A diplomacia do futebol

O esporte bretão deixou sua nobreza para arrastar-se nos campos de terra, praças empoeiradas e ruas esburacadas do mundo. Ganhou os modernos coliseus esplêndidos. Uma bola de meia, um fruto, uma bexiga recoberta de goma, de cubertão ou a tecnológica jabulani, qualquer uma serve para desatar a correria, a sôfrega batalha por sua posse. Não se exige dos jogadores qualquer título ou linhagem. Basta haver nascido com o dom de rolar a pelota e ir aperfeiçoando a arte de driblar os adversários, coordenar os lances e perseguir sem descanso os sonoros e catárticos golos. Preferem-se os filhos das periferias, os excluídos do mundo, os meninos experimentados nos campos improvisados de subúrbios e favelas. Quem sabe, uma disposição genética original ou a premência de uma vida de fugas e invencionices treiteiras, tenha conformado o gênio de tantos deuses desse esporte contagiante. A Copa da África do Sul é o circo máximo. O mais visível. Suas imagens entram pelos lares do mundo. Ninguém fica indiferente ao confronto dos times que representam nações, políticas, produtos e dá aos povos excluídos a breve sensação de poder brilhar no palco também freqüentado pelos grandes. Ficamos sabendo que naquele cenário os antigos colonizadores podem sucumbir à democracia dos gramados. Beijam o chão, fazem ou tomam golos. Pode se ver a África do Sul, retalho de nações e povos, tentando uma unidade moldada em sofrimento e sangue. O apartaide guardado em seus guetos de segregação. Talvez por isso os estádios africanos se tinjam de negro, emoldurando faces louras de trêfegos turistas. Parece que a Copa é apenas dos negros e ainda se clama pela presença de Mandela, como símbolo que pode unir etnias e almas tão diversas. Alem das pelejas campais, de paixões e patriotismos, sobressai na tela do mundo a África profunda, berço da humanidade, humilde doadora de indestrutível alegria. Espalhados no mundo pela grande diáspora da escravidão, os meninos de ébano podem ocupar o centro das atenções, carregarem coroas de reis, e conquistar cidadania em muitos países. Ser venerados como ídolos de um novo culto, onde começa a nascer a compreensão das diferenças e da diversidade. Mais do que as políticas e as diplomacias, o esporte constrói fronteiras de diálogo. Por um momento, os gestos de fair-play dos atletas superam as mesuras diplomáticas, as hipócritas celebrações de acordos e ensinam que jogadores de futebol podem ser melhores embaixadores que profissionais burocráticos. Os estádios, afinal, podem ser melhores arenas de entendimento que dos encontros das cúpulas de nações. Depois da Copa alguma equipe levará a taça, mas todas serão vencedoras. Principalmente a África do Sul que terá ensinado o mundo a se reunir, ainda que nos gramados, sem o horror de suas fraturas físicas e espirituais, sem o exotismo da selva mitificada. A África que se levanta cantando, dançando e abraçando o mundo. Esta, a taça que honra, a melhor vitória.

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