A jornada de trabalho
Acabam de divulgar que o Brasil completou o exuberante número de 80 milhões de automóveis nas ruas. Ou seja, quase um carro para cada dois habitantes, engarrafando a vida até em pequenas cidades do interior. E o pior é que tem gente comemorando esse feito.
Publicado 11/07/2012 18:16
Uma das conquistas dos trabalhadores no início do século passado, no Brasil, que é a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia, já foi para o beleléu. Hoje, um trabalhador gasta em média três horas para ir e voltar do trabalho, o que coloca a jornada diária em perto de treze horas, com muita sorte.
Isso significa dizer que o convívio em família é quase zero e com a comunidade, então, nem pensar. Mal e mal dá para dizer “boa noite” para o vizinho ao sair de madrugada e “boa noite” de novo ao chegar noite adentro. É a regra para quem se locomove em seu próprio carro ou para quem anda nos precários transportes coletivos e trabalha no período diurno. E que não esteja nas taxas do desemprego.
Caso resolva assistir a um jogo de futebol, no horário das dez da noite, imposto pelos interesses globais da TV, a coisa se complica ainda mais. O coitado terá de andar até o carro, que ficou longe do estádio, ou suplicar por algum transporte público já de madrugada.
Vale lembrar que o futebol foi a razão do surgimento da chamada “semana inglesa”, que encerra o expediente na manhã de sábado. Na Inglaterra, o berço do futebol, havia enorme confusão nas fábricas e outros locais de trabalho por causa dos jogos durante a semana. Daí, o governo decidiu reservar as tardes de sábado para o esporte. Mas este é, por assim dizer, um detalhe.
No Brasil, essas famílias poderiam muito bem estar em áreas rurais, caso fosse outra a estrutura da agropecuária brasileira. As grandes propriedades, cada vez mais mecanizadas, com benefício do dinheiro público, expulsam as pessoas do campo. Sem contar que as que conseguem ficar, mesmo em assentamentos recentes, padecem da falta de escolas, da assistência de saúde e de outros serviços.
Mas, uma vez que estão nas cidades (ou periferias) poderiam pelo menos desfrutar e boa estrutura de transporte para que sua jornada na labuta diária fosse mais branda. O que ocorre, entretanto, é que nem o pobre, nem o remediado ou até o mais rico têm facilidade na mobilidade urbana. Exceto aqueles que fazem com que São Paulo, por exemplo, seja a cidade que mais tem heliportos no mundo.
Ou seja, quem aplaude a marca dos 80 milhões de automóveis deve estar vivendo em outro planeta. Outras modalidades de transporte, nem mesmo a bicicleta, têm espaço. Aliás, nem o próprio carro, que fica horas e horas em longos engarrafamentos, mesmo em cidades como Boa Vista, Goiânia ou Brasília, de existência mais recente e tidas como planejadas.
Garantir assistência e qualidade de vida para o homem do campo e rever as políticas públicas nas cidades é, antes de tudo, voltar a uma jornada de trabalho mais justa e saudável. Seria, pois, voltar ao começo dessa história.