A menina do juizado

Olhos de dor. Vestida de medo, acuada, foi assim que ela chegou na nossa casa. Uma menina, talvez da minha idade, mas com algumas marcas de sofrimento, por isso parecia mais velha. Era final de tarde , um pouco antes do jantar e ela não sentou conosco. Depois vi que fazia sua refeição na mesa da cozinha.

À noite, quando já estávamos deitadas, mamãe comunicou que aquela menina ficaria algum tempo morando conosco, era uma decisão do juizado de menores.
Sinceramente, uma explicação que não conseguimos entender, acho que não era pra entender mesmo.

Ela dormiu no quarto ao lado do nosso, era o quarto que minha avó e Mundica, a tia preta, ficavam quando vinham passar alguns dias na cidade.

Os primeiros dias não houve nenhuma comunicação. Ela ficava o dia sentada na cozinha, às vezes ficava na porta que dava para o saguão, observando as nossas brincadeiras, mas não se enturmava e quando estávamos na calçada a ponto de colocar o pé na rua para algum passeio, ela ficava no portão da varanda debaixo olhando até que dobrássemos a esquina. Era uma menina solitária e triste.

Assim foi o primeiro e o segundo mês, no terceiro ela era parte do grupo e um sorriso constante brotava no seu rosto. Agora tínhamos uma companhia para nossas andanças pelas ruas.

Todos os dias íamos à casa dos avós paternos pedir a benção. Eles já moravam na cidade. Recordo de chegar na casa do vovô Antônio Benício e ir até a cozinha pra tomar a bênção a vovó Maria Emídia e aproveitar para comer beiju com coco, o melhor beiju que já comi em toda minha vida. Este era um programa diário e o preferido, pois dali aproveitávamos para uma fuga. Neste dia, na saída, vovô que estava como sempre na porta com sua revista Cruzeiro, levantou a vista e falou com sua voz bastante arrastada:

– E hoje tem uma menina grande, diferente. Quem é essa meninona?

Conceição, a primeira irmã respondeu: – amiga que papai trouxe de Piripiri.

Faltava pouco para completar um ano… e choramos ao ver o jeep sumir na rua. Papai voltava a Piripiri para levar a nossa amiga embora.

Mamãe falou que ela precisava voltar para o juizado, o seu tempo teria terminado. Assim vimos a nossa amiga passageira partir para nunca mais.

E quando lembro daquela meninona, o que emerge são as lembranças dos seus olhos de dor e fico me perguntando se aquela temporada na nossa casa foi o suficiente para segurar o sorriso que brotou da nossa breve convivência.

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