A notável e envolvente feminista Lidia Poët

As Leis de Lidia Poët narra a incansável e obstinada história dessa jovem profissional em defender aqueles (as) abandonados (as) pelo Estado, que já não acreditavam que a justiça poderia ser feita.

Mais uma surpreendente série de TV de seis capítulos. Uma história real sobre a trajetória, persistência, resistência e conquista da primeira advogada italiana Lidia Poët (Matilda De Angelis), impedida de exercer sua profissão pelo fato de ser mulher, em plena Itália do século XIX marcada pelo machismo exacerbado e pelo patriarcalismo.

Dirigida por Letizia Lamartire, Matteo Rovere, As Leis de Lidia Poët narra a incansável e obstinada história dessa jovem profissional em defender aqueles (as) abandonados (as) pelo Estado, que já não acreditavam que a justiça poderia ser feita. O drama, com belíssima fotografia e muito bem ambientado em Turim (Torino, em italiano, fica no noroeste da Itália, região do Piemonte), nos encanta e supreende em cada capítulo. Apesar da opressão machista, inclusive familiar, ela não cede, não aceita, protesta e encontra estratagemas para fazer aquilo que acredita, atuar no processo de justiça, fazer justiça.

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Lidia nasceu em 1855, italiana, estudou na Faculdade de Direito da Universidade de Turim, formando-se aos 25 anos de idade. Logo inicia sua atuação em um escritório de advocacia como assistente em tribunais e outras ações, recebendo a inscrição na Ordem dos Advogados de Turim dois anos após sua formatura, tendo aceitação de 45 entre 50 votantes. No entanto, logo que inicia sua profissão, um procurador geral monarquista articula a cassação do direito de exercício legal da profissão, com o argumento de que aquele espaço não era para as mulheres e de que elas deveriam ficar no ambiente doméstico. Lidia em nenhum momento se dobra ao tratamento misógino, ao contrário, busca a defesa com altivez de seu direito de igualdade entre homens e mulheres. Apesar de ter recorrido inúmeras vezes em diversos tribunais, todos negaram seu direito ao exercício da advocacia pelo fato de ser mulher. Sua luta e energia continuada se tornou uma referência para o feminismo e um exemplo para todo o mundo da luta das mulheres por justiça. Além da denúncia desse espaço institucional permanecer até nossos dias permeado pela desigualdade de representação e muitas vezes pela invisibilidade da atuação das mulheres.

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Na maior parte de sua vida, Lidia Poët lutou pelo seu direito e de todas as mulheres, incluindo seu papel de ativista em organizações de defesa de presos (as). No entanto, foi somente em 1919 que as mulheres conquistaram espaços de destaque no Direito e a própria Lidia somente aos 65 anos de idade, 40 anos após formada, conseguiu seu título de advogada. Ela ainda atuou como enfermeira na Primeira Guerra Mundial, através da Cruz Vermelha, e não descansou, participando e defendendo o direito da mulher ao voto, assumindo no ano de 1922 (mesmo ano de fundação do Partido Comunista do Brasil) a presidência de uma comissão que defendia o direito das mulheres de votar. Foi somente em 1946 que as mulheres italianas alcançaram esse direito. Lidia faleceu em fevereiro de 1949, aos 93 anos de idade.

A advogada Lídia Pöet inspirou a série estrelada pela atriz Matilda De Angelis

Na série, destaca-se a atitude investigativa, o compromisso com as leituras e cuidado com a ciência, demonstrando a atuação firme da atriz que interpreta Lidia, desde a defesa de um condenado de matar uma bailarina, a uma anarquista acusada de assassinato. Um dos episódios é revelado através da luva volumétrica que a acusada não era a criminosa como queriam os juristas, Lidia consegue através de seu irmão o advogado Enrico (Pier Luigi Pasino), que a autoridade judicial aplique os testes da luva na operária presa, pois esse equipamento seria um medidor indireto de o suspeito estar falando ou não a verdade. (Essa luva volumétrica deve ser o protótipo do detector de mentiras usado até hoje pela polícia, chamado de poligrafo).

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Nesse 8 de março de 2023, em que recobramos a esperança na democracia e em um país que possa fazer justiça, ainda nos encontramos, no entanto, em uma sociedade marcada pelas profundas desigualdades, pela fome, pelo racismo estrutural, pelo capacitismo, pela lgbtfobia. O movimento feminista brasileiro, tendo como referência mulheres que desafiaram o patriarcado, o colonialismo e o capitalismo, demonstram maturidade politica e unidade na luta e realizam, de um extremo a outro do país, atos unitários para a defesa da vida, do direito ao trabalho, saúde, educação, teto e terra, exigindo o fim do modelo econômico ultra-explorador, o fim do patriarcado, a luta pela democracia.

Que muitas Dandaras, Lidias, Claras, Marias, Carolinas, Terezas, Lucianas, Jandiras, Sonias, Elzas … não tenham mais que viver com o medo de serem mortas, mas que possam alcançar seus desejos e o direito de ser o que escolherem. Como na série, As Leis de Lidia Poët, que evidencia como as mulheres buscam seu espaço público e de como o patriarcado tem invisibilizado e impedido durante séculos que elas possam se emancipar. A rebeldia se mostra para Lidia como uma ferramenta fundamental para a criativa e subversiva capacidade de resistência das mulheres à opressão patriarcal e sua afirmação e para sua liberdade.

Referência:

https://diariodeseries.com.br/lidia-poet-historia-real-serie-netflix/

Ficha Técnica: As Leis de Lidia Poët – (pode conter spoiler)
Título Original: Lidia Poët
Ano produção: 2022
País – Itália
Dirigido por: Letizia Lamartire, Matteo Rovere
Classificação: 16 anos

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