem da verdade, insolúvel.


 


 


Trata-se do seguinte. Como dissemos acima, a vontade dos comandantes militares das tropas de ocupação, sob o comando do general quatro estrelas (patente máxima na hierarquia militar americana), David Petraeus, é de que as tropas tivessem a possibilidade de sair até 31 de dezembro de 2011, ou seja, ainda mais três anos de ocupação. Podem sair antes, mas o prazo limite é esse. E o governo e sua maioria parlamentar aceitaram, com algumas pequenas mudanças e concessões no texto final do acordo (é bom que se diga que se o parlamento não aprovasse esse acordo até o próximo dia 31, o mandato concedido em maio de 2003 pela ONU aos EUA perderia a sua validade e a fragilidade jurídica – já muito grande – com relação a ocupação, aumentaria muito).


 


 


Obama passou toda a sua campanha desde que a lançou em fevereiro de 2007, na histórica cidade de Springfield (onde Lincoln também a lançou em 1860), dizendo que retiraria as tropas do Iraque o mais breve possível. Chegou a falar em poucos meses, mas na reta final de campanha, afirmou que o prazo melhor seria maio de 2010, ou seja, em 16 meses após a sua posse. Agora, os generais comandantes aprovam um plano que menciona 36 meses para a retirada. Como conciliar isso?


 


 


Aqui entra uma questão que em ciência política dizemos que é extremamente subjetiva e diz respeito a uma questão da distância entre a vontade política de um governante eleito pelo povo e a realidade da vida, dos fatos e a tão famosa correlação de forças num determinado país. Os Estados Unidos são uma nação expansionista, guerreira, com larga folha corrida de ataques, ocupações a dezenas de países em toda a sua história. Fala-se em mais de cem ações militares em todos os cinco continentes em pouco mais de duas décadas de independência americana. O complexo industrial militar move boa parte da economia estadunidense. Veteranos dessas dezenas e dezenas de guerras formam uma “família”, em conjunto com as tropas da ativa, seus familiares, funcionários burocráticos, que alguns analistas estimam em quase um terço do país. Ou dito de outra forma, um terço do país tem alguma relação com guerra, com forças armadas. E isso movimento trilhões de dólares nessa economia militarizada.


 


 


Por isso, de meu ponto de vista, é fácil entender porque Obama prefere retirar as tropas do Iraque, mas ampliá-las no pequenino e raquítico Afeganistão. Fala-se em deslocar para esse pequeno país mais trinta mil soldados. Os EUA precisam de guerras para sobreviver. Pelo menos até o presente momento, dentro dessa política vigente até agora (e não vejo perspectivas de mudanças com a chamada era Obama).


 


 


Na semana que passou o famoso The New York Times noticiou uma longa reunião dos generais Petraeus e Ray Odierno, comandantes militares no Iraque, sobre a questão da retirada. Foi a primeira vez que Obama recebeu formalmente um pedido de seus generais par que acatasse o plano de retirada em 36 meses e não nos 16 meses que ele passou a campanha defendendo. Uma reunião alguns dias depois, com todo o setor de inteligência, segurança nacional, que durou mais de cinco horas, cuja apresentação principal foi feita por Robert Gates, secretário da Defesa (mantido por Obama), o assunto foi tratado. É tudo muito delicado, pois o plano militar se contradiz com o plano político defendido por Obama em campanha. O que prevalecerá? É bom que se diga que o segundo conselheiro militar mais importante de Obama, além de Gates, também herdado da era Bush, é o almirante Mike Mullen, chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA.


 


Assim, Obama terá que decidir, com seu time de assessores mais íntimos, entre acatar a decisão de sua área militar ou ser coerente com o que defendeu durante a campanha. Lula viveu isso nos primeiros anos de seu governo. Chegou até a ser acusado de ter “virado” a casaca, de ter mudado, alguns mais extremistas chegaram a dizer que ele passou a ser um “traidor” (sic) dos trabalhadores e de seu passado de lutas.


 


Perspectivas futuras


 


Assim, Obama tem diante de si três datas fatídicas: 1. Junho de 2009, quando as tropas americanas devem deixar o patrulhamento das cidades; 2. Maio de 2010, a data prometida a seus eleitores, de retirada total das tropas (que, inclusive, impulsionou sua campanha popular) e 3. Dezembro de 2011, quando da retirada total, pelo acordo aprovado pelo parlamento iraquiano.


 


 


É certo que muitas das tropas, milhares de soldados, mudarão mesmo seu perfil de ação no Iraque a partir de junho de 2009. Passarão a ser chamados de “assessores militares” ou “conselheiros militares”. Puro eufemismo, para dizer que continuarão sendo soldados e participarão sim de combates em conjunto com as tropas regulares iraquianas. Ninguém imagina uma cidade como Bagdá sem a presença de pelo menos dez mil soldados americanos em seu patrulhamento. O relógio do tempo e o político correm contra Obama. Ele terá que fazer muitas gestões políticas, demonstrar amplitude, para não só ser coerente, mas principalmente, atender às diversas forças políticas que o apoiaram e ouvir as propostas de seus generais.


 


 


Interessante registrar a opinião expressada por Gates em entrevista concedida na semana passada quando um jornalista lhe perguntou para além de 2011, como ficaria a presença militar americana em solo iraquiano. A resposta de Gates foi clara. Ele afirmou que ainda depois dessa data, muitos milhares de soldados americanos permanecerão no Iraque, ainda que com outras funções. Ou seja, os planos da Defesa e do setor militar, são de muitos e muitos anos os planos de subjugação da nação iraquiana sob os ditames dos Estados Unidos. Não corroboro com essa análise. A reação dos iraquianos, do povo árabe e mesmo de todo o mundo ao hegemonismo americano, fará com que eles recuem. Quem viver verá.


 


 


Notas


 


Todo este artigo menciona apenas as tropas regulares. Os mais de 150 mil mercenários seguramente continuarão atuando no Iraque à serviço das empresas transnacionais que lá atuam. Mas, esse é assunto para outro artigo um dia desses.


 


Para escrever esta coluna, consultei dois artigos de jornal, a saber: EUA vão mudar função de soldados no Iraque para mantê-los no país, da jornalista Elisabeth Bumiller, do jornal NYT, publicado pelo jornal Estadão de 23 de dezembro de 2008, página A8 e também Plano militar para a retirada destoa de promessa de Obama, do mesmo jornal NYT, publicado no Brasil pela Folha em 19 de dezembro de 2008, página A10.

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